Candidata ao reconhecimento da melhor tese de 2016, a doutora Gleriani Torres Carbone Ferreira é, hoje, a maior autoridade acadêmica em gestão da cadeia produtiva do pirarucu, um dos maiores peixes de água doce da Amazônia Continental, capaz de atingir três metros e o peso de 200 kg. Na descoberta da economia da piscicultura, na demanda global por esta proteína e culinária, mobiliza investidores, produtores e poder público, a dissertação “Competitividade da cadeia produtiva do Arapaima gigas, o pirarucu da Amazônia brasileira” já é texto de referência. Sob a orientação de Jacques Marcovitch, FEA/USP, um parceiro de primeira grandeza dos desafios amazônicos do desenvolvimento com sustentabilidade, e apoio de Adalberto Val, do INPA, referência científica do tema, a pesquisa da cadeia produtiva do pirarucu vem à luz num momento em que o Estado do Amazonas prioriza esta matriz econômica e investe esforços e talentos para seu ordenamento. Confira a entrevista com Gleriani Ferreira.
FOLLOW-UP: Com tantos gargalos de gestão pelo país afora, porque uma paulistana, aluna de uma escola tão demandada para os desafios do desenvolvimento do Sudeste como a FEA/USP, Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração da Universidade de São Paulo, por que a escolha de investigar as cadeias produtivas do pirarucu da Amazônia?
GLERIANI FERREIRA – Tenho formação e experiência profissional em logística e comércio exterior. Daí surgiu minha indignação quanto a pauta de exportação brasileira que é fundamentada em matérias-primas, sem o devido processamento para geração de empregos, arrecadação de impostos e a valorização do produto final. Exportamos algodão e importamos tecidos e confecções; exportamos aço e importamos vagões e veículos; exportamos soja e importamos óleo. Tudo isso porque somos incapazes de processar nossas matérias-primas. Essa indignação me levou a estudar a história da Sadia na época do meu Mestrado, onde eu busquei entender como a empresa conseguiu mudar o modelo de exportação de commodity, passando a oferecer pratos prontos, inclusive para atender valores religiosos como os produtos Halal, uma certificação que padroniza e legitima a produção de alimentos para o mundo árabe. No doutorado, inspirada nos estudos desenvolvidos pelo meu orientador, Prof. Jacques Marcovitch e pela Prof. Bertha Becker, passei a questionar a falta de cadeias produtivas completas na região da Amazônia brasileira. Nesse momento estava definido que a Amazônia seria o território de estudo e que eu trataria de cadeias produtivas. A escolha da piscicultura se deu em função do enorme potencial fluvial da região, embora sejamos importadores de pescados. Além disso, moro em São Paulo onde temos imensa facilidade para comprar frangos e carnes, porém muita dificuldade para comprar peixes, seja de água doce ou salgada.
FUp – Em diversas visitas às instituições de pesquisa e desenvolvimento, suas observações sugerem que sobra recurso e falta gestão. Como equacionar este dilema?
G.F. – Os recursos estão indo para institutos de pesquisa que concentram seus esforços em elos específicos da cadeia, como a reprodução e o crescimento. Certamente estes elos são importantes, mas também precisamos desenvolver capacidade produtiva capaz de processar os pescados. Nesse sentido me refiro especificamente a frigoríficos, fábricas de gelo e de ração, além de graxaria e curtume. Frigoríficos, aliás, é o gargalo universal. Prover recursos para equacionar este entrave, notadamente em inovação de alternativas energéticas para resolver este entrave, é essencial. Da mesma forma, também precisamos ampliar o hábito de consumo de pescados em todas as regiões do país. Quero enfatizar que minha pesquisa apontou elos completamente desassistidos ao longo da cadeia produtiva da piscicultura.
FUp – Muito inventário e pouco desenvolvimento. Quem não está fazendo direito sua parte e como superar este equívoco?
G.F. – Acredito que os pesquisadores deveriam repensar a importância de suas pesquisas, buscando gerar conhecimento realmente novo e capaz de contribuir para o desenvolvimento do nosso país. É importante buscar parcerias com universidades estrangeiras, mas também é importante colocar a nossa qualificação à serviço de iniciativas que sejam capazes de resolver problemas reais. Diversos entraves necessitam da visão holística e integralizante, a característica básica é peculiar dos Administradores. Portanto, digo que cabe aos cursos de Administração estudar os gargalos reais do nosso país a fim de propor modelos factíveis, fazendo-se ouvir em rádios e canais de comunicação. Em se tratando da cadeia estudada, recomendo fortemente que o Sebrae utilize toda a sua expertise para alavancar o mercado consumidor de pescados, desenvolvendo campanhas capazes de apresentar os produtos e seus benefícios, assim como promover feiras e instruir pequenos e médios empresários que possam se interessar pelo setor. Também recomendo que os institutos de pesquisa da Amazônia passem a estabelecer convênios com outros Estados do nosso país, com a finalidade de fortalecer e alavancar as pesquisas para equacionar os entraves importantes para a região.
FUp – Sua pesquisa chega numa hora em que o governo decide focar em novas modulações econômicas. Como ajudar essa ideia oportuna e qual a relação dela com os desafios de sustentabilidade e do clima para a Amazônia?
G.F. – Acredito firmemente no potencial de desenvolvimento que será alcançado a partir do estabelecimento de cadeias produtivas completas na região da Amazônia, inclusive com certificações específicas capazes de garantir o respeito a quatro elementos centrais para a região: a preservação ambiental, a valorização do conhecimento popular do indivíduo da região, as devidas estratégias de adensamento e conhecimento científico e, por fim, a segurança jurídica necessária para atrair investidores. Sobre esse assunto espero poder conversar com mais detalhes em outra ocasião, especialmente no que se refere à segurança alimentar, certificação e papel fundamental da região no Acordo do Clima, celebrado em Paris, em dezembro último.
FUp – Quais as principais recomendações e propostas de sua tese para os atores da economia do peixe na Amazônia?
G.F. – Entendo que é preciso focar sempre nos quatro elementos condicionantes para a composição do ambiente institucional da Amazônia: o indivíduo, a natureza, a ciência e as leis federais. A contribuição do meu trabalho não está vinculada à eleição de tais elementos, mas à compreensão de que eles devem atuar como a base para o desenvolvimento de negócios e de políticas públicas na região. A partir disso, cabe identificar os entraves que impedem a competitividade da cadeia produtiva do Arapaima gigas e promover ações direcionadas aos elos localizados ao final da cadeia produtiva, especificamente o processamento, a distribuição e a comercialização. A reprodução induzida com baixo custo e métodos não está entre os principais gargalos. Se isso fosse superado, não haveria frigorífico disponível para o abate, nem demanda desenvolvida para absorver a produção. Aliás, hoje não existem frigoríficos suficientes para atender a demanda de refrigeração. Urgente, pois, é a definição de um plano estratégico estadual integrado para o desenvolvimento da região, elegendo os temas prioritários que carecem de estudos, os editais com abrangência nacional podem convocar pesquisadores de todas as regiões do país a se unirem aos pesquisadores e centros de pesquisa da Amazônia, intensificando esforços para a busca de soluções. As medidas organizacionais possuem potencial para extrapolar as fronteiras da piscicultura, trazendo benefícios para outras cadeias.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Parabens pelo site sempre mostrando bons artigos fale tambem de Criação de peixes em caixa d agua