Em carta destinada ao senador Omar Aziz, abaixo transcrita, a propósito das denúncias formuladas na tribuna do Senado Federal, sobre a redução dos repasses não-constitucionais para o Amazonas, especialmente para Manaus, o presidente do CIEAM ilustrou alguns fatos e situações que traduzem mais amplamente uma situação dramática, ora vivida pelo modelo Zona Franca de Manaus. Sem alarmismos, muito menos ilusões. O modelo ZFM, não é segredo, começa a entrar na perigosa arena da imponderabilidade. Os dados abaixo, tomados na frieza da moeda, o dólar americano, que baliza suas principais operações, descrevem alguns indicadores de uma paisagem melancólica de desindustrialização. Este cenário adverso, mais do que um ajuste fiscal, exige um choque constitucional, urgente e objetivo, honesto e despojado para seu entendimento e enfrentamento. Na moeda americana, com resultados que irão agravar-se nas mais otimistas das previsões, o modelo ZFM se desestrutura a cada dia como consequência da crise de credibilidade – sem hora nem perspectiva de equacionamento no curto prazo – que afeta a economia brasileira em geral e de modo preocupante a economia local pela própria natureza de seus produtos. Essa crise, repetimos, não é econômica, mas de confiança, que envolve empreendedores, trabalhadores e consumidores. E os dados estão aí: sem descontar a inflação do período, o Polo Industrial de Manaus, na comparação com fevereiro do ano passado, em moeda nacional, sofreu uma queda de 14,21%. O mesmo período comparado em dólar americano, o recuo foi da ordem de 27,39%.
Um território apartado
O amazonólogo Armando Dias Mendes, falecido em 2012, aos 88 anos, incansável defensor do desenvolvimento da região amazônica, autor de reconhecidos livros voltados para a superação das desigualdades regionais, como ‘Estradas para o Desenvolvimento’, ‘Viabilidade Econômica da Amazônia’ e ‘A Invenção da Amazônia’, deixou um legado significativo para a construção de um Brasil mais justo se necessariamente integral e integrado. Uma obra cujo conteúdo pode ajudar, por exemplo, a entender porque São Paulo fez da agroindústria do café as premissas da riqueza que hoje representa em torno de 40% da prosperidade nacional, e a tragédia da economia gomífera, que resultou na condenação da Hileia a um lugar de abandono na periferia econômica nacional. A crise da ZFM, do esvaziamento análogo ao ciclo da borracha, apenas reforça a ideia do divórcio, a condição de território apartado, de uma região que é 2/3 da geobrasilidade e pouco mais de 90% do produto interno bruto da riqueza aqui produzida. Precursor do debate e da defesa do desenvolvimento regional no país, Mendes sonhava com uma trajetória diferente para as regiões em desenvolvimento, com uma Amazônia articulada com Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Quem são os culpados?
Num de seus últimos ensaios, Amazônia, Cidadania e Capitulação, ele recorre a Machado de Assis e Chico Buarque para estabelecer a um conceito amazônico de tragédia, capaz de alcançar sentido e compreensão da inteligência nacional. Para tanto, ele ilustra a tragédia da quebra do Ciclo da Borracha, comparando-a com a comoção mundial do naufrágio do Titanic. No caso da tragédia gomífera, a Amazônia comparece na sua dupla condição de desastre e vítima. As alegorias de Armando Mendes, que se prestam a compreensão da crise da ZFM, “…prepara a plataforma de lançamento e acalanto da Amazônia que todos queremos ver ressurgir plenamente no após 2012. Mas de que Amazônia estamos aqui a falar: a simbólica ou a diabólica? Que conceito fazemos dela? a Amazônia se tornou a Geni global, a Grande Pecadora urbi et orbe. A infeliz destinada a ser incansavelmente lapidada pelos guardiães da pureza dos ares e das águas universais – y algunas cositas más – aquelas acima, abaixo e ao lado dos ares e águas que a Amazônia, só ela, envenena. Essa cega visão salvacionista, seletiva, amazonofóbica, alimenta receitas insustentáveis do tipo “desmatamento zero”, sem a contrapartida corretiva do “apoderamento (sic) máximo” dos seus ignorados habitantes.” Mendes disse tudo, inclusive e principalmente, que somos todos responsáveis pela desconstrução de um provável novo engano.
Carta ao Senador Omar Aziz
Manaus, 15 de abril de 2015. Exmo. Sr. Omar Abdel Aziz DD. Senador da República Federativa do Brasil – Brasília, DF.
Senhor Senador, A propósito de sua manifestação na tribuna do Senado Federal, na data de 14 de abril último, mais uma vez em defesa do Amazonas, e de nossa esquecida capital, Manaus, queremos compartilhar sua avaliação e depoimento sobre a redução drástica de repasses federais, ilustrando com dados alarmantes da redução de 15 mil postos de trabalho, da fuga de investimentos, da suspensão de linhas inteiras de produção e suspensão/encerramento de empreendimentos pioneiros. Dados do IBGE insistem em confirmar que o polo industrial de Manaus é o mais atingido pela queda nacional da produção industrial. Recolhemos, Senhor Senador, para a União Federal, segundo estudos da USP, a maior universidade do país, 54,42% da riqueza aqui produzida, e o Amazonas figura entre os estados da federação como um dos 8 que mais recolhe do que recebe repasses no pacto federativo. Ajudamos, pois, a administrar o país. E o que temos recebido em troca? Nossa comunicação de dados e voz está entre as mais caras e precárias do Brasil, os apagões costumam interromper mais de uma vez o fornecimento de energia nas empresas, comprometendo produtividade e desempenho, e a logística de transportes chega a consumir 20% da planilha de custos de empresas associadas. Não temos porto público e manobras obscuras incluindo entes públicos comprometem a modernização portuária do Amazonas. Apesar da reconhecida habilidade de Vossa Excelência em agregar apoio e proatividade na defesa dos interesses do Amazonas, vemos com muita preocupação a desarticulação da bancada federal do Estado, fruto da recusa de alguns atores em promover o entendimento para a luta comum num momento em que nosso Estado experimenta graves limitações e adversidades. Seria o momento adequado para reunir a bancada de toda a Amazônia Ocidental para resgatar a autonomia perdida da Suframa. Esta autonomia foi perdida em consequência deste conflito político-partidário. Como resgatar a autarquia se não somos capazes de trabalhar em conjunto? Esperamos que sua insistência na defesa do Amazonas logre êxito e saiba, Senhor Senador, de nosso renovado apreço e irrestrita colaboração nessa jornada por nosso Estado e por esta região esquecida. Cordialmente, Wilson Luis Buzato Périco – Presidente do CIEAM.
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