O derretimento das geleiras está criando novos ecossistemas complexos, onde a vida coloniza rapidamente as áreas recém-descobertas, revelando um processo fascinante de adaptação originado na destruição ambiental que estamos causando
À medida que as temperaturas globais continuam a subir e atingem novos recordes, as geleiras do mundo vêm derretendo e recuando em sua extensão territorial. Estes mantos de gelo, que cobrem a Groenlândia e a Antártica, estão derretendo em um ritmo acelerado. Pouquíssimas espécies conseguem viver nas geleiras e nos mantos de gelo, de vermes e pulgas da neve e até algas. Quando o gelo derrete, essas espécies também desaparecem.
Investigação científica global
Uma equipe de cientistas passou a última década investigando o que acontece com o solo recém descoberto à medida que as geleiras recuam. Focaram em 46 geleiras em recuo, desde o Himalaia até os Andes, passando pelo arquipélago ártico de Svalbard até o extremo sul da Nova Zelândia, e até mesmo geleiras tropicais no México. A pesquisa revelou que a vida se move rapidamente para colonizar esses novos habitats, desde microrganismos a líquens e musgos resistentes, e outras espécies pioneiras, como gramíneas. Mais plantas chegam e, posteriormente, seguem-se os animais. Com o tempo, novos ecossistemas surgem.
Colonização de espécies e transformação do solo
Quando uma geleira derrete, o que resta é uma paisagem estéril de rocha nua e sedimentos. Gradualmente, essas áreas se transformam em ecossistemas pós-glaciais complexos e diversificados. Os pesquisadores buscaram entender como isso ocorre, quanto tempo leva e como a vida coloniza o novo habitat. Entre os séculos XIV e XIX, aproximadamente, o mundo estava sob o domínio da “Pequena Idade do Gelo”, um período de resfriamento moderado que afetou principalmente o Hemisfério Norte. Durante esse período, muitas geleiras se expandiram. Contudo, a partir do final do século XIX, as atividades humanas, especialmente a queima de combustíveis fósseis, começaram a aquecer o planeta.
Para cruzar a chegada das espécies com o momento em que cada geleira começou a recuar, os pesquisadores coletaram amostras de solo de mais de 1.200 pontos em 46 geleiras, analisadas em laboratório para rastrear quais espécies chegaram e quando. A formação dos novos ecossistemas foi acompanhada através da análise das propriedades e nutrientes do solo, além da captura de carbono pelas plantas. Utilizaram técnicas de amostragem de DNA ambiental para capturar rastros de DNA deixados por espécies animais, avaliando a biodiversidade local.
Padrão de formação de ecossistemas
Os cientistas descobriram um padrão surpreendentemente difundido na formação dos ecossistemas. As primeiras formas de vida a chegar foram as menores, como micro-organismos, bactérias, protistas e algas, que colonizam o solo. Estas minúsculas formas de vida podem formar comunidades surpreendentemente ricas. Cerca de uma década de colonização por microrganismos é necessária para que espécies maiores possam chegar. Alguns micro-organismos tornam os minerais das rochas disponíveis para outras espécies.
Espécies pioneiras e desenvolvimento de solos férteis
As espécies pioneiras resistentes, como líquens, musgos e gramíneas, são as próximas a chegar, tolerando condições difíceis. Mesmo sem o gelo, essas áreas ainda são afetadas pelo vento e pelo frio. Quando essas espécies pioneiras crescem e morrem, deixam material orgânico que enriquece gradualmente os solos. Com matéria orgânica suficiente, plantas mais complexas criam raízes. Animais maiores chegam por último, pois os herbívoros precisam de comunidades vegetais prósperas para sobreviver, e os predadores necessitam de presas para se alimentar.
A característica mais importante para a complexidade desses ecossistemas é o tempo, mais do que a interação entre as espécies. Com o passar do tempo, é provável que mais espécies novas colonizem as paisagens pós-glaciais. Os microrganismos ajudam as plantas pioneiras, acelerando o desenvolvimento de solos férteis. Bactérias e fungos decompõem a matéria orgânica das plantas mortas em compostos mais simples, criando húmus, que enriquece o solo.
Impactos globais e preocupações
Embora o surgimento de novos ecossistemas possa parecer uma notícia positiva, há várias razões para preocupação. O aquecimento global, causado principalmente pelas atividades humanas, é o principal fator do recuo das geleiras. Esse derretimento acelerado é um sintoma claro das mudanças climáticas que afetam o planeta de maneira abrangente e negativa. A perda das geleiras está diretamente ligada ao aumento do nível do mar, o que pode levar à inundação de áreas costeiras e ao deslocamento de populações humanas.
As geleiras abrigam espécies únicas e especializadas que não podem sobreviver em outros ambientes. O derretimento resulta na perda de habitat para essas espécies, como vermes do gelo, pulgas da neve e algas da neve. Mesmo que novas formas de vida colonizem as áreas deixadas para trás, as espécies especializadas enfrentam extinção.
Complexidade e recuperação dos ecossistemas
A formação de novos ecossistemas é um processo lento e complexo, que leva décadas ou séculos. Durante esse tempo, as áreas recém-descobertas permanecem vulneráveis e podem não proporcionar os mesmos benefícios ecológicos que as geleiras. A criação de ecossistemas complexos requer tempo e depende das interações entre micro-organismos, plantas e animais, o que não é garantido em todos os casos.
O recuo das geleiras representa uma mudança irreversível no ambiente natural. Mesmo que novos ecossistemas surjam, a paisagem glacial original e suas funções ecológicas específicas são perdidas para sempre, resultando em impactos ecológicos imprevisíveis e de longo prazo, que não podem ser mitigados pela simples colonização de novas formas de vida.
Com informações do The Conversation
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