O que tem em comum o Museu da Luz, da Palavra ou da Língua Portuguesa na capital paulista – alvo de uma tragédia que destruiu suas instalações em dezembro último, e que não pode ser objeto de um segundo incêndio com a eventual desmobilização de seus atores e curadores educacionais – e o Museu da Amazônia, a maior coleção a céu aberto de bio-artefatos da Terra, no coração e na tradução da maior floresta tropical de que a humanidade dispõe? Na floresta e na cidade os Museus abrigam as conquistas e as utopias – como antecipação de um projeto possível – da humanidade.
No frisson urbanístico da Pauliceia, mais do que nunca desvairada por seus desacertos e desencantos políticos, no Museu da Língua Portuguesa não se pode interromper a obstinação de seus atores por fazer aflorar, intra e extramuros da instituição, a significância, a imanência e transcendência que a Palavra representa e expõe, ao anunciar e denunciar a plenitude versus descuido com este enigma que é o existir desta civilização. O afluxo extraordinário de visitantes, motivados em desvendar os mistérios da Palavra, explica naquele lugar o papel da Educação para emergir o novo em movimento, fator de agitação a favor daquele Museu, cuja Musa central é a Palavra. O atendimento de quem ali desembarca ou pelas redondezas circula, entre uma e outra estação ou aglomeração pública, tematiza os enigmas cotidianos que a Palavra encerra. O que é um Chamego, pra que serve a Política, Ninguém é melhor do que Ninguém…
É curioso e desconcertante que o Museu da Palavra tenha surgido no Jardim da Luz. Assim como, o Museu da Amazônia, MUSA, cujo nome institucional é Museu Botânico Adolpho Ducke, surge em homenagem a um botânico italiano, que escolheu a Amazônia para viver e decifrar enigmas, e que recomendou cuidadosamente aquele local, nos anos 50, para uma reserva de observação da dinâmica florestal, consciente de que ali estava bem mais que a síntese dos biomas da diversidade amazônica. Na floresta, o a musa do MUSA é a vida que ali borbulha e que, urgentemente, o Brasil precisa visitar, entender, equilibrar…
Como os cortes de “despesas” priorizam sempre as ocupações e investimentos culturais e educacionais em tempo de crise, o Museu da Língua Portuguesa, sim, com todo orgulho, como se fez com a Inglesa pelo mundo afora, da Palavra, como se convencionou descrever, não pode pensar e calar sua peregrinação libertária. A Palavra, essa chave de elucidação da existência, não pode correr o retornar ao zero, condicionada ao resultado arquitetônico de recuperação dos escombros. A peregrinação da Palavra foi recentemente acolhida, aplaudida e intimada pelo interior paulista e segue monitorada pelo olhar do país.
O mesmo paradigma de inquietação se aplica ao acervo fantástico e emblemático da biodiversidade e da identidade cultural, sócios,bienal do Brasil tropical, equatorial, do qual o Museu da Amazônia tem sido protagonista. A riqueza produzida pelas empresas da ZFM, Zona Franca de Manaus, a base econômica da Amazônia Ocidental, em lugar de injetar ciência e desenvolvimento aos programas e projetos que pudessem fazer da renúncia fiscal um bioma oportunidades sustentáveis em favor da floresta e sua gente, segue confiscada pela União para outros fins. Mergulhar neste Eldorado Botânico e aferir suas miríades de oportunidades e riquezas de toda ordem para o país já era intuição e premissa das andanças amazônicas de Alexandre Rodrigues Ferreira, relatadas em suas Viagens Filosóficas, no início do Século XVIII, a mando da Coroa Portuguesa, empenhada em subtrair a Amazônia do poderio espanhol. Fascinado pelo alarido florestal aí conquistado – a Biblioteca Mário de Andrade tem um exemplar raro da primeira edição- e com repercussão na “mídia” europeias dos demais viajantes, ingleses, holandeses e franceses, o botânico Barbosa Rodrigues, quando percorreu os afluentes do Amazonas entre 1872 e 1874, convenceu a Princesa Isabel e o Conde D’Eu, a implantar o Museu Botânico do Amazonas, em Manaus, em 1883. A República, na trilha da Cabanagem, o gesto perverso do Brasil remover ou ignorar o rosto amazônico, nos 30 a 50 daquele século, promoveu seu fechamento em 1890, confiscando seu acervo para adensar o Jardim Botânico da capital federal onde ainda perduram muitas coleções do Amazonas, especialmente bromélias e orquídeas.
Num ensaio recente e estimulante sobre “Os Museus e o futuro do Brasil”, o professor Jacques Marcovitch , FEA/USP, reflete sobre a experiência italiana de confiar a preciosidade de seus museus a reconhecidos museólogos aptos na articulação e planejamento de longo prazo, na gestão de projetos, na administração de orçamentos e na estruturação de prioridades, além de muito talento para dialogar com as mudanças frenéticas de valores e padrões da modernidade digital. Isso significa, no limite, ingressar nas mídias sociais para cumprir o papel de partilhar acervos, propiciar o diálogo de culturas, interatividade entre natureza e cultura, e entender os desafios, questionamentos e respostas de cada sociedade ao longo da história na projeção/fabricação do seu porvir. E se para o termo Democracia, centenas de pessoas, nas imediações do Museu, deram a essa Palavra a multiplicidade de expectativas do cidadão, em cada Bertholetia excelsa, a árvore sagrada das castanhas do Brasil, dormitam as chaves da saúde, da beleza e da nutrição de que o país precisa, no resguardo de seus valores, identidade, dignidade e prosperidade geral. Que vivam, pois, os Museus, seus acervos, lições, exortações e provocações educativas, elucidativas, para reconstruir o Brasil.
(*) Alfredo é filósofo e consultor do Centro da Indústria do Estado do o Amazonas. [email protected]
Comentários