“Tem vários estudos mostrando que o plástico, quando ele se fragmenta e vira microplástico, entra não só na cadeia alimentar da fauna, mas volta pra gente”, explica Rodrigo Tardin. “Tem microplástico sendo encontrado na corrente sanguínea, na placenta, no leite materno, no feto. Está circulando”.
Nesta quarta-feira (22), o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, recebeu a mesa-redonda “Oceanos do Amanhã: como combater a poluição por plásticos?”. Realizado no Dia Mundial da Água, o evento discutiu o cenário crítico de acúmulo de plásticos nos oceanos e zonas costeiras, seus impactos sobre os seres vivos e possíveis formas de enfrentar esse problema. Entre as soluções propostas estão a aprovação de leis que limitem o uso do material, acordos internacionais e a criação de “zonas livres de plásticos” – projeto que o museu anunciou durante o evento e que implementará em parceria com a ONG Oceana.
A mesa redonda foi composta por Lara Iwanicki, engenheira ambiental e gerente de campanhas da Oceana; Janaína Bumbeer, bióloga e gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário; e Rodrigo Tardin, professor de ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O mediador foi Fabio Scarano, também professor de ecologia da UFRJ e diretor da Escola de Futuros do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), instituição que administra o museu.
Os convidados frisaram a teia de impactos causada pelo plástico. Segundo Rodrigo Tardin, 100% das espécies de tartarugas marinhas e metade das espécies de mamíferos e aves marinhas já interagiram – com ferimentos ou mortes – com o plástico, o que acaba levando ao desaparecimento local de espécies e a consequente desestruturação de cadeias alimentares e ecossistemas. “Microplásticos na areia têm a tendência de aumentar a temperatura local, o que afeta diretamente, por exemplo, na determinação do sexo de tartarugas marinhas. Isso é que às vezes é difícil da gente mensurar, mas pode fazer com que a viabilidade da população se altere completamente”, exemplificou o professor.
Lara Iwanicki frisou os impactos desse material na saúde humana. “Tem vários estudos mostrando que o plástico, quando ele se fragmenta e vira microplástico, entra não só na cadeia alimentar da fauna, mas volta pra gente”, explica. “Tem microplástico sendo encontrado na corrente sanguínea, na placenta, no leite materno, no feto. Está circulando”.
Iwanicki cita dois projetos de lei atualmente em tramitação no Congresso com maior potencial para estancar os níveis de descarte de plásticos no oceano. A Lei do Mar (PL 6.969/2013) e o PL da Economia Circular do Plástico (PL 2.524/2022), que propõe um marco regulatório para o material, “com soluções como a redução do plástico de uso único, dos itens que são absolutamente desnecessários, mas também olhando pra circularidade das embalagens, garantindo que as embalagens que são colocadas no mercado sejam de fato recicláveis – não apenas num laboratório, numa universidade”, enfatiza.
“Precisa ter escala, infraestrutura, logística, precisa envolver os catadores. Precisa ter uma solução a nível de Brasil para ser considerado 100% reciclável. Preferencialmente que as embalagens sejam reutilizáveis, retornáveis ou compostáveis”, enumera a especialista.
A nível global, a convidada citou um acordo internacional, ainda em fase de negociações, para “acabar” com a poluição por plásticos, que deverá ser apresentado no final do ano que vem. “Assim como a legislação, acordos internacionais demoram para ser organizados, votados e ratificados. Mas isso mostra que esse é um problema que está escancarado no nosso dia a dia, e que a gente precisa resolver isso. Para chegar no nível de um acordo internacional na ONU é porque a coisa está muito séria”, reforça.
Segundo um relatório produzido no ano passado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de 120 países já proíbem ou taxam plásticos de uso único, como sacolas, canudos e talheres. “Itens que a gente tem solução, tem mercado, tecnologia [para substituir]. Tem todo um mercado esperando para oferecer essas soluções”, afirma a engenheira ambiental.
Educação ambiental
Os integrantes da mesa redonda também deixaram clara a importância da educação ambiental e da divulgação científica para uma melhora no quadro atual. “Ano passado
a gente lançou uma pesquisa nacional para entender a relação do brasileiro com o oceano”, diz Janaína Bumbeer, da Fundação Grupo Boticário. “E a gente viu que 40% dos brasileiros acham que nenhuma atitude sua influencia o oceano. Mas entre os demais, quando perguntados ‘de que forma sua atitude influencia o oceano?’, 70% fala que é por poluição, lixo ou resíduo. É um caminho para a gente chegar até as pessoas”, diz a bióloga.
“Para uma política pública sair – a Lei do Mar, a gente tá lutando há quantos anos? – precisa de uma pressão pública, social, para que ela vá à votação e seja aprovada. Então a gente tem que mudar essa cultura oceânica do brasileiro, e isso vem desde a educação de base”, acrescenta, apontando a importância da comunicação científica “furar a bolha” e alcançar maiores públicos.
Para Rodrigo Tardin, as novas gerações estão com um entendimento maior sobre o problema causado pelos plásticos. “Quando a gente vai nas escolas falar sobre cultura oceânica, o efeito de tudo o que a gente faz, mostrar pra eles essa linda biodiversidade marinha e terrestre que a gente tem, é quando a gente sai mais satisfeito com o nosso trabalho”, diz.
“E hoje, na universidade, os alunos dos primeiros períodos entram com uma preocupação muito clara e focada em plástico. Em qualquer atividade que envolve o público, que muitas vezes não está no dia a dia e não pode vir aqui no museu, por exemplo, é muito bacana esse acolhimento e esse reconhecimento que eles têm de que podem fazer a diferença”, testemunha o professor.
Na última fala, Lara Iwanicki ressaltou a necessidade de maior atenção para os oceanos. “Quando a gente pergunta pro brasileiro o que vem à mente quando se fala em meio ambiente, o oceano é a última opção. A primeira palavra que vem é Amazônia, pela sua importância, depois Mata Atlântica, Cerrado… oceano fica lá no final. E tá aqui, logo no quintal. Então tem todo um trabalho de educação [pela frente]”, aponta.
A representante da ONG Oceana disse ainda que as normas sobre redução de plásticos não devem ser simplesmente impostas de cima para baixo. “A gente não constrói política pública efetiva se a gente não envolve as pessoas que estão lá na ponta”, ressalta. “Quem está na ponta é que vai ter depois que substituir, repensar. E isso significa também democratizar o acesso às soluções e alternativas ao plástico. Não adianta exigir isso, mas a alternativa ser 6 vezes, 10 vezes mais cara. Isso não é democratizar o acesso”.
Para a engenheira ambiental, é dever do poder público agir para baratear essas alternativas por meio de incentivos ou subsídios. “Não adianta a gente falar de soluções para plástico e isso ser privilégio de poucos”, reforça.
Zona livre de plásticos
No início do evento, a diretora-geral do Museu do Amanhã, Bruna Baffa, anunciou o lançamento do projeto que pretende tornar a instituição uma Zona Livre de Plásticos (ZLP), com ajuda da Oceana. Dessa forma, o museu passará a abolir o uso de plásticos de uso único em suas dependências.
“É você eliminar o uso, consumo, distribuição e venda de itens de plástico descartáveis. Aqueles que depois vão virar lixo, porque não tem reciclabilidade, vão parar na Baía de Guanabara, nas redes de pesca”, detalhou Lara Iwanicki, da Oceana. “O projeto surge daí, o Museu olhar para a sua pegada de plásticos e fazer a lição de casa. A Oceana também fez, antes da gente propor as ZLPs a gente fez em casa, pra saber como funcionava, e a partir disso desenvolveu essa metodologia. E trazer esse conceito pro museu, porque faz muito sentido a gente pensar o amanhã sem plástico, pensar um oceano do amanhã sem plásticos também”, pontua.
Segundo a engenheira ambiental, a loja de souvenirs do museu e todos os seus fornecedores “se propuseram a repensar as embalagens” dos produtos vendidos no local. Por enquanto, o caminho a ser trilhado ainda é longo – uma visita à loja revela uma profusão de embalagens de plástico descartáveis (e até desnecessárias) em grande parte dos produtos – inclusive em itens vendidos como veganos. Quem compra algum produto e quer levá-lo em sacolas de papel, por exemplo, deve pagar de R$ 1 a R$ 3 por cada unidade, dependendo do tamanho da sacola.
Fonte: O Eco
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