Ao completar 144 anos de obstinada defesa do Amazonas e da Amazônia, como parte de um país que lhe dá as costas historicamente, a ACA, Associação Comercial do Amazonas foi além de “promover por todos os meios ao seu alcance, o desenvolvimento das classes empresariais, a sustentação e defesa de seus legítimos direitos e interesses”, (Art. 1º do Estatuto de 1871). Sua história está relacionada diretamente às grandes iniciativas de afirmação do Estado, a partir de 1850, quando foi instalada a Província do Amazonas, onde Pombal havia identificado, a partir da Velha Serpa, um oásis de oportunidades. A ACA também se constitui como fruto e vetor da Abertura do Amazonas as nações amigas, onde os portos cumpririam seu papel de partilha de produtos, cultura, saberes e fazeres da comunhão dos povos. Neste contexto, a entidade cumpre o papel de agência de fomento e desenvolvimento de oportunidades na construção da prosperidade geral. Ao receber o Prêmio de Empresário do Ano de 1985, Petrônio Augusto Pinheiro, um remanescente da boa invasão nordestina/cearense, nascido nas barrancas do Rio Juruá, e que começou a vida profissional no cotidiano da ACA, a convite de Cosme Ferreira, faz uma homenagem ao preceptor, destacando em sua figura os valores, os paradigmas de uma visão empreendedora e socialmente comprometida que borbulha através dos anos na Associação Comercial do Amazonas: “Cosme Ferreira Filho ensinou-nos, ao lado do humanismo que cercava suas ações, que a empresa precisaria ser sempre forte, mesmo que em detrimento do empresário. Que o ideal, muitas vezes, deveria se sobrepor aos lucros. Isso como receita para que os verdadeiros objetivos do empreendimento, inclusive no seu papel social, fossem alcançados” – Cosme viveu e traduziu a ACA em seus projetos, livros e, sobretudo, na sua rotina diária, na busca da reinvenção de saídas para o Amazonas, Pará e Amazônia, onde chegou em tenra idade e daqui – dedicado em plenitude a defesa da economia e do desenvolvimento social – jamais se apartou.
Cosme, um dedicado curador
A Biblioteca da ACA tem, praticamente, sua idade. Sua existência, porém, ganha dinâmica própria, interação com a sociedade, notadamente com o público jovem e dos pesquisadores, com a chegada de Cosme Ferreira, na década de 1930. Depois, por justiça e reconhecimento, foi-lhe dada o nome de Cosme Ferreira, seu mais dedicado curador. E aqui vale lembrar algumas ações, reivindicações e bandeiras, deste Amazonense nordestino, no papel do Diretor Técnico da entidade. Ele era escritor, jornalista, foi deputado e empreendedor. Cosme Ferreira deixou para a História alguns registros de sua dedicação integral a Associação Comercial do Amazonas, a saber: Pleito de redução dos fretes da Amazon River (companhia de navegação) para viabilizar a produção regional; Promoção do Timbó, como interesse comercial de exportação; Criação do Comércio do Guaraná, Pedido de redução de frete no embarque de juta e malva; Debates e estudos na imprensa e nas entidades de apoio à defesa da castanha; Doação à 8ª Região Militar de castanha, destinada a introduzi-la na alimentação dos soldados; Pleitos de medidas para apoio e manutenção do transporte fluvial; Instalação de uma fábrica de beneficiamento de cereais na rua dos Andradas; Instalação de escritórios de representação da ACA no Rio, em Belém e em São Paulo; Exposições de produtos amazônicos a bordo do navio Almirante Jaceguay, em Vitória, em São Paulo e em Barcelona; Participação nas Feiras de Viena, Marselha, Baia Blanca e São Leopoldo; Pleito de instalação de um Vice-Consulado dos Estados Unidos em Manaus. Foram múltiplos os reflexos da Segunda Guerra Mundial com a invasão das forças americanas em busca de borracha. Foi construído o aeroporto de Ponta Pelada e intensificado o tráfego aéreo com diminuição da cabotagem com falta de combustíveis, trigo e outros gêneros de primeira necessidade. À época, a Associação mantinha representação em 29 cidades do interior amazônico. A entidade mantinha um serviço de assistência à agricultura. Por iniciativa de Cosme Ferreira Filho foi apresentado no Congresso projeto que criava a Estação Experimental do Guaraná, em Maués. Pelo Decreto 12.312, de 27 de abril de 1943, o Governo da República concedeu à ACA a prerrogativa de órgão consultor da União. Em 1948, a ACA realizou a Segunda Conferência Nacional da Borracha. Livros, convênios, publicidade, artigos de jornal, parcerias público-privadas, este é um curto relato da passagem de Cosme como diretor da ACA.
“O trabalho vence tudo”
Em Manaus, as empresas criadas por Cosme Ferreira, as Companhias Brasileiras de Borracha, Guaraná e de Plantações, tiveram o impulso de dois alunos remanescentes do Colégio Dom Bosco, Petrônio Augusto Pinheiro e Ribamar Siqueira, ambos marcados com a formação salesiana, OMNIA VINCIT LABOR, O trabalho vence tudo, e associados mais tarde à entidade, ao lado de algumas figuras públicas como Aderson Dutra, Moyses Israel, José Bernardino Lindoso, Ruy Lins, Samuel Benchimol, Agnello Uchôa Bittencourt, Wilson Zuany, Alexandre Pimenta, Arthur Pucu, entre tantos líderes, e visionários, como Antônio de Andrade Simões, igualmente salesiano, formandos pela pedagogia de Dom Bosco, com quem Petrônio se associou nos meados dos anos 60, para criar uma sequência bem sucedidas ações de empreendedorismo, que resultaram no Grupo Simões e que influenciaram positivamente as missões e valores das entidades empresariais com os princípios éticos e espirituais da pedagogia de Dom Bosco. O século XX, sobretudo a partir dos anos 50, quando entra em declínio o II Ciclo da Borracha, com a retirada de recursos e investimentos do governo americano, no fim do Tratado de Washington, é marcado pela saga dos pioneiros, sua luta na defesa do desenvolvimento da indústria regional. Moyses Israel, um dos diretores da ACA, remanescente deste movimento, foi protagonista das grandes iniciativas de beneficiamento de matérias-primas regionais, com destaque para as serrarias, usinas de extração e de beneficiamento de borracha, fabricação de calçados, bebidas e panificação. E foram os membros da ACA que se mobilizaram para constituir uma entidade formalmente dedicada a indústria cujo estatuto foi aprovado em 29 de maio de 1961. Aí se deu a expedição da Carta Sindical pelo então Ministro de Estado de Negócios do Trabalho, reconhecendo como seu fundador e primeiro presidente, o empresário comerciante Abrahão Sabbá. Naquele momento, a economia dependia muito da comercialização de produtos de cultivo artesanal usados pela indústria, como a juta e a malva. O surgimento, então, da indústria plástica para fins de embalagens foi mortal para essas fibras usadas na sacaria dos agronegócios. Àquela altura, não restavam muitas saídas econômica para Manaus, já com 200 mil habitantes. A situação era preocupante. A sorva, para dar alguns exemplos, matéria-prima única da goma de mascar, popularizada como chiclete, fora substituída por um derivado do petróleo, o poliisobutileno. O pau-rosa, usado na fixação de perfumes, cedeu lugar aos fixadores de laboratório e se juntou à juta e à malva, que já haviam contribuído com mais de 50% da receita do Estado e geravam milhares de empregos. Perderam mercado para o tecido de polipropileno e também devido ao aparecimento dos navios graneleiros, que prescindiam de sacarias para embalagens. O avanço tecnológico teve um lado cruel na desvalorização econômica dos produtos primários da região. Impunha-se a tomada de medidas urgentes para resgatar o cenário socioeconômico regional. Era preciso criar saídas, juntar esforços, criatividade e talentos, itens consolidados na histórica resistência da Associação Comercial do Amazonas.
Atores e mentores da transformação
No apagar das luzes dos anos 50, algumas ações do governo central foram importantes para mobilizar esforços locais de enfrentamento do novo esvaziamento do pós-guerra na economia gomífera, que custara a vida de levas sucessivas de nordestinos na reativação do ciclo da borracha. Uma delas, ainda rescaldo do obscuro Acordo de Washington, que trocou a indústria siderúrgica brasileira por preços vis de nossa borracha com os Estados Unidos, obrigou moralmente Getúlio Vargas na criação de um projeto de aproveitamento e valorização da região, com a criação da SPEVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, em 1953. É justo lembrar que a Constituição de 1946 conter em seu art. 119 os mecanismos legais para essa medida, por meio de uma emenda do Deputado pelo Amazonas, Constituinte na época, Leopoldo Péres. Além da criação do INPA, o projeto de Zona Franca, de autoria do deputado Francisco Pereira Sobrinho, homologado por Juscelino Kubitscheck em 1959, no governo Gilberto Mestrinho, com ajuda do senador Arthur Virgílio Filho e do deputado federal Almino Afonso, no Congresso, representou uma semente de transformação que determinará grandes mudanças na economia do Amazonas. Estavam, pois, colocadas as bases da transformação, promovidas por atores e mentores ligados à ACA, onde, numa reunião histórica no final de 1966, os associados da Entidade redigiram um pleito ao então presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco, cujo atendimento se materializou na publicação do Decreto 288/67, criando a Zona Franca de Manaus, um modelo exitoso de desenvolvimento, desenhado por Roberto Campos e Arthur Amorim, que contribui, meio século depois, decisivamente, para a redução das desigualdades regionais e manutenção dos estoques regionais, do banco genético florestal amazônica. Vida longa à ZFM, a ACA, Associação Comercial do Amazonas, sua entidade mentora, à diretoria dessa histórica associação, na pessoa de seu presidente, Ismael Bicharra.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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