Chamada de Antártica verde, a área coberta por vegetação cresceu de menos de um km² em 1986 para quase 12 km² em 2021, impulsionada pelo aquecimento acima da média global
Cientistas soaram um alerta sobre o rápido “verdejamento” da Antártica, uma mudança que vem ocorrendo em ritmo acelerado. Um estudo recente aponta que, nas últimas quatro décadas, a cobertura vegetal da Península Antártica cresceu mais de dez vezes, passando de menos de um quilômetro quadrado em 1986 para quase 12 quilômetros quadrados em 2021.
Essa transformação foi destacada em uma pesquisa conduzida pelas universidades de Exeter, Hertfordshire e o British Antarctic Survey, e publicada na prestigiada revista Nature Geoscience. De acordo com o estudo, a região está aquecendo mais rapidamente que a média global, o que contribui para o avanço da vegetação.
A área agora coberta por plantas, principalmente musgos, equivale a quase oito vezes o tamanho do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Esse aumento é diretamente relacionado às mudanças climáticas, que estão aquecendo as áreas polares em um ritmo alarmante. O estudo utilizou imagens de satélite para analisar o fenômeno, revelando que entre 2016 e 2021 o crescimento vegetal se acelerou significativamente, com uma expansão de mais de 400 mil metros quadrados por ano.
Enquanto os cientistas observam com preocupação esse aumento da vegetação, outro dado alarmante foi revelado recentemente pelo Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC). Segundo o órgão, a Antártica atingiu seu segundo menor pico de gelo marinho desde o início das medições por satélite, há 46 anos. Em 2023, o continente registrou o recorde de mínima.
Essa queda acentuada na extensão de gelo marinho é reflexo do impacto de um oceano excepcionalmente quente, segundo Ted Scambos, pesquisador do Instituto Cooperativo de Pesquisas em Ciências Ambientais (CIRES). O gelo marinho tem um papel crucial no equilíbrio climático, ajudando a refletir a luz solar de volta ao espaço e resfriando o planeta. Sua redução abre caminho para que mais radiação solar seja absorvida pela superfície, intensificando o aquecimento global.
Impactos globais
À medida que a cobertura vegetal se expande, o solo antártico, embora pobre, está ganhando matéria orgânica. Isso pode, no futuro, contribuir para a formação de solo mais fértil, abrindo caminho para outras espécies de plantas. No entanto, esse processo também carrega um risco: a introdução de espécies invasoras, trazidas por turistas, cientistas ou visitantes. A mudança pode alterar significativamente o frágil ecossistema antártico, com consequências ainda desconhecidas.
Os pesquisadores reforçam que o crescimento da vegetação no continente deve ser acompanhado de perto. Mais estudos são necessários para compreender os mecanismos que impulsionam essa transformação e avaliar os impactos futuros. Embora musgos e plantas pioneiras sejam atualmente as principais espécies que colonizam o continente, o aquecimento contínuo pode permitir que outras formas de vida vegetal encontrem espaço para se desenvolver na Antártica.
Dessa forma, a situação da Antártica vai além da expansão da vegetação. O derretimento do gelo marinho já está impactando o clima global. Francyne Elias-Piera, especialista em ciência e tecnologia ambiental, destaca que o gelo antártico desempenha um papel crucial no resfriamento do planeta, refletindo a luz solar de volta para o espaço. Com a diminuição dessa camada de gelo, mais calor é absorvido pela Terra, acelerando o processo de aquecimento global.
Além disso, a Antártica também está sentindo os efeitos de eventos de calor extremo cada vez mais frequentes. O aumento das temperaturas não apenas contribui para o degelo, mas também cria condições mais favoráveis ao crescimento da vegetação. Essas mudanças afetam diretamente o equilíbrio climático do planeta, reforçando a importância de monitorar de perto a região polar.
Desafios para o futuro
Os dados apresentados pelo NSIDC e pela Nature Geoscience indicam uma tendência preocupante. Enquanto o derretimento do gelo continua e as temperaturas aumentam, a vegetação segue se expandindo em um continente historicamente conhecido por seu ambiente hostil. Para os cientistas, o desafio agora é compreender como essas transformações vão moldar o futuro da Antártica e quais serão suas repercussões globais.
O estudo também alerta para a necessidade de políticas ambientais mais robustas e ações coordenadas a nível global para conter o avanço das mudanças climáticas. A Antártica, uma das regiões mais vulneráveis do planeta, está se tornando um termômetro das transformações climáticas e seus impactos.
A expectativa é que o relatório completo do NSIDC, que será divulgado ainda neste mês, traga mais detalhes sobre as causas desse fenômeno e ofereça um panorama mais amplo sobre a situação do gelo marinho e da vegetação no continente.
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