O presidente Lula vetou 34 itens da Lei 14.701, que aborda a gestão de terras indígenas. Entre os vetos está o polêmico “marco temporal”. WWF e Apib avaliam os impactos e o Congresso decidirá sobre os vetos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu aprovação à Lei 14.701, embora com 34 ressalvas, que aborda o reconhecimento, demarcação, utilização e administração das terras indígenas. O destaque entre os vetos é o dispositivo que determinava direitos territoriais aos indígenas apenas sobre terras ocupadas ou reivindicadas até 5 de outubro de 1988, a data em que a atual Constituição Federal foi promulgada. Esse ponto de vista jurídico, intitulado marco temporal, originou-se do PL 2.903, proposto pelo ex-parlamentar Homero Pereira e passou no Senado em setembro, tendo o senador Marcos Rogério como relator.
Razões para o veto
Ao explicar o veto ao marco temporal, o presidente ressalta que a ação do Legislativo vai contra o bem-estar público e tem falha de inconstitucionalidade. Lula ainda aponta que o Supremo Tribunal Federal (STF) também já negou essa perspectiva — uma decisão de ampla consequência.
O governo esclarece:
“Apesar das boas intenções do legislador, o projeto vai contra o interesse público ao demandar evidência da presença indígena na área desejada em 5 de outubro de 1988 ou situações de esbulho até essa data. Isso desconsidera os desafios práticos de fornecer essa evidência, levando em conta a ocupação do território nacional e os efeitos na movimentação e estabelecimento populacional nas variadas regiões.”
Essa posição foi tomada após consultar diversos ministérios e a Advocacia-Geral da União (AGU).
Exclusões relevantes
Certas propostas, como a permissão para cultivar espécies geneticamente modificadas em Terras Indígenas, a edificação de grandes infraestruturas como usinas hidrelétricas e estradas sem o consentimento das comunidades afetadas, e a diminuição das políticas de proteção a tribos indígenas isoladas, foram eliminadas.
Apesar das solicitações de grupos indígenas, entidades ambientais, o Ministério Público, o Conselho Federal de Direitos Humanos e outras instituições para um veto total ao projeto pelo Executivo, isso não aconteceu.
Pontos de preocupação
Dentro do que foi sancionado, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) destaca sua inquietação em relação a duas partes que não foram completamente vetadas e que podem infringir os direitos dos indígenas:
O Artigo 26 fala sobre uma colaboração entre indígenas e não-indígenas para o desenvolvimento de atividades econômicas, o que pode incentivar pressões sobre os territórios para alterar o usufruto exclusivo. O Artigo 20 declara que o usufruto exclusivo não tem precedência sobre os interesses nacionais de defesa e soberania. A Apib, em comunicado, ressalta:
“Salientamos que o Artigo 20 é arriscado pois pode potencialmente minar o usufruto exclusivo, com o vago conceito de ‘interesse de política de defesa’, permitindo intervenções militares nos territórios. Contudo, reiteramos que os Povos Indígenas são protegidos pelo Artigo 231, §6o, da Constituição, que estabelece que tal interesse significativo da União deve ser determinado por Lei Complementar e não por Lei Ordinária, como é o caso do PL 2903.”
A organização ambiental WWF, em sua análise, aponta que o presidente, apesar de não ter vetado o projeto em sua totalidade, eliminou partes que poderiam levar ao desmatamento de até 55 milhões de hectares de florestas nos próximos anos – uma área quase equivalente a Minas Gerais.
A WWF destaca:
“Essa decisão mantém viva a possibilidade de o Brasil cumprir seu compromisso de erradicar o desmatamento até 2030 – meta que seria inatingível sem esses vetos. Além disso, reacende a esperança de prevenir um colapso da Floresta Amazônica – crucial para o ciclo das chuvas no Brasil – devido à degradação excessiva, o que impactaria a vida de todos os cidadãos.”
O papel dos indígenas na preservação
Segundo o WWF, nos últimos três decênios, terras indígenas perderam apenas 1,2% de sua vegetação nativa, enquanto terras privadas perderam quase 20%. Hoje, esses territórios indígenas guardam um quarto das florestas remanescentes na Amazônia.
Pesquisas indicam que os territórios indígenas amazônicos liberam para o Brasil, diariamente e sem custos, 5.2 bilhões de toneladas de vapor de água através da transpiração das inúmeras árvores que conservam. Essa umidade gera as chuvas que possibilitam ao Brasil ter duas safras agrícolas anuais em grande parte de seu território, consolidando o país como potência agrícola. São autênticos mananciais, protegendo mais de 517 mil nascentes.
Revisão pelo Congresso
Os vetos do presidente agora serão submetidos ao Congresso Nacional em uma reunião conjunta de Deputados e Senadores. A data ainda será definida. Para alterar a decisão final sobre a lei, é preciso a maioria absoluta dos votos de ambas as casas: 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, contados individualmente.
O WWF-Brasil enfatiza a importância de o Congresso Nacional confirmar os vetos do presidente Lula, visto que, além de ser uma decisão sensata, alinha-se com compromissos internacionais do Brasil, como os Acordos de Paris e de Kunming-Montreal.
A Apib alerta:
“Devemos permanecer ativos e unidos, porque a batalha ainda não terminou. A bancada ruralista no Congresso Nacional pode ainda revogar todos esses vetos e sancionar essa lei que legitima ações contra os povos indígenas.”
Fontes: Agência Senado e WWF.
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