O Artigo sexto, da Lei Nº 7.783, de 28 de junho de 1989, que encaminha os Direitos de Greve, e esclarece o que são atividades essenciais, é muito claro no seu primeiro parágrafo ao determinar as limitações do movimento paredista: “§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”. Sob disfarces estratégicos, desenvolvidos pela tecnologia sindical para driblar a Lei, a greve dos auditores fiscais da Receita, formalmente assumida em 18 de outubro último, já iniciou a espalhar seus constrangimentos aos direitos do “outrem” desde 14 de julho do ano corrente. Vamos aqui refletir sobre a descrição do que a Lei chama de “outrem”, a alteridade onde deve estancar o direito de greve de quem quer que seja no exato instante em que esta greve ameaça o direito que a lei lhe confere, sua proteção legal, ou seja, seus direitos. Aqui o “outrem”, pra resguardar a objetividade, é fundamentalmente a classe trabalhadora, pois em cima dela explodem os maiores estragos dessa estratégia vesga de forçar um entendimento entre auditores e o governo às custas alheias. O governo, aliás, já mostrou o grau de atenção e prioridade que a greve dos auditores fiscais da Receita representa. Algo próximo a zero. Mas o grau de tensão entre os empregados é extremo, quando veem, no cotidiano das fábricas linhas inteiras paralisadas pela falta de peças, pelos contêineres retidos na alfândega por falta de liberação. As empresas estão driblando prejuízos da crise há mais de dois anos. Muitas já se foram. “No Paraguai não tem disso”. Tomemos o caso do segmento de duas rodas, um dos mais importantes e, por conta da crise, um dos mais alcançados em prejuízos acumulados. Nos dez primeiros meses de 2016, as vendas totalizaram a redução para 742.589 unidades, queda de 29,3% em relação ao registrado no mesmo período de 2015. Em comparação ao mesmo período do ano passado, a retração é de 35,2%. O “outrem” é a família do trabalhador demitido, e toda a rede local, estadual e nacional que daí se espalha, considerando venda, transporte, securitização, assistência técnica, comunicação, etc. etc… A ZFM está presente em todos os lares com seus produtos e com o desemprego com a falta deles. A greve alcança um período simbólico do calendário anual, quando a economia aguarda repor perdas e o tecido social se prepara para vivenciar o sentido de comunhão da quadra natalina. A greve dos Auditores ajuda, exatamente, a estancar a fonte de recursos daqueles que dependem do emprego e do salário adicional para externar a cultura festiva de todo final de ano. As empresas fecham suas portas, o Brasil congela seus gastos, todos buscam alternativas de deter o amontoado de estragos decorrentes da farra do dinheiro público. Faz sentido esticar uma greve nestas circunstâncias? Ninguém é contra direitos, mas ninguém pode construir alicerces em cima dos danos alheios, muito menos resgatar conquistas em cima dos danos de “outrem”.
O papel de cada um
O dano alcança, ainda, as empresas que dão amparo à economia local, regional, nacional. Afinal, mais de 90% da base socioeconômica do Amazonas está calcado nos investimentos aqui alocados e, ora, atingidos pela greve dos auditores. Nesta terça-feira, havia 300 contêineres retidos na área alfandegada de um dos portos locais. Apenas 10 ou 12 são liberados por dia, quando os fiscais decidem operar. Os contêineres retidos contêm peças e partes de produtos que paralisam linhas inteiras de produção. Açoitadas pela crise, como nenhuma outra planta industrial do país, as empresas aqui instaladas são quem pagam os salários diferenciado dos auditores. Afinal, em tempo de rotina produtiva, elas recolhem 50% de toda a carga tributária federal da Região Norte. Somos um dos oito estados que mais recolhem do que recebem da União. Se a União repassa ao Amazonas, a cada trimestre, R$ 10 bilhões pelas contrapartidas federais, este Estado repassa para Brasília 2,5 vezes, ou seja, R$ 25 bilhões, ou seja, repassava. Os auditores fiscais sabem disso. A receita caiu, o desemprego cresceu, o Brasil entra em sobressalto pois não há certezas de virada no horizonte. Só promessas. Isso, se cada um fizer sua parte. Prejudicar o emprego, desequilibrar a produção, complicar o que já está comprometido, não é papel de quem quer achar saídas que resultem no interesse de todos.
Caminhos minados
A quem os grevistas querem punir? A que outros propósitos, além das reposições salariais e resguardo de novos e antigos direitos, está greve pretende servir? E de onde partem as ações de mobilização, inteligentemente planejadas e efetivamente bem-sucedidas em seus objetivos predatórios, como “ Dia sem computador”, “Operação Tartaruga”, “Maré Vermelha”, “Operação Padrão”. A ação das entidades levou em conta a orientação do MPF – Ministério Público Federal, o órgão guardião do interesse público e zelador da Lei. No caso da greve da Polícia Federal, ensaiada para utilizar a realização das Olimpíadas no Brasil e as ameaças dos atentados que espocam a toda hora pelo mundo, o MPF ingressou com várias ações que hoje tramitam no STF Superior Tribunal Federal, e o entendimento dos ministros em diversas decisões é que essas operações são ilegais, porque trazem prejuízos irreparáveis à sociedade. Como medida de combater essa prática os tribunais vêm condenando a ilegalidade em multas astronômicas e isso praticamente desestimulou os agentes da PF em fazer greve desse tipo, ou seja, pararam de penalizar a sociedade por melhorias salariais. O direito de Greve no serviço público ainda não foi regulamentado, mas esse entendimento dos tribunais foi justamente para evitar movimentos da PF nos eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Dificilmente o Brasil vai achar caminhos sem passar por atitudes efetivas de desarmamento de espíritos na busca do entendimento. As leis são necessárias por falta exatamente deste espírito proativo de colaboração que compatibiliza interesses e gera saídas de atendimento do ganha-ganha da solidariedade. O resto significa minar as saídas de que o Brasil precisa para descortinar novos caminhos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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