Os próximos meses prometem ser decisivos para o futuro do mercado voluntário de créditos de carbono. Os reflexos serão sentidos no coração da Amazônia, onde empresas brasileiras vêm fazendo investimentos milionários para lucrar com a proteção da floresta.
Por Sérgio Teixeira Jr – Capital Reset
Existe um problema de confiança dos dois lados da equação. Os vendedores precisam provar que estão entregando as prometidas reduções ou remoções de gases de efeito estufa da atmosfera
Acuados pelas crescentes acusações de greenwashing, os compradores têm de se certificar de que as afirmações públicas feitas com base na compra de créditos têm fundamento.
Não são questões novas. Desde sua concepção, há 15 anos, a ideia de compensar emissões de CO2 é alvo de críticas que vão da falta de transparência na formação de preços às alegações de que os offsets seriam uma “licença para poluir”.
A demanda criada pela onda de compromissos corporativos net zero parecia o sinal de que as atribulações tinham ficado para trás. Até bem pouco tempo o otimismo era palpável.
O volume de transações e a geração de créditos dobraram entre 2020 e 2021. Mas o ânimo arrefeceu no ano passado. O mercado andou para o lado em 2022. Hoje o setor está no “limbo”, na definição da empresa de informações S&P Platts.
Reportagens publicadas no começo do ano por um consórcio dos jornais The Guardian e Die Zeit e do site SourceMaterial cristalizaram essa mudança de humor.
Baseados em estudos acadêmicos, os veículos analisaram créditos de carbono de desmatamento evitado e concluíram que 94% deles mentiam ou exageravam seu impacto climático.
Os textos caíram como uma bomba no setor inteiro e causaram preocupação especial entre os desenvolvedores de projetos de geração de créditos brasileiros. Os créditos avaliados, conhecidos como REDD+, são a principal modalidade gerada no país.
Embora contestada por suas inconsistências metodológicas, a análise deixou os compradores com medo, diz Janaína Dallan, co-CEO da Carbonext, uma companhia que desenvolve projetos de preservação da floresta para geração de créditos.
As emissões de novos créditos no primeiro trimestre caíram 26% em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Sylvera, uma startup que faz ratings desses ativos.
O uso efetivo para compensações por parte dos compradores finais, que corresponde à retirada dos créditos de circulação, recuou 11%. Essa prática, chamada de “aposentadoria”, é considerada o principal indicador da saúde do mercado.
A ponta dos vendedores
É mais fácil entender a crise do mercado de carbono examinando separadamente as questões de vendedores e compradores.
No lado da oferta, a mira dos críticos está apontada para o sistema chamado REDD+, mais especificamente para a forma de cálculo dos créditos apurados.
Esses projetos são remunerados com a geração de créditos de carbono em troca da proteção de áreas de vegetação nativa ameaçadas pelo desmatamento.
Grosso modo, traça-se uma linha de base da devastação esperada; o desmatamento evitado é convertido em toneladas de CO2.
O problema está nessa tentativa de “prever o futuro”, como diz o pesquisador Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais. “Quanto mais empinada a linha de base, mais [o responsável pelo projeto] ganha [com a geração de créditos].”
A principal crítica de Soares diz respeito aos vetores de destruição da floresta considerados nas premissas dos projetos.
Em muitos casos, são considerados fatores locais, mas a dinâmica do desmatamento é mais ampla e pode envolver decisões no nível político, afirma o pesquisador. “Um exemplo é o que vimos no governo Bolsonaro.”
As desenvolvedoras de projeto brasileiras, reunidas na Aliança Brasil Nature-Based Solutions, afirmam que as avaliações feitas nas reportagens se basearam em um método equivocado e fizeram extrapolações indevidas.
A Verra, maior certificadora de créditos do mundo e responsável por atestar os créditos apontados como problemáticos, afirmou que suas metodologias garantem “linhas de base robustas” para medir o impacto de projetos REDD.
Farinha do mesmo saco
As reportagens de janeiro concentraram a maior atenção, mas elas não foram as únicas no passado recente a levantar dúvidas sérias sobre a integridade de projetos REDD+.
A suíça South Pole, maior geradora de créditos de carbono do mundo, foi acusada de exagerar em dezenas de vezes os créditos gerados em uma iniciativa no Zimbábue.
Em março, uma reportagem da TV australiana apontou um problema de outra natureza: a exploração das populações em que são realizados os projetos.
Comunidades pobres de Papua Nova-Guiné foram induzidas a aceitar acordos sem entender as consequências do que estavam assinando – e depois não receberam o dinheiro prometido.
Um dos desafios imediatos para as desenvolvedoras é provar que nem todas as empresas são iguais.
“Tem projeto ruim? Tem. Tem linha de base inflada? Tem. Mas não é tudo farinha do mesmo saco”, diz Janaína Dallan, da Carbonext.
O texto completo foi originalmente publicado em CAPITAL RESET leia na íntegra
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