O cientista Adrian Martin Pohlit nasceu e
se formou em Engenharia Química na Pensilvania e atuou na Califórnia,
Vale do Silício, antes de vir para a Amazônia, há mais de duas décadas.
Aqui está, desde então, atuando no INPA, Instituto Nacional de Pesquisa
da Amazônia, focado no estudo da bioquímica das doenças tropicais. Sua
escolha para “arrumar a casa” do Centro de Biotecnologia tem indicação
dos mais renomados pesquisadores da região. Pesquisa, Desenvolvimento e
Mercado são os balizadores de seu grupo de cientistas, no âmbito do
INMETRO, para, em definitivo, solidificar a instalação do polo de
bioindústria na Zona Franca de Manaus, o mais coerente com a vocação de
bionegócios nesta região que detém ¼ dos princípios ativos do Planeta.
Confira.
1. FOLLOW-Up: Adrian, em meio a esta turbulência chamada Brasil, você foi nomeado o novo gestor do CBA, o Centro de Biotecnologia da Amazônia, o velho, desgastado e acalentado sonho de fazer bionegócios na floresta, com Inteligência, sustentabilidade e multiplicação de oportunidades para esta região. Na linguagem da burocracia, você é um DS4, mais ou menos o capataz de um empreendimento cujo dono é o contribuinte, e o provedor principal são as indústrias instaladas no polo industrial de Manaus. Resuma em algumas linhas suas principais metas de trabalho e a fonte disponível de recursos para sua execução.
ADRIAN MARTIN POHLIT: Antes de mais nada, entendo que o mais importante e prioritário – e me sinto na obrigação de colocar isso primeiro – é definir o modelo de gestão. Sem um CNPJ o CBA continuará como tem estado nesses últimos 13 anos. A prioridade número um, portanto, é a solução da questão da natureza jurídica. O CBA precisa existir juridicamente. Ser uma entidade que tem capacidade técnico-científica e administrativa, a credibilidade dos empresários, da classe política e do conjunto da Sociedade. E, ao ser transformada em projeto de Organização Social, receber recursos de empresas e dos Governos Federal e Estaduais, e de convênios internacionais, e estimular uma bioeconomia multifacetada, com perfil de biodiversidade amazônica, em rede com outros centros de pesquisa e desenvolvimento. Essa definição referente à natureza jurídica é prioritária e bastante problemática, dada a existência de associações como Bioamazonia e Associação Bioamazônia (ABA) que tem essa mesma missão do CBA e já tem CNPJ e estão operando ainda na praça. É preciso resolver esses problemas do passado de uma vez por todas. Este imbróglio de incertezas e confusões jurídicas, tem reflexos em nossa eficiência, provoca desperdício de tempo e energia. Quanto às fontes de recursos, a SUFRAMA continua a principal fonte de recursos que mantém o CBA e seus bolsistas no PRONAMETRO. A gestão do CBA foi descentralizada através da assinatura de um TED (Termo de Execução Descentralizada) entre SUFRAMA, INMETRO e MDIC, o ministério do Desenvolvimento. O TED criou um grupo gestor que é presidido por representante do MDIC e cujos outros representantes são da SUFRAMA e INMETRO. De acordo com o TED, e Termo Aditivo ao TED já assinado, os recursos da SUFRAMA são repassados para o INMETRO – incluindo as bolsas do CBA no programa PRONAMETRO e pagamento dos seus técnicos – hoje, o principal responsável pela gestão do CBA. Desde a assinatura do Termo Aditivo, há uma formalização da tendência da SUFRAMA continuar apoiando a manutenção da estrutura física do CBA e provendo os serviços básicos necessários para qualquer estrutura administrativa (água, energia, telefonia, internet, manutenção predial, segurança, etc.). Além disso, a SUFRAMA está concluindo trabalhos de infraestrutura e de informática que beneficiarão o CBA no futuro próximo. Por outro lado, está sendo transferido para o INMETRO as ações e gastos previstos no TED de cunho mais técnico-científico (compras de reagentes químicos e bioquímicos, serviços de manutenção de equipamentos científicos sofisticados), etc.;
2. FUp: E quais as outras prioridades/dificuldades e destinação destes recursos?
AMP: As prioridades passam por uma ampla consulta sobre demandas e expectativas do setor produtivo em relação ao CBA. Cabe lembrar que a equipe de bolsistas do CBA, composta principalmente pelos integrantes do PRONAMETRO, é de altíssimo nível técnico-científico, incluindo pessoas com décadas de experiência, após o doutorado, junto às empresas. Ou seja, essa equipe é capaz de elaborar projetos induzidos pelas inúmeras consultas a empresas e submetê-los para financiamentos diversos. Já foi submetido projeto para edital público para dar apoio cientifico a estudos químicos da castanheira do Brasil, de interesse de várias empresas e produtores operando no Amazonas. Outros projetos a equipe pode elaborar para submissão a recursos, através do INMETRO (isso se deve, repito, ao entrave da falta de personalidade jurídica do CBA). Até o momento, não podemos receber recursos de empresas sem ter personalidade jurídica e fazer isso através do INMETRO (ou SUFRAMA) não é viável. Nesse cenário, estamos detalhando novos formatos de um novo acordo de parceria com empresa multinacional, que deve gerar possibilidade para novos negócios para a região amazônica. Outro cenário inclui um projeto para o BNDES (baseado na consulta feita às empresas no ano passado e que acontece de forma contínua no momento) ou Fundo Amazônia do BNDES futuramente. É importante, entretanto, entender que quem submeterá esse projeto seria o INMETRO ou qualquer fundação indicada pelo INMETRO.
3. FUp: Há notícias de exportação clandestina de princípios ativos da floresta, incluindo espécies em extinção como a ipeca ou com riscos de escassez como a copaíba. Como o CBA poderia inverter essa direção estéril da utilização dos recursos naturais da Amazônia?
AMP: É importante assinalar que o CBA tem capacidade instalada para fazer cultura de tecidos e micropropagação vegetal de maneira a produzir mudas para plantação utilizando biotecnologia consolidada. Também, existe a possibilidade de fazer cultura de tecidos em laboratório, dependendo do valor dos princípios ativos. Acreditamos no potencial de parceria com atores como as Embrapas da Amazônia, as Universidades Federais dos Estados Amazônicos, entre outros, para elaborar estudos agronômicos utilizando mudas produzidas, potencialmente em terras onde já houve desmatamento. O problema no momento, para citar o exemplo da exportação de copaíba, está relacionado ainda com a legislação de acesso ao patrimônio genético. Mesmo com a nova legislação, de 2015, ainda é muito complicado ao cientista brasileiro, em parceria com um empresário, operar no país. O marco regulatório existente ainda impede planos de negócios para a maioria das empresas investirem com retorno nos princípios ativos isolados aqui no país. As autorizações, que devem ser emitidas pelo CGEN, requerem equipes especializadas nas empresas para lidar com as exigências da legislação. Esta é a razão da continuidade da comercialização, frequentemente obscura, de matéria-prima vegetal da Amazônia, feita por vários países amazônicos, inclusive o Brasil. Basta consultar as propriedades da marapuama, um energético poderoso das populações tradicionais, oriundo quase todo da região de Nhamundá, comercializado em milhares de produtos comércio livre no mundo todo. Essa atividade, estranhamente, não envolve acesso ao patrimônio genético e, portanto, é ignorada pelo CGEN. Deveríamos, entretanto, estar cientes de que muitos produtos já foram retirados sem licença, sem licença de acessos ao patrimônio brasileiro e estão sendo utilizadas no mercado. Assim como muitos produtos estão gerando riqueza no Brasil, de forma legal ou não. Temos casos célebres como a patente do cupuaçu, o cupulate, produto regional patenteado por empresa estrangeira. Por que é tão complicado para o cientista e o empresário nacional gerar bionegócios e lucros aqui no Brasil sobre esses mesmos princípios ativos? Isso precisa ser feito fora do Brasil apenas. Creio que não. Devemos e já podemos fazer negócios aqui no Brasil com princípios ativos e para isso precisamos do CGEN bem próximo, como parceiro que ajuda a promover a prosperidade, resguardando o patrimônio e o interesse dos cidadãos. Mais do que vetar, é possível auxiliar na agilização e sistematização dos processos em torno dos bionegócios envolvendo patrimônio genético brasileiro.
4. FUp: Você foi indicado por cientistas locais de muita credibilidade acadêmica e reputação ilibada, notadamente por sua contribuição relevante como cientista na área química para produção de pesquisas e respostas para doenças tropicais, como a malária. Quais as linhas que o CBA poderia desenvolver nesta direção?
AMP: O CBA foi criado no âmbito do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade – PROBEM, inscrito no Primeiro PPA – Plano Plurianual do Governo Federal, o qual foi somente instituído em 2002. E teve entre suas razões de ser os benefícios que a biotecnologia e ciência da biodiversidade poderiam trazer para a comunidade local. Nesse aspecto, o INPA e CBA compartilham nas suas missões a noção de que informações e ações diretas de pesquisas aplicadas poderão levar a uma melhoria do entendimento das doenças regionais e propor e procurar soluções para essas endemias. E o CBA, por representar o estado brasileiro na região Amazônico, deveria manter linhas de pesquisas e parcerias com empresas interessadas em desenvolver medicamentos para Leishmania, doença de Chagas, verminoses, malária, controle de vetores em geral e especificamente, controle de mosquitos como Aedes e Anopheles spp., vetores da dengue hemorrágica, chikungunya, zica, febre amarela, malária, etc.. Na ausência de investidores empresariais, a minha visão é que verbas públicas deveriam ser aplicadas nas pesquisas aplicadas nesse caso por envolver doenças negligenciadas em vários casos. O INPA tem projeto em andamento com descoberta de antimaláricos e esperamos no futuro que venha a fazer contribuições concretas na descoberta e desenvolvimento de novos agentes para combater essas doenças.
5. FUp: Instituições como o INPA, onde você atua há cerca de duas décadas, ou as universidades públicas da Amazônia, além de muitos empreendedores arrependidos, tem problemas sérios com a configuração da burocracia de acesso à biodiversidade. Tudo indica que a nova lei de acesso à biodiversidade, apesar dos avanços, vai esbarrar na velha estrutura do CEGEN, o órgão federal que controla este acesso. O que o CBA pretende fazer para trabalhar com este engasgo?
AMP: Deve ser feito uma reflexão nacional sobre a conveniência de continuar com um marco regulatório do acesso ao patrimônio genético que pode ser cumprido maiormente por empresas com equipes especializadas em tramites CGEN. Sou favorável à restrição total a novos acessos a conhecimento tradicional sobre o patrimônio genético. Isso é um assunto. Mas existe uma imensidão de plantas e outros organismos que produzem biomoléculas como parte das suas estratégias de sobrevivência na floresta que não estão sendo explorados economicamente e amplamente no pais, o objetivo da CDB, entre outros. Distribuição de renda implica em distribuição de oportunidades e creio que a atual situação permite a poucos atores o acesso às biomoléculas e sua riqueza potencial, como um dos fundamentos para uma bioeconomia de raiz aqui na região.
6. FUp: O estado do Amazonas foi o mais atingido pela crise política e econômica que se abateu sobre o Brasil e corre contra tempo para encontrar novas matrizes de atividade econômicas. Como o CBA pode se integrar a esta movimentação?
AMP: Com engajamento dos cérebros, ora excelentes, temos estudiosos e estudos de primeira linha, podemos fazer bionegócios como já se faz em vários países com os produtos da Amazônia. Temos cientistas diferenciados na atual equipe do CBA, na compreensão das necessidades dos empresários que querem fazer negócios na Amazônia e com foco, sempre foco nisso: a transformação de boas ideias, em tempo hábil, em bioprodutos (melhorados, padronizados, certificados) e bioprocessos na prateleira do mundo inteiro e na construção da prosperidade desta região.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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