Os ribeirinhos não precisam ser colonizados. Os povos originários não necessariamente querem internet. Não há falta de viadutos por aqui. Os problemas passam por questões mais simples, como água potável, saneamento básico, estradas, portos, aeroportos, voos com preços justos.
Por Augusto Rocha
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O imaginário da Amazônia é extenso. Com alguma frequência, quem não mora na região pergunta, comenta e lida com os “ribeirinhos” como se fossem uma raça estranha que precisa de integração e de transformação para se tornarem consumidores, na busca de urbanizar seu modo de vida. Para quem vive em uma capital Amazônica há uma distância da compreensão de seus modos de vida, mas para quem vive em uma cidade do Sudeste, a distância é ainda maior.
A falta de respeito e de compreensão pelo “estrangeiro” ou “diferente” é explorada por Timothy Snyder no seu novo livro sobre Liberdade (“On Freedom”, lançado poucos dias atrás, ainda sem tradução). O autor discorre sobre a liberdade a partir da aceitação de si e do próximo, sem a imposição dos modos de vida para os outros. Quando nós que estamos na Amazônia dialogamos com brasileiros sobre a nossa região e afirmamos a necessidade, por exemplo, de energia elétrica ou de estradas entre as capitais de Roraima, Amazonas e Rondônia, percebemos uma boa dose de indignação e de medo.
De onde vem o medo? Tipicamente da ignorância sobre os contextos da Amazônia. Snyder analisa a liberdade a partir das perspectivas da soberania, imprevisibilidade, mobilidade, factualidade e solidariedade, concluindo com a importância dos governos e da governança. A condição em que vivemos na nossa própria região é de uma falta de liberdade percebida sobre a nossa soberania territorial ou mesmo de solidariedade nacional. Talvez por isso uma sensação de falta de liberdade nos arrebate vez por outra e isso é espelhado nas eleições.
Enquanto não for possível termos a sensação de autogoverno de nossos territórios, a relação dos habitantes da região com o restante do país passará por uma boa dose de indignação mútua. Enquanto o restante do país não respeitar os desejos e necessidades da Amazônia a partir das perspectivas dos que aqui vivem, passaremos por uma dificuldade de diálogo institucional.
Os ribeirinhos não precisam ser colonizados. Os povos originários não necessariamente querem internet. Não há falta de viadutos por aqui. Os problemas passam por questões mais simples, como água potável, saneamento básico, estradas, portos, aeroportos, voos com preços justos (que levem em consideração as distâncias e volumes de pessoas ou cargas transportadas). Os problemas atuais são os básicos.
Como afirma Snyder, “não somos nem bens, nem objetos”. Os ribeirinhos não são objetos. Eles são sujeitos, como nós mesmos. Seguindo Snyder, a partir do momento em que enxergarmos uns aos outros como sujeitos, começaremos a compreender o mundo. As vulnerabilidades na Amazônia não são as mesmas nas capitais e nos interiores.
Os problemas de Manaus podem ter muita semelhança com Campinas, mas terão muitas diferenças com Tabatinga. Tentar uniformizar a Amazônia com um único tipo de problema é uma prática recorrente que afronta a nossa liberdade. Timothy Snyder analisou a Liberdade a partir da Europa, mas podemos transpor com facilidade para a Amazônia contemporânea e a sua difícil relação com o Brasil.
Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Coordenador da Comissão CIEAM de Logística e Sustentabilidade
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