Especialistas, organizações da sociedade e associações técnicas desenharam nova proposta de Reforma Tributária solidária, saudável e sustentável
Por Mateus B. Fernandes e Livi Gerbase – Um só Planeta
A Reforma Tributária está na pauta do Congresso Nacional, prometendo simplificar e melhorar a eficiência do sistema tributário. E esta agenda não é nova no Congresso, visto que as discussões sobre as principais Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam das reformas na tributação, a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019, são anteriores à atual gestão.
Porém, a promessa do novo governo, sob a liderança de Lula no Planalto e de Lira e Pacheco no Congresso, é, finalmente, aprovar uma reforma tributária ainda neste semestre.
Para isso, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, que busca consolidar ambas as propostas em um único texto até maio deste ano, para então levá-lo aos dois plenários do Congresso.
Todavia, as propostas debatidas atualmente não são suficientes para alinhar o sistema tributário brasileiro com a luta contra a crise climática e em prol da transição energética. A tributação, além do papel arrecadatório para financiamento de políticas públicas, também tem o poder de incentivar ou desincentivar setores econômicos e sociais e de corrigir ou ampliar desigualdades.
Neste sentido, a reforma tributária tem a missão de direcionar a economia brasileira rumo ao século XXI com o apoio ao desenvolvimento de cadeias de valor ambiental, social e econômico ancoradas na biodiversidade e nos direitos socioterritoriais.
Tanto a PEC 110 quanto a 45 não se mostraram suficientes para provocar tal direcionamento. As propostas focam principalmente na simplificação da tributação sobre o consumo, sem atacar os problemas da distribuição da carga tributária. A carga efetiva no Brasil é elevada para os pobres e residual para as altas rendas.
Por um lado, arrecada-se excessivamente por tributos sobre o consumo e sobre a folha que incidem proporcionalmente mais sobre a renda dos mais pobres: a participação relativa dos impostos que incidem sobre o consumo na carga tributária total atinge 50%; a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 32,4%; e, nos EUA, 17%.
Por outro lado, arrecada-se residualmente na forma de impostos sobre renda e riqueza da pessoa física: na Dinamarca, esses dois itens, em conjunto, representam 67% da arrecadação total de impostos; nos EUA, 60%; na média dos países da OCDE, 40%; no Brasil, apenas 23%. Em suma, temos um dos sistemas tributários mais regressivos do mundo.
Como então poderia o Estado brasileiro alinhar a reforma tributária com a promoção de direitos socioambientais e com o desenvolvimento sustentável das presentes e futuras gerações? A proposta da Reforma Tributária 3S – Solidária, Saudável e Sustentável -, que foi apresentada no dia 28 de março para o GT do Congresso Nacional -, reuniu dezenas de especialistas, organizações da sociedade e associações técnicas ligadas ao tema para desenhar propostas.
Para a área ambiental, nove medidas foram priorizadas, sendo quatro delas destacadas aqui:
1) a criação do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) Ecológico, como forma de compensação para municípios que melhorem indicadores socioambientais e a qualidade de vida da população;
2) o aprimoramento do Imposto Seletivo que, por um lado, desincentive a produção e o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao equilíbrio do clima e do meio ambiente;
3) o estabelecimento de um Fundo de Desenvolvimento Regional que, por outro lado, incentive atividades produtivas sustentáveis e convergentes com as metas brasileiras de clima;
4) a proibição de benefícios fiscais e subsídios a atividades que causam graves danos ao meio ambiente e à saúde da população.
Há décadas, um conjunto de incentivos fiscais, que não são transparentes nem monitorados ou mesmo avaliados pelo governo, continua estimulando atividades poluidoras, insalubres ou intensivas em emissões de carbono, como nos setores de energia fóssil, agropecuária e transportes, além dos agrotóxicos.
Apesar de não haver estimativas oficiais, estudos da sociedade civil calculam que, enquanto os subsídios para os agrotóxicos podem superar R$14,53 bilhões por ano, os subsídios aos combustíveis fósseis totalizaram R$118,2 bilhões somente em 2021. Portanto, a reforma tributária deve eliminar incentivos perversos, concedidos sob pressões retrógradas e sem consonância com as atuais políticas sociais, climáticas e socioambientais.
A nova economia do século XXI é aquela que adota critérios mensuráveis e coerentes com o projeto de redução das desigualdades e com a necessária promoção da saúde e da educação públicas, assegurando o bem-viver das presentes e futuras gerações. Ou a reforma tributária será sustentável, ou ela não se sustentará.
Mateus B. Fernandes é Assessor de Advocacy no IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade). Livi Gerbase é Assessora Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e mestre em Economia Política Internacional pela UFRJ.
Texto publicado originalmente em Um Só Planeta
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