“Precisamos entender por que chegamos até aqui e quais as lições que não podem ser perdidas nesse momento de virada. Não se trata apenas de urbanismo ou segurança pública, mas de reconstruir a identidade que pulsa no coração de Manaus. Precisamos planejar, pactuar, fiscalizar e acreditar. Precisamos reunir quem está disposto a fazer diferente — do gestor municipal ao padre da Arquidiocese, da universidade ao comerciante, do servidor público ao artista de rua”
“O que somos, senão memória em movimento? E o que seremos, senão o que ousarmos lembrar?” Após intermináveis quadras de silêncio e abandono, finalmente algo se move na Praça dos Remédios. Ainda tímida, a atenção do poder público começa a sinalizar uma possível virada de chave no destino do Centro Histórico de Manaus. Prefeito, secretarias, alguns agentes do Estado — todos despertam, pouco a pouco, para a urgência que pulsa nas calçadas dessa nova Cracolândia amazônica. A movimentação, embora tardia, renova esperanças. Mas esperança, sem direção, também se perde. Por isso, é hora de disputar o sentido do futuro — e o instrumento dessa disputa é a memória.
A Ilusão do Esquecimento e os Riscos da Amnésia Induzida
Por muito tempo, Manaus tem naturalizado o abandono da sua origem. A Praça dos Remédios, antes berço da civilidade urbana, do saber jurídico e da convivência plural, foi sendo empurrada para fora do mapa mental da cidade. Uma amnésia induzida tomou conta da gestão pública, da mídia, da elite econômica. Como se esconder o problema fosse solução. Como se o Centro pudesse ser esquecido sem consequências.
Mas não há futuro possível quando se apaga o passado. As ruínas da antiga Faculdade de Direito não são apenas muros rachados — são cicatrizes de um projeto interrompido. Os moradores de rua, os dependentes químicos, os excluídos que ali vivem não são um “problema social”, mas um espelho incômodo de uma cidade que abandonou suas raízes e seu povo.

Sem Plano, Não Há Pacto. Sem Pacto, Não Há Caminho
Há que promover a mobilização e a retomada do Centro exige mais que boas intenções. Precisa de um plano claro, com etapas, cronograma, responsabilidades e transparência. Um gesto inédito de coragem administrativa seria a Prefeitura apresentar esse plano à sociedade, em audiência pública, com metas de curto, médio e longo prazo.
Precisamos entender por que chegamos até aqui e quais as lições que não podem ser perdidas nesse momento de virada. Não se trata apenas de urbanismo ou segurança pública, mas de reconstruir a identidade de Manaus. Precisamos planejar, pactuar, fiscalizar e acreditar. Precisamos reunir quem está disposto a fazer diferente — do gestor municipal ao padre da Arquidiocese, da universidade ao comerciante, do servidor público ao artista de rua.
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O Início de um Novo Ciclo?
O que se vislumbra agora pode representar uma inovação de gestão e uma conquista coletiva. Sinais foram dados. Mas será preciso manter o pulso firme, a escuta ativa e a mobilização social. Não basta um mutirão pontual, nem promessas vagas. É hora de institucionalizar o cuidado, garantir recursos, acolher a memória e garantir que o futuro não seja apenas um desdobramento do descaso presente.
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A Cidade como Projeto de Memória Viva
Recuperar a Praça dos Remédios é mais do que resolver um problema urbano. É reencontrar nossa origem, nossa dignidade e nosso projeto de cidade. Como disse Samuel Benchimol à sombra da jaqueira, “identidade é destino”. E o destino de Manaus será tão grande quanto sua capacidade de lembrar, acolher e reconstruir a si mesma.