Temos usado o dedo em riste na direção da União federal, na cobrança da infraestrutura logística, energética e de comunicação, para viabilizar o modelo ZFM, esquecendo de fazer o dever de casa. Com um portfólio robusto de quem contribuiu com 40% do PIB do Brasil, na virada do século XX, na última década do Ciclo da Borracha, e hoje recolhe, aos cofres federais, quase 55% da riqueza produzida na ZFM, armamos a rede da preguiça ou acomodação. Se este modelo de acertos não tem porto público, moderno e competitivo, padece de estrutura de distribuição de energia e alternativas adaptadas às condições regionais e foi excluído do Programa Nacional de Banda Larga… é porque, provavelmente, muitos de seus dirigentes, com apoio eleitoral, não resistam às vantagens sobejas da adulação. Trocam um lugar à mesa do banquete pelo confronto transparente e coerente com os donos do poder na conquista da contrapartida de seus direitos. E o que é pior: essa sucumbência é fator de acomodação no exercício do dever de casa.
E aqui cabe um exemplo histórico da sucumbência transformada em bajulação e seus reflexos na conquista da infraestrutura. Em nome de interesses obscuros, no século XIX, entregamos o monopólio da gestão portuária a uma companhia britânica, através de edital publicado em 1899, para “execução de obras de melhoramento do Porto de Manaus” a fim de escoar a produção da borracha. O contrato, fechado em 1900 entre o Governo Federal e a firma B. Rymkierwiez & Cia, foi ” misteriosamente” transferido para a firma inglesa Manaos Harbour Limited. Eduardo Ribeiro, que governara o Amazonas até 1896, e havia deixado um portfólio arquitetônico e administrativo exemplar, era deputado estadual, naquele ano, presidente da Assembleia, quando apresentou um projeto de lei que estadualizava o monopólio portuário, para resguardar os interesses da economia local. O pacto federativo permitia essa designação. Semanas depois, foi encontrado sem vida, onde funcionava até bem pouco tempo um hospital psiquiátrico com seu nome. No atestado de óbito lhe foi imputando suicídio, provocado por uso de cordas de mosquiteiro (Sic!). Durante mais de 100 anos nenhuma autoridade política ou literária insurgiu-se contra essa curiosa versão. Esta estória sem H está contada no livro Negritude e Modernidade, a trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro, de Mario Ypiranga e Alfredo Lopes, numa edição do Governo do Amazonas, gestão Vivaldo Frota, 1990.
De Buenos Aires, Porto Madero, às docas elegantes de Belém, uma equação metropolitana glamourosa reúne a simbiose entre porto/cidade/memória, como se contempla em Barcelona, Nova York, Savanah, na Geórgia, Marigot, em Saint Martin, entre outras manifestações de identidades culturais pelo mundo afora. Portos, e respectivos mercados, mostram a inteligência e a coerência de oportunidades de uma população, na geração de riqueza, e da sedução turística, cultural e sentimental desta mistura entre as cidades e sua memória portuária. O legado portuário de Manaus – uma das cidades mais importantes do planeta, segundo a mídia londrina ao anunciar a inauguração glamourosa do Teatro Amazonas em 1896 – guarda em seus escombros, fruto da bajulação e da sucumbência, o espólio da prostituição, que corroeu a arquitetura de sua prosperidade, escondeu a história de suas conquistas e contradições, impedindo a compreensão de sua hora presente, premissas essenciais de planejamento de seu amanhã, na construção maiúscula e transparente de uma grande Historia.
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