Em clima de chantagem do Centrão em busca de mais verbas, o governo tem mais um grande problema: pauta central na campanha que elegeu Lula em 2022, o meio ambiente, as pautas dos povos originários e o desenvolvimento sustentável estão sendo alvos de reestruturação pelo Congresso para voltar ao modelo anterior que existia no governo Bolsonaro.
O deputado federal Isnaldo Bulhões Jr. (MBD-AL) apresentou hoje o relatório da Medida Provisória da Reestruturação dos Ministérios (MP 1154/23) à Comissão Mista que analisa a matéria. Algumas das principais mudanças trazidas em relação ao texto original representam um esvaziamento de atribuições do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Segundo o Congresso, o relatório foi lido hoje em sessão da comissão, que foi suspensa para vista coletiva e será retomada amanhã (24). A MP deverá ser votada no mesmo dia, já que ainda precisa passar por Câmara e Senado até o dia 01/06, caso contrário perderá a validade. Sem reestruturação, toda a estrutura de governo voltaria à forma vigente no último dia 31 de dezembro, no governo Jair Bolsonaro (PL).
Entre as mudanças apresentadas pelo relator estão a transferência da administração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão; a transferência da Agência Nacional de Águas do MMA para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional; e a atribuição de reconhecimento e demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas para o Ministério da Justiça.
Cadastro Ambiental Rural
As emendas 18, do deputado Zé Vitor (PL/MG); 44, da deputada Marussa Boldrin (MDB-GO); e 57, da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ligados à bancada ruralista, buscavam levar a gestão do Cadastro Ambiental Rural para o Ministério da Agricultura. Bulhões rejeitou parcialmente as emendas, mas afirmou no relatório considerar “condizente com o interesse público e a eficiência administrativa” a transferência do CAR para o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. ((o))eco explicou as atribuições do cadastro aqui.
Embora essa tenha sido a versão levada ao texto final da MP com as alterações do relator, chama atenção que logo abaixo desse trecho haja um parecer para as mesmas três emendas, só que agora mantendo o CAR na pasta do Meio Ambiente. “Da mesma forma, não julgamos condizente com o interesse público a retirada da competência ao Cadastro Ambiental Rural – CAR do âmbito do Ministério do Meio Ambiente”, diz o texto, pois o cadastro tem “finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.
O texto diz ainda ser “oportuno e relevante que tal competência se mantenha com o Ministério do Meio Ambiente”.
A inserção aparentemente acidental de um trecho que diz o contrário da versão de fato utilizada no relatório vai ao encontro da recente articulação contra o Ministério de Marina Silva após o Ibama rejeitar licença para a Petrobras perfurar o fundo do mar em busca de petróleo na costa do Amapá. O presidente da Comissão Mista, Davi Alcolumbre (UNIÃO-AP), considerou a recusa um “desrespeito” e passou a articular para enfraquecer a ministra.
Agência Nacional de Águas
O Ministério do Meio Ambiente perde ainda, pelo relatório, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que é transferida para o Ministério da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (MIDR). A autarquia, tradicionalmente parte do MMA, esteve dentro do MIDR durante a gestão Bolsonaro, e agora corre risco de voltar a essa configuração.
O relator rejeitou as emendas 31, do deputado Vitor Lippi (PSDB-SP); 64, do deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS); e 70, do senador Rogério Marinho (PL-RN), que revogavam os artigos 66 a 68 da lei 13.844/19, que vinculava a ANA ao Ministério. “Embora o texto original da MPV tenha vinculado a ANA ao Ministério do Meio Ambiente, julgamos oportuno alterar tal vinculação para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, como consta do texto que se pretende revogar”, diz a justificativa do relator.
A ida da autarquia para o Desenvolvimento Regional foi criticada por ambientalistas à época, por se tratar de um Ministério de caráter econômico. Em entrevista ao jornal Valor Econômico no início do ano, Marina afirmou a importância da agência voltar ao MMA. “A ANA […] não pode estar embaixo de um setor que demanda a outorga, como era o caso do Ministério do Desenvolvimento Regional. Tem que estar em um lugar neutro porque a lei estabelece critérios – primeiro atender a sede humana, depois, animal, depois os demais usos”, declarou.
Terras Indígenas
Outro que saiu esvaziado foi o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). A recém-criada pasta perdeu, no relatório, a função de reconhecer e demarcar terras indígenas, até então sua principal atribuição. Essa prerrogativa agora volta ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que a exercia até 2019.
As emendas 4, do deputado Covatti Filho (PP-RS); 6, do deputado e líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-RS); 25, do deputado Sergio Souza (MDB-PR); e 45, da deputada Marussa Boldrin (MDB-GO), buscavam extinguir o MPI e transferir todas as suas atribuições à pasta da Justiça.
O relator Isnaldo Bulhões Jr. rejeitou quase toda a proposta, mas aceitou mandar a demarcação de volta para o MJSP. Ele justificou a mudança alegando que ela atende a “eficiência administrativa” e a promoção da “continuidade das políticas destinadas aos povos indígenas”. Segundo ele, o Ministério da Justiça é onde o tema tem sua “alocação mais natural”.
O texto, porém, mantém o resto do inciso II do artigo da MP onde as atribuições recém-transferidas estavam. A defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas, que constituíam o resto do dispositivo, permanecem com a pasta dos Povos Indígenas.
Em audiência da Comissão de Direitos Humanos do Senado no último dia 10, a ministra da pasta, Sônia Guajajara, pediu aos parlamentares que mantivessem a demarcação de terras no MPI. “Na Câmara, há sete emendas [à MP] que devolvem ao Ministério da Justiça a atribuição de demarcação de terras, ou até mesmo a Funai”, alertou então a ministra. “Faço um apelo aos senadores, para que, quando essa MP chegar aqui, façam uma articulação para que possa permanecer a Funai com essa atribuição, da etapa da portaria declaratória, ser responsabilidade do Ministério dos Povos Indígenas”, solicitou. O relator, ao menos, não foi convencido.
Fonte: O Eco
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