Há muito o que olhar e aprender, mas temos que ter atenção para o que queremos aprender, porque podemos andar como vira-latas ou almejando altas tecnologias e o nosso espaço em um futuro próspero
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
__________________
O complexo de vira-lata de Nelson Rodrigues, que percebe a expressiva frequência em que nos colocamos como inferiores em relação aos outros países é um fenômeno terrível para a nossa evolução, pois olhamos para o copo meio vazio ou apenas para efeitos, sem discutir causas. Este narcisismo ao avesso aparece em questões econômicas, geopolíticas e está presente com grande frequência em todo o tipo de ambiente de debates sobre o futuro do Brasil.
A comparação de efeitos entre países, sem uma análise de causas históricas, políticas, sociais, ambientais e geográficas, é usualmente realizada com o intuito de mostrar nossas mazelas, tipicamente recheadas de pré-conceitos, apontando para caminhos derrotistas. Assim, com frequência nos escapam as reais oportunidades de maximização de nossas fortalezas.
Ao longo do passado recente, existem comparações com a Coreia do Sul, EUA ou Israel, em aspectos díspares e desconectados. Entender qualquer destes países, sem conectar com a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, as políticas de desenvolvimento econômico ou as lógicas das intervenções, constroem conclusões equivocadas em relação ao Brasil e ao que temos de oportunidades.
A Guerra da Coreia, por exemplo, deixou fortes marcas no que hoje é a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, em um ambiente já demarcado pela Segunda Guerra Mundial, seguida pela Guerra Fria, que ficou quente. A Coreia do Sul possui 100.210km2, com cerca de 51 milhões de habitantes. Ao compará-la em tamanho, seria semelhante à Pernambuco, enquanto Israel seria análoga à Sergipe ou a Alagoas, sendo que o país possui quase 10 milhões de habitantes.
Na Roma antiga, os pregos possuíam enorme valor, sendo uma tecnologia que merecia ser escondida. No contemporâneo temos semicondutores, internet, a gig economia e tantos novos contextos. É oportuno compreender alguns aspectos que deram certo em cada um destes lugares. Todavia, não é possível entender efeitos sem discutir suas causas, se quisermos retirar lições e oportunidades, tanto lá, quanto cá.
Na era do capital improdutivo, discutida por Ladislau Dowbor, ou da Genealogia do Desastre, trazida pela mineração desvairada e irresponsável, analisada por Horacio Machado Aráoz, devemos ter atenção sobre as oportunidades que temos em Manaus e no Amazonas, quando nos comparamos com outros lugares, culturas, geografias, políticas e geopolíticas. O que não nos impede de comparar, retirar lições e aproveitar os achados.
Nossa trajetória de Zona Franca e de Indústria pode ser usada para nos alavancar. O posicionamento ambiental do Amazonas em comparação ao Pará pode ser percebido como uma oportunidade para manter a proteção e não para perseguir a destruição da biodiversidade. Não podemos ter a mineração como alvo – afinal, o Pará tem tido algum proveito, que não compensa o rastro de estrago ambiental. Por aqui, temos uma indústria, mas que ainda não permeou todos seus efeitos e não cresce em todo seu potencial.
Ao invés de almejar minérios, precisamos perceber como é possível deter e desenvolver tecnologias. A revista The Economist desta semana analisa a Coreia do Sul e a sua economia dependente de exportações. Por lá, existem limites à propriedade estrangeira em indústrias-chave e, em fevereiro passado, o presidente Yoon Suk-yeol ordenou que o órgão regulador dos mercados mantivesse controle sobre os lucros dos bancos, porque eles são “parte do sistema público”. Há muito o que olhar e aprender, mas temos que ter atenção para o que queremos aprender, porque podemos andar como vira-latas ou almejando altas tecnologias e o nosso espaço em um futuro próspero.
Augusto Rocha é Professor Associado da UFAM, com docência na graduação, Mestrado e Doutorado e é Coordenador da Comissão CIEAM de Logística e Sustentabilidade
Comentários