Quase todo o ipê legalmente extraído vem de planos de manejo e o restante de cortes autorizados. Ao mesmo tempo, por ter alto valor comercial sua extração ilegal financia outros ilícitos nas grandes frentes de desmate criminoso na Amazônia
Blocos econômicos e países ricos estão adotando diretrizes comerciais que podem proteger espécies da fauna e flora silvestres ameaçadas de extinção e assegurar a biodiversidade de ipês na Amazônia. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa adotar mais regulações socioambientais para manter esses mercados.
Regras da União Europeia e dos Estados Unidos exigirão provas detalhadas de empresas exportadoras de que suas cadeias de fornecimento não destroem ou degradam florestas e que respeitam os direitos dos povos indígenas, de quilombolas e outras comunidades tradicionais.
As medidas afetam produtos brasileiros como gado, café, madeira, cacau, borracha, soja e derivados. Já o comércio de ipê e do cumaru foi mais controlado pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites).
Para as duas árvores típicas da floresta equatorial, as restrições valem a partir do fim de 2024. Há expectativa que isso mantenha estoques e beneficie a biodiversidade da Amazônia, destaca Marco Lentini, coordenador de Projetos da ong Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
“Devemos seguir o princípio da precaução e ter um cuidado maior na exploração dessas espécies [listadas na Cites], deixando uma quantidade maior de árvores porta-sementes nas áreas de manejo para assegurar a conservação de toda a floresta”, explica o engenheiro florestal.
As porta-sementes são árvores adultas que devem ser mantidas para que ocorra a renovação dos estoques comerciais em áreas onde o poder público autorizou sua remoção gradual para produzir madeiras. Todos os ipês manejados vêm de áreas naturais de floresta, não há plantios.
Mas, assegurar que extração e comércio sejam realmente sustentáveis exige que o país avance em rastreabilidade e outras verificações em cadeias produtivas com inúmeras empresas, diz Benno Pokorny, diretor da Área de Bioeconomia no Brasil da GIZ, a Agência Alemã de Cooperação Internacional.
“Essa produção traz benefícios econômicos e sociais, mas também impactos como desmate e degradação florestal, poluição, marginalização social perto de áreas produtivas e destruição de culturas. É um custo muito alto para as gerações atual e futura”, ressalta o especialista.
Quase todo (98%) o ipê legalmente extraído vem de planos de manejo e o restante de cortes autorizados. Ao mesmo tempo, por ter alto valor comercial sua extração ilegal financia outros ilícitos nas grandes frentes de desmate criminoso na Amazônia, como a região entre o Amazonas, Acre e Rondônia.
“Quem ainda vende madeiras vindas de desmatamento ilegal sabe que há mercado pois conta com a incapacidade brasileira de atestar a origem dos produtos. Ninguém desmata por paisagismo”, ressalta Raoni Rajão, diretor de Controle do Desmatamento e Queimadas do Ministério do Meio Ambiente.
Planos de manejo federais para extração de madeiras somam hoje quase 1,3 milhão de hectares. Outro milhão de hectares pode ser aprovado até o fim deste ano. Quase todos estão na floresta equatorial e têm como alvo principal a exportação. Estados também licenciam a produção de madeira.
Sistemas de rastreabilidade eletrônica do governo federal já mapeiam do corte ao comércio de madeiras e tem custo de aproximadamente R$ 1 por hectare, conta o gerente-executivo de Monitoramento e Auditoria do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), José Humberto Chaves.
“É um custo bem baixo para manter esse mecanismo diante da média de 15 metros cúbicos de madeira hoje extraídos por hectare concedido. A rastreabilidade é fundamental para a sobrevivência do setor produtivo que quiser manter mercados internacionais”, destaca.
O Imaflora e um estudo publicado em 2021 na revista Forest Ecology and Management estimam, respectivamente, que de 18 milhões de hectares a 35 milhões de hectares podem ser manejados no país. Isso estimularia ainda mais economias não destruidoras da floresta.
Há tecnologias, certificações e experimentos para ampliar o rastreamento de madeiras encabeçadas por organizações não governamentais, governos e empresas, usando bancos de DNA ou infravermelho, inclusive portáteis e usados pela fiscalização ambiental.
“Às vezes não é custo, é investimento em economia de água e de terra, mantendo a produtividade. Setores que adotaram a rastreabilidade e outras normas ganham dinheiro e cumprem a lei”, conta Luciana Papp, do Projeto de Manejo Florestal e Litigância da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Todavia, jogar mais controle e transparência no setor madeireiro pode ter outros efeitos colaterais. Ao mesmo tempo em que aumentará a exposição de quem insiste na ilegalidade para lucrar e ajudará na gestão das cadeias produtivas, pode afastar quem não tem maior capacidade de investir.
“Mais regras trazem custos e complexidades que podem afastar pequenos produtores ou populações tradicionais do manejo florestal. A produção desses segmentos precisa de estímulos específicos e de pagamentos diferenciados”, avalia Benno Pokorny, da GIZ no Brasil.
Além disso, trabalho escravo e outras ilegalidades não são flagrados pelo rastreio atual da produção madeireira. “Nem tudo é tecnologia. As novas exigências [comerciais] trazem fatores além do desmate que são mais complicados de identificar”, aponta Luciana Papp, da ong Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
As mudanças na produção e comércio madeireiro trazem de carona o temor de esfriamento do mercado, sobretudo de espécies cuja extração foi restringida pela Cites. Afinal, os prazos para liberação de estoques são um complicador, afirma Carla Moraes, da importadora belga Vandecasteele.
“Hoje a emissão de documentos para exportação demora cerca de 3 meses. Com as regras da Cites isso pode exigir de 9 meses a 10 meses. Isso aumenta em muito os custos de armazenagem”, descreve a engenheira florestal e membro da Associação das Indústrias de Madeira do Estado do Pará (Aimex).
Só do Pará, a Vandecasteele embarca 70 contêineres mensais com madeiras. A companhia tem o maior armazém para madeira serrada na Europa e trabalha com 600 espécies mundiais, incluindo 32 do Brasil. Até 2025, quer garantir 100% de compras certificadas, índice hoje de 70%.
Conforme dados do SFB, 10% da produção madeireira nacional é exportada. O restante é consumido no próprio país. Mesmo assim, a rastreabilidade e demais regulações devem ser adotadas por todo o setor. Além disso, restrições da Cites podem ser compensadas pela oferta de outras espécies.
“As concessões já demonstram a rastreabilidade das madeiras e naturalmente outras espécies ocuparão nichos comerciais que surjam, como aconteceu desde que o corte do mogno foi mais controlado”, recorda José Humberto Chaves, do Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
O corte e o comércio de mogno foram restringidos pelo Cites no início do anos 2000, assim como ocorreu esta ano com o ipê e o cumaru. Tais medidas são tomadas quando a extração comercial ameaça a conservação das espécies.
As fontes ouvidas por ((o))eco participaram esta semana de um debate nacional sobre rastreabilidade de cadeias produtivas promovido pela GIZ no Brasil.
Fonte: O Eco
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