“Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda ela se forma com vistas a algum bem (o bem-comum) pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a isso, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política (Pol., 1252a).” A reflexão, de uma atualidade gritante, é de Aristóteles, está no seu Tratado da Política e foi escrita há 2500 anos. Fundador das Ciências ditas exatas, além da Física, ele sistematizou a Metafísica, as leis da Poesia e do Drama, a Música, a Lógica, a Retórica, a Governança, Ética, a Biologia e a Zoologia. Juntamente com Platão e Sócrates, Aristóteles é visto como fundador da filosofia ocidental. De quebra, foi tutor de Alexandre da Macedônia, o mais célebre conquistador do mundo antigo. Pouca gente na História tem mais autoridade para falar em Política, sua importância e necessidade na gestão do tecido social, sujeito, objeto e fim da ação política. Insistir em seu Tratado sobre a Política, neste momento de escuridão, é jogar luzes na compreensão e superação do momento presente. Na ótica do pensamento grego, um ensaio primitivo da Democracia, o gestor público só tem legitimidade na medida que representa e resguarda o bem comum. É bem verdade que as mulheres não participavam com sua visão holística da realidade e os escravos ainda eram vistos com a naturalidade que o tempo desmascarou. Mesmo assim, através dos séculos, o conceito de Política como instrumento de resguardo do bem comum se mantém incólume e assim deverá permanecer. Por isso, decisões autoritárias, condutas obscuras, o trato do bem público para atender demandas individuais ou fragmentos privilegiados do tecido social devem ser condenados. O Brasil convive com as maiores cargas tributárias do planeta sem a contrapartida dos serviços que atendam ao bem comum. “A sociedade certamente não aceita a criação de novos impostos. E entre nós, o mesmo trabalho que dá de engajamento político para criar um novo imposto é o que dá de engajamento político para eventualmente reduzir as despesas obrigatórias. É o mesmo esforço político”. A frase, absolutamente amparada no conceito clássico de ação política, é do empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas. Filho de José Alencar, uma liderança política respeitável, que deu equilíbrio, como vice de Lula, na gestão do país, Gomes defende reduzir gastos – em vez de inventar mais impostos – para cobrir o déficit no Orçamento de 2016. O conceito clássico de Política focada na conjugação da resistência na primeira do plural.
O bombardeio da BR 319
Nesta semana, o noticiário regional da Rede Globo, na Rede Amazônica, iniciou uma série de reportagens sobre. BR 319, a rodovia construída pelo governo militar nos anos 70, cuja recuperação virou uma comédia de mau-gosto, ilustrando o lado mais grotesco, para não dizer, repugnante de tratar o interesse público. O caso BR 319, cujos graves problemas ambientais alegados por diversas autoridades como impedimento para sua recuperação foram desmascarados por autoridades do Departamento Nacional de infraestrutura de Transportes, DNIT, na sede do CIEAM há um ano, agora ganha um novo tempero: a existência de grupos não identificados, denunciados por moradores, que propositalmente destruíram trechos estratégicos de sua extensão com o declarado propósito de evitar sua recuperação. De acordo com os moradores, estes grupos estariam ligados aos empreendimentos logísticos alternativos que veriam na Rodovia uma concorrência desfavorável. A denúncia é grave e envolveria grupos econômicos de peso que seriam alcançados pela veracidade das revelações. A rigor, essa estória poderia ser escrita com agá se houvesse disposição das autoridades com seu esclarecimento. Um amontoado de rumores que envolve alguns segmentos ambientalistas, similares aos que se empenharam na modernização portuária do Polo Industrial de Manaus. Por que não esclarecer?
Pra debaixo do tapete
E nesse cenário, a recuperação da BR 319 é apenas um item, além do qual, muitos outros poderíamos e deveríamos elucidar antes de recorrer ao lugar comum de que os inimigos da ZFM habitam exclusivamente no Planalto Central. E é neste contexto que, à exceção de iniciativas isoladas da academia e de um detalhado arrazoado da economia, feito pelas entidades do setor produtivo, FIEAM/CIEAM, temos descuidado por desmobilização ou desinteresse, a equação deste problema setorial – asfaltar a BR 319 – que ilustra a inépcia do tecido social em priorizar o conhecimento de nossas fragilidades, necessidades e potencialidades como premissas de correção dos equívocos que a desinformação e o descompromisso com esta região propiciam. Além da fulanização dos problemas, ou da desculpa esfarrapada para não resolvê-los, a opinião pública tem jogado para debaixo do tapete as mazelas que explicam as dificuldades ora vividas pelo modelo ZFM e impedem o enfrentamento de seus gargalos. Por que estamos há um ano sem titular na Suframa, e com um amontoado de ilegalidades que reforçam essa anomalia? Por que não invocamos a Carta Magna para fazer valer aquilo que o Congresso Nacional aprovou e promulgou por mais 50 anos: a vigência do modelo Zona Franca de Manaus com todo seu aparato legal de funcionamento? Por que não exigimos o direito constitucional de ir e vir numa estrada que teria sido bombardeada por interesses nebulosos de seu impedimento?
Conservação ou intimidação?
Vivemos num Estado que representa 18% do território nacional, mas em que apenas 20% desta imensidade geográfica e geopolítica podem ser manejadas. O restante é constitucionalmente intocável. Esta superfície, por imposição legal, nacional e internacional, tem 50,01% constituído de áreas indígenas e de áreas protegidas, sendo que, em muitas delas, não há mais índio sequer ou, muitos dos que lá existem, querem adentrar pela porta da frente nos domínios das conquistas e benefícios da civilização não-índia. Delimitaram Unidades de Conservação sem um cuidadoso Diagnóstico Ambiental, sem Zoneamento Ecológico-Econômico para definir fragilidades e potencialidades, sem elaboração de Plano de Manejo, para que haja uma justificação coerente de forma e do conteúdo da eventual demarcação. Ali, por imposições de burocratas arrogantes, é desaconselhada coleta e beneficiamento de amêndoas para resolver questões prosaicas do dia a dia que a bolsa verde não equaciona. E isso precisa mudar, precisa ser objeto de estudo, debate e mudança efetiva a favor do homem, da mulher que, no universo de 25 milhões de indivíduos, exigem e têm direito ao pleno exercício da cidadania. Voltaremos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Comentários