Há sempre uma erupção de messianismo quando se trata da definição de nomes na gestão pública. É como se as respostas aos graves embaraços e a elucidação de todos os gargalos – num passe de mágica – se resolvessem com a confirmação do enviado, transformado numa panaceia para curar todos os vales. Sabemos, entretanto, que não funciona assim. O cargo, o embaraço institucional, a (des)autonomia crescente e hoje irrecorrível da Suframa não se equacionam na escolha de um novo gestor. O momento é dramático, e é patético o clima de dissenção que se formou, no confronto de grupos em torno de interesses pontuais, pessoais ou, no limite, políticos, no sentido liliputiano do termo. A desconstrução do modelo está a galope e até aqui não fomos capazes de empreender novas trilhas. Na gestão passada da autarquia, tudo o que poderia ser feito para impedir o deslanchar de novas matrizes de negócios, foi feito. A começar pelo boicote à revisão dos critérios de distribuição dos recursos de P&D, as verbas pagas pela indústria de Informática para inovação tecnológica em TIC e Biotech, por exemplo, vocações consolidadas do modelo ZFM. E o que é mais complicado: a base política parlamentar estadual e regional jamais pôs este entrave na mesa de discussões. Por isso que a questão não é um nome e sim uma proposta, politicamente coerente, socialmente adequada, ambientalmente equilibrada e economicamente promissora, parodiando o mestre Samuel Benchimol.
Patamar mínimo
Enquanto não se alcança este patamar de transparência e comunhão, boicotado pelo imbróglio político reinante, o mesmo que esvaziou a Suframa e persiste na atmosfera do poder dos últimos anos, nada vai avançar. É como se os atores da refrega não percebessem que isso deverá enterrar as virtudes do modelo, seus ganhos e repertório na redução das desigualdades regionais. Nesse meio tempo, levas de professores das instituições locais estão arrumando as malas. Cansados e frustrados com os efeitos mortais da política menor nos destinos da pesquisa e desenvolvimento e interessados em temas potenciais amazônicos, focados em biotecnologia, energias alternativas, modelagens estatísticas e matemáticas de investigação eles se vão. E têm buscado outras alternativas no exterior ou no vizinho estado do Pará, que não tem um modelo de incentivos como a Zona Franca de Manaus, mas tem avançado na carreira acadêmica de olho na inovação e perspectiva de bionegócios. Programas de pesquisa da UFAM, que demandavam R$ 100 mil/ano ficaram sem receber em 2014. A instrução subliminar era, em pleno ano eleitoral – isso é indicador e pista de elucidação – canalizar recursos para o CsF, o Programa Ciência Sem Fronteiras. Essa anomalia ou reversão de funções das verbas regionais de P&D apenas confirmam as dificuldades do imbróglio conjuntural que feriram de morte projetos como CT-PIM e CBA, siglas que remetem aos Parques Tecnológicos que historicamente deveriam ter-se instalado dentro e a partir da planta industrial local. É inadiável auditar essa contravenção institucional.
Espírito público
Mais do que recurso faltou pudor e espírito público na gestão da dinheirama que as empresas recolheram na contrapartida da renúncia fiscal. Eis pois os frutos da semeadura equivocada, que trocou projetos de inovação e consolidação da economia pela política do umbigo, tecnologia da desordem e diversificação do caos. Por isso pareceu tão esotérica a conversa do filósofo Mangabeira Unger, ministro de Assuntos Estratégicos, a epistemologia de um alienígena, por ser membro de um governo que virou as costas para um modelo que só lhe faz bem. Com que autoridade eles podem falar em regularização fundiária, política inteligente e coerente contra o desmatamento, auxílio aos pequenos produtores, reorganização da agricultura e da pecuária, organização da rede industrial e transporte multimodal, ou de novos eixos focados em educação, inovação e interatividades do saber e do poder. Nem ele nem a classe política amazônica, à parte iniciativas isoladas de um parlamentar estadual, estão aturdidos para saber aonde foi parar a pecúnia da pesquisa, desenvolvimento e libertação/integração/promoção da Amazônia, se daqui saiu e no programa Ciência Sem Fronteira não chegou, como atestou a CAPES, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior?
Bioindústria sinistra
Corremos o risco de ver florescer – neste beiradão esquecido pelas verbas que poderiam apressar sua emancipação – a bioindústria marginal das drogas, especialmente cocaína e da maconha que dá suporte, não à indústria farmacêutica, mas ao narcotráfico perverso e homicida. No último relato da ONU sobre drogas, de 2012, a economia amazônica das drogas origem e rota preferencial de distribuição do tráfico internacional de entorpecentes com destino à Europa. Curiosamente, esse relatório, que aponta o crescimento da produção de 65 toneladas em 1998 para 124 toneladas em 2009, de acordo com o relatório sobre drogas da Organização das Nações Unidas. O sucesso desses empreendimentos sombrios cresceu e apareceu no vácuo das políticas públicas para o polo mais coerente, econômica e ambientalmente, para a região, que é a biodiversidade, que se alarga e complementa com a geodiversidade e sua profusão de promessas, base do polo cloroquímico que o jazimento mineral monumental autoriza. E não precisa inventar a roda nem atualizar as prospecções. As reservas minerais para o parque industrial de fertilizantes, por exemplo, estão georeferenciadas há quatro décadas. Falta vontade política pra sacudir a tentação preservacionista do assistencialismo florestal. A quem interessa pautar e convocar o Congresso Nacional que esse confisco das verbas locais de P&D está indiretamente relacionado com a expansão das plantações de coca, matéria-prima da cocaína, na região do rio Javari na divisa com o Peru, deixando rastro de destruição na floresta e no patrimônio cultural amazônico, onde vivem etnias isoladas. O titular da Segurança Pública já denunciou o problema em várias oportunidades. Os “cocaleros”, como são chamados os agricultores do tráfico, devastam áreas de floresta nativa, lançam insumos químicos, gasolina e querosene, usados na produção da pasta base de cocaína, diretamente nos afluentes do rio Javari, que recebe o mesmo nome do lado do Brasil. Esta foi a maior área de ampliação no cultivo da coca brasileira, segundo o último Relatório Monitoramento de Cultivos de Coca. Esse cenário mais amplo, portanto, independe de nomes e sim de políticas regionais de intervenção e inclusão social e de novos programas e matrizes de diversificação econômica. Voltaremos à tecla.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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