A Serra do Mar, estendendo-se do Rio de Janeiro a Santa Catarina, está vivenciando uma exibição deslumbrante de cores com a floração precoce das árvores nativas da Mata Atlântica. As manchas de tom lilás, embelezadas com variações de rosa e branco, rompem a monotonia do verde das florestas, criando um espetáculo visual que precede a Páscoa.
Este ano, a floração da Pleroma mutabile, mais conhecida como manacá da serra, entre outros nomes populares, iniciou-se mais cedo, possivelmente devido ao calor extremo. O fenômeno, que habitualmente ocorre durante a Quaresma, foi confirmado pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Descrita em 1871 por José Mariano da Conceição Velloso, ou Frei Velloso, um religioso e botânico brasileiro, a manacá da serra não apenas encanta com sua beleza, mas também desempenha um papel crucial na recuperação das áreas degradadas da Mata Atlântica. Segundo João Paulo Villani, engenheiro ambiental e gestor do Núcleo Santa Virgínia, parte do Parque Estadual da Serra do Mar, esta árvore é pioneira em ocupar clareiras na floresta, seja por ação humana ou natural, como a queda de grandes árvores.
A manacá da serra é essencial para a regeneração da Mata Atlântica, agindo como uma “cicatrizadora de florestas”. Ela se estabelece rapidamente em áreas desmatadas, incluindo aquelas próximas a rodovias, onde a vegetação original foi removida para construção de estradas. A sua capacidade de germinar em solo nu, beneficiada pela luz solar, inicia o processo de recuperação, preparando o terreno para outras espécies.
Além disso, a presença da manacá da serra atrai a fauna, incluindo morcegos que dispersam sementes de outras espécies, enriquecendo a biodiversidade e contribuindo para a formação de novas florestas. Com cerca de 15 a 20 anos de existência, a área ao redor da árvore se transforma, permitindo que a Mata Atlântica se recupere e floresça novamente.
O manacá da serra só consegue se desenvolver onde surge um vazio na vegetação, seja pela queda natural de árvores ou pelo desmatamento
Entre vida abundante e declínio lento: o papel vital do Manacá da Serra na Mata Atlântica
No coração da Mata Atlântica, o manacá da serra, com sua estatura de quatro metros, não só oferece sombra, mas também se torna um polo de atração para a fauna local, incluindo porcos do mato, tatus e macucos. Estes últimos, em sua busca por minhocas, acabam por auxiliar na dispersão de sementes, contribuindo ainda mais para a biodiversidade da região.
As flores do manacá da serra, exibindo uma paleta de branco, rosa e lilás na mesma árvore, desempenham um papel crucial na comunicação com os animais, revela André Ferretti, engenheiro florestal e gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Este esquema de cores funciona como um indicador para insetos e animais sobre o estágio de maturação da flor, facilitando o processo de polinização e coevolução entre plantas e animais.
Função desta árvore pioneira é cobrir a terra o mais rápido possível e preparar o solo para a chegada de outras espécies
Após 50 anos de contribuição para a regeneração da floresta, as quaresmeiras iniciam um processo de declínio natural. Nesse estágio, o sub-bosque que se formou sob sua proteção está preparado para continuar o ciclo de vida independentemente, permitindo o crescimento de espécies arbóreas que foram outrora exploradas pela qualidade de sua madeira.
João Paulo Villani, engenheiro ambiental e gestor do Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, destaca a importância da quaresmeira na revitalização das florestas. No entanto, alerta que o surgimento excessivo dessa árvore pode indicar problemas subjacentes, como a morte de árvores de grande porte, presença de pragas ou atividades de corte de madeira seletivo.
Sob a gestão de Villani, a área protegida do Núcleo Santa Virgínia viu uma expansão significativa, de 5 mil para 17.513 hectares, abrangendo cinco municípios paulistas. Apesar de cerca de 1,5 mil hectares ainda estarem cobertos por pastagens, os esforços de conservação permitiram a transformação de 3,5 mil hectares em floresta nos últimos 35 anos.
A Mata Atlântica na Serra do Mar; Brasil perdeu 76% deste bioma
A região, historicamente marcada pela exploração madeireira, agricultura e pecuária, e mais tarde pela substituição da Mata Atlântica por plantações de eucalipto, viu uma mudança significativa com a criação do parque estadual em 1977. Projetos de compensação ambiental, incluindo o plantio de 321 mil mudas nativas, contribuíram para a recuperação da biodiversidade local.
As unidades de conservação desempenham um papel crucial na preservação dos remanescentes da Mata Atlântica, com mais de 50 unidades na região do litoral norte de Santa Catarina e sul de São Paulo. Estas áreas protegidas são essenciais para sustentar a vegetação remanescente e promover práticas mais sustentáveis, como o turismo de natureza e a agroecologia.
A Mata Atlântica, originalmente abrangendo 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 17 estados, hoje preserva 24% de sua extensão original, com apenas 12,4% em bom estado de conservação. A luta contínua pela preservação desta biodiversidade crucial reflete o esforço conjunto de conservacionistas, pesquisadores e a comunidade em geral.
*Com informações DW
Comentários