Entrevista com Edmilson da Costa Barreiros Júnior, Procurador-Chefe da República no Amazonas
Edmilson é um jovem e destacado guardião da Lei, que ocupa mais uma vez o cargo de Procurador-Chefe da Procuradoria da República do Amazonas. Ele nasceu em Manaus, em 1979, onde se graduou em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, com diversas especialidades acadêmicas. Entre suas atividades jurídicas, destaca a função de Promotor de Justiça do Ministério Público do Amazonas, de 2001 a 2006, nos municípios de Itamarati, Carauari, Novo Airão, Fonte Boa, Boca do Acre e Pauini, uma preciosa imersão no cotidiano dos irmãos ribeirinhos. Publicou diversos artigos jurídicos e é um disputado palestrante de temas ligados às suas especialidades. Ele atendeu a Coluna Follow-Up, para falar das novas ações da Campanha Dez Medidas Contra a Corrupção, coordenada pelo Ministério Público Federal, no âmbito do Comitê Cidadão, onde tem atuado com entidades de diversos segmentos da sociedade na defesa dos Direitos Civis, ao lado da liderança institucional do Arcebispo Metropolitano de Manaus, Dom Sergio Castriani e do Pastor José João, da Igreja Presbiteriana de Manaus. Para ele, “Os atores mais importantes desta campanha são os atores sociais: as igrejas, as escolas, os movimentos sociais organizados, as pessoas que fazem a cidadania estar viva e são elas que vão cobrar as mudanças”. Confira.
1. FOLLOW-UP – A aceitação da campanha do MPF contra a corrupção, expressa nos mais de 2 milhões de adeptos das “10 Medidas”, representa um grande alento na direção da mudança. Quais medidas podem ser implementadas para a nova legislação sair do papel?
EDMILSON BARREIROS JUNIOR – Bem, para as 10 Medidas saírem do papel, precisamos atuar para que elas sejam aprovadas no Congresso. Os cidadãos, a sociedade civil organizada como um todo, precisam acompanhar a conduta de seus parlamentares, e se assegurar de que a Comissão Especial terá seus membros efetivamente indicados, e que os escolhidos comecem a trabalhar no texto único redundante das 10 Medidas. Quando elas forem aprovadas, o cidadão deverá continuar com o seu papel fiscalizador, apontando ao Ministério Público, e aos demais órgãos de controle, como a CGU e AGU, Controladoria e Advocacia Geral da União, os Tribunais de Contas, eventuais irregularidades, principalmente ao Ministério Público. A partir disso, quando as 10 Medidas estiverem aprovadas, teremos melhores instrumentos para trabalhar.
2. FUp – Desde a alegoria do Éden, o suborno simbólico da maçã pode ser interpretado como a primeira manifestação da corrupção. É possível corrigir este desvio de conduta da natureza humana?
EBJ – Mesmo sendo o suborno, a corrupção, um desvio atávico da natureza humana, se não é possível erradicá-lo completamente é imprescindível deixá-lo em níveis aceitáveis. Os países civilizados precisam viver com taxas reduzidas de corrupção para evitar que esse fenômeno se alastre, se generalize nas instituições e acabe deixando a sociedade, o mercado, e a própria confiabilidade do povo eivada de distorções. Então, nesse contexto, as 10 Medidas vão contribuir com esse nosso avançar civilizatório.
3. FUp – Desde a elaboração dos mais primitivos códigos de postura, temos leis para punir corruptos e corruptores. Por que algumas leis não funcionam no Brasil?
EBJ – Em primeiro lugar, é importante dizer que as leis precisam ser efetivas e não simbólicas, elas precisam funcionar num contexto em que dependam muito pouco de regulamentação ou de uma atuação positiva dos poderes constituídos. E o que isso quer dizer? As leis serão mais eficazes quanto mais elas venham a compor o dia a dia do cidadão e das instituições que tem a missão de faze-las concretas. Portanto, não adianta uma lei impor obrigações impossíveis ou obrigações inatingíveis num contexto de crise por falta de recursos materiais. E um detalhe primordial: é impossível que uma lei venha ter efetividade social se o cidadão não internaliza o papel da justiça, da sua necessidade, e da sua real aplicabilidade para a sociedade. As 10 Medidas provaram nessa Campanha que as Leis são desejadas, são vistas como necessárias.
4. FUp – Qualquer mudança na tábua de valores implica sempre na adesão das pessoas, um choque cultural, quase sempre penoso e lento. Que atores sociais poderiam influenciar mais fortemente essas mudanças?
EBJ – Os atores mais importantes são os atores atuantes nos diversos agrupamentos sociais, eu diria, as igrejas, as escolas, os movimentos sociais organizados, as pessoas que fazem a cidadania estar viva. São esses atores que vão cobrar as mudanças de atitudes em torno da lei. Após aprovadas as 10 Medidas, vão exigir que as autoridades implementem as mudanças. Assim como é muito importante o controle social, também é importante essa interação com a conduta das autoridades constituídas. Concretamente, digo que as autoridades precisam ter a humildade de saber ouvir os anseios populares e, nesse contexto, cabe ao Ministério Público lutar pelos anseios sociais de que o sistema de justiça seja efetivamente mais justo, mais rápido, mais proativo e menos seletivo. Ou seja, a justiça tem que atingir tanto os criminosos do alto poder econômico como aqueles que já tradicionalmente são punidos pelas leis do país.
5. FUp – O Ministério Público foi concebido como guardião institucional das leis, mas nem sempre é visto deste modo pelo tecido social. A que se pode atribuir esse distanciamento?
EBJ – Não posso mensurar qual o nível de distanciamento que é percebido pela questão colocada, o que posso dizer é que o Ministério Público sempre está lançando alguma boa prática, algum aplicativo, algum projeto, alguma ação concreta para se tornar cada vez mais próximo do seu cliente, que é o consumidor, o cidadão, o contribuinte, o usuário dos serviços públicos, a pessoa que vê o seu direito violado e vai reclamar uma atuação do Ministério Público. Para os que percebem algum distanciamento é possível que isso acorra em razão das dificuldades práticas de acesso à justiça, ou em razão do não entendimento das ritualísticas e das formalidades que a lei impões a todas as autoridades públicas inclusive ao Ministério Público, por vezes esses ritos não são compreendidos e as pessoas acham que o Ministério Público não atuou, ou não compreendeu, ou não se importou adequadamente com o seu direito violado, mas isso é uma visão que dependerá dos casos concretos porque institucionalmente o Ministério Público sempre está buscando caminhos para trabalhar do modo mais efetivo e socialmente eficaz.
6. FUp – Entre as 10 Medidas, uma responsabiliza os partidos políticos e criminaliza claramente o caixa 2 entre outras distorções. Isso é factível numa cultura política tão arraigadamente corrupta?
EBJ – É factível a punição pelo caixa 2. O caixa 2 hoje é crime e já é punido, pois existem precedentes, como crime contra a fé pública. Pelo projeto das 10 Medidas é um crime que afeta a credibilidade do sistema eleitoral, terá punições mais sérias, terá multas a serem cobradas dos partidos e dos dirigentes e a pena criminal será maior. A questão toda é o fator dissuasório, a lei tentará inibir essas práticas dos partidos políticos tradicionais, entretanto, o próximo passo será uma reforma partidária sem a qual os vícios da política tradicional não desaparecerão. Esses vícios contaminam as atividades políticas dos partidos. Sempre é importante lembrar que sem uma reforma política partidária, que torna os partidos mais democráticos, não haverá reforma política eficaz no país.
7. FUp – O desafio maior continua sendo o educacional. Eis o entrave ou as condições de possibilidade para esvaziar ou assegurar a concretização das 10 Medidas. Como o MPF poderia atuar neste desafio?
EBJ – Desafio educacional… o Ministério Público precisa, em primeiro momento, não se constituir num substituto da sociedade civil nessa questão. É importante que haja leis locais e estaduais trazendo institucionalmente a escola para o debate, para a cultura contrária à corrupção, fazer uma cultura de legalidade, como da mesma forma que hoje o Estado procura levar a cultura de prevenção ao ilícito para as empresas através de lei federal. Eu digo que o Ministério Público pode levantar esses debates, propor essas políticas em âmbito nacional, estadual e municipal mas há de haver uma humildade suficiente para reconhecer que compete à sociedade encabeçar essas mudanças porque é a sociedade que tem o direito de decidir os conteúdos da educação de seus filhos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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