Na primeira parte desta reflexão, busquei ilustrar a liturgia letárgica da pesquisa focada na inovação e diversificação da economia do Amazonas e sua intersecção com o pirarucu, o mais avantajado representante do arsenal alimentar das águas amazônicas! E me atrevi a pontuar o discurso da inovação, seus sucedâneos de improvisação e amadorismo, na fala apressada dos que querem hastear essa bandeira sem necessariamente apropriar-se de suas premissas, rigores, exigências e implicações. A questão se agrava quando a prosa da inovação envereda pelas trilhas enganosas da apologia e das promessas – de caça e captura da refrega eleitoral – envolvendo a encomia do pirarucu e as centenas de outras espécies da ictiofauna da potencialidade regional de produzir proteína e sabor. Nos últimos anos, entre anúncios e fatos o resultado é desastroso. Nessa mistura circunstancial e habitualmente oportunista, não dá para falar em inovação – no sentido de agregar valor aos produtos para lhes conferir competitividade e liquidez em sentido literal e de permanência econômica e social. Os recursos até aqui envolvidos, considerando os projetos dos Estados amazônicos, à luz dos valores que os acordos da Bola impuseram, mais parecem aquilo que os jovens chamam de merreca para descrever a penúria da mesada que os pais lhes conferem.
Como harmonizar a narrativa entre a economia do pirarucu e a fragmentação da tecnologia da inovação que descreve seu aproveitamento sem denunciar a irrelevância financeira dos repasses para CT&I, especialmente para a construção de laboratórios e qualificação de recursos humanos, que transformem inventários em oportunidades e prosperidade? Retomando os usos dos recursos de P&D nos últimos anos, cifra que ultrapassa a casa de alguns bilhões desde quando a Lei de Informática entrou em vigor e obrigou as empresas a financiar boas práticas de inovação, o pirarucu ficou boiando. A conduta, parece, traduz um temor generalizado de fazer avançar o modelo fiscal da ZFM em outras direções. E anote aí: ainda não fomos capazes de mostrar à opinião pública nacional as vinculações deste modelo com o zelo e guarda do bioma amazôn ico. A tecnologia da inovação para o pirarucu mantém a floresta em pé e a dignidade dos ribeirinhos também!!! E por que estamos todos temerosos em tornar este modelo mais arrojado em direção das promessas da biodiversidade?
E aí algumas perguntas já não podem calar: o que está travando as premissas para desencadear a guinada inadiável, coerente e adequada, que inaugure as novas matrizes econômicas? Como desembaraçar a diversificação – ou consolidação do modelo, sua defesa, compreensão e integração à economia regional – na proposta de interiorização de negócios fundada nas promessas da biotecnologia, bioinformática, na segurança alimentar, entre outras obviedades regionais? Será que as respostas estão nas páginas miraculosas da mídia paulista desta semana que destaca a ZFM como “ilha de prosperidade” e seu faturamento de R$ 81 bilhões em 2013? Olhando assim, aparentemente, estamos navegando no céu de brigadeiro, sem nuvens para atrapalhar. E é sob essa miragem, que a Mitologia das Cavernas descreveu há 25 séculos, que corremos o risco d e perder o contato com o chão de fábrica da realidade. E nos fazer achar que as aparências (não) enganam.
No apagar das luzes de 2013, Ricardo Shaefer, secretário-executivo do Desenvolvimento, o ministério ao qual se liga a Suframa, voltou a anunciar a necessidade da base biotecnológica ao modelo ZFM, para aqueles que ainda não ensurdeceram com as trombetas dos indicadores ufanistas do Polo Industrial de Manaus. Mencionou as tendências globais, Global Trends, do Departamento de Estado norte-americano, e destacou o papel da Amazônia no desafio planetário da Segurança Alimentar. Posteriormente, cobrado pelo bendito CNPJ do Centro de Biotecnologia da Amazônia, esqueceu de aconsiderar a óbvia alternativa de repassar a gestão do CBA à Embrapa, 41 anos de bioprospecção e negócios no Brasil e pelo mundo afora!.Tudo indica que esta opção jamais lhe havia chegado aos ouvido s como demanda ou sugestão da comunidade local (sic!). Em agosto de 2013, 35 entidades, instituições e empresas, reunidas na sede da FIEAM, já haviam se manifestado nesta direção. Essa (des) informação de Schaefer remete, de novo, à prosa ao pirarucu. E ajuda a fazer entender tantos obstáculos, muitos absolutamente prosaicos, para a fragmentação entre inovação e economia do pirarucu, do tambaqui, matrinchã… e outras bio-obviedades, no contexto das novas matrizes. É muito provável que o secretário desconheça, também, que, a despeito das limitações orçamentárias, a Embrapa Amazônia Ocidental dispõe de um Centro de Melhoramento Genético para monitorar e propagar a produção de Pirarucu e Tambaqui, cujos genomas estão sendo investigados pela Embrapa e pelo INPA que aguardam recursos do Fundo Amazônia – 1 U$ bilhão, que virou 1 R$ milhão e que estão 75% travados na burocracia nefasta do BNDES – para avançar a obviedade dos acer tos desta promessa. Os recursos necessários para imprimir produção e escala nessas espécies e dobrar a produção em tempo recorde não chegam a R$ 6 milhões, menos de 5% que foi gasto no CBA, com as taxas da Suframa recolhidas junto às empresas. Com essa merreca e com a prodigalidade dos recursos de P&D que a Suframa decidiu – ufa! – revisar, em nome da dignidade do IDH ribeirinho, é hora de parar pra acertar!
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