Em entrevista, pesquisadora do Imazon fala sobre ameaça do garimpo nessa região. Local foi descoberto recentemente e abriga árvores gigantes e com mais de 400 anos de existência.
Quando a engenheira florestal Jakeline Pereira começou suas andanças pela Floresta Estadual do Paru, norte do estado do Pará, ela nem imaginava caminhar ao lado das maiores árvores da América Latina.
Em 2007, como pesquisadora iniciante no Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a missão de Pereira era mapear todo resquício de presença humana na então recém-criada unidade de conservação. Mais de uma década depois, em setembro de 2022, uma expedição confirmou a presença no local da maior árvore da América Latina.
Com 88,5 metros de altura, o angelim vermelho com idade estimada entre 400 e 600 anos equivale a um prédio de 30 andares fincado na mata. Perto dele, outras gigantes se destacam, e a ciência ainda não sabe explicar por que esses exemplares cresceram tanto ali, já que a altura média da espécie (Dinizia excelsa) é de 50 metros.
” A região que abriga as árvores gigantes está do lado do local onde ficam os garimpeiros. É uma área muito grande, com floresta bastante densa”, conta Pereira em entrevista à DW.
Especialista em áreas protegidas na Amazônia, Pereira foi a pesquisadora responsável pelo plano de gestão da floresta do Paru, que se estende por uma área de 3,6 milhões de hectares e abriga espécies que só existem ali. Ela diz que o desmatamento tem crescido na região por conta de fazendas ilegais que têm se instalado no local.
“Não tem nada inventado no mundo que capture carbono melhor que as florestas tropicais. Isso explica o interesse mundial na Amazônia. É uma fábrica de armazenamento de carbono e uma bomba de produção de água para todo o Brasil e outros países”, diz a especialista sobre a importância de conservar a região.
DW Brasil: A unidade de conservação Floresta Estadual (Flota) do Paru, onde fica o santuário das árvores gigantes, já nasceu correndo um grande risco?
Jakeline Pereira: Sim. Eu comecei meu trabalho lá em 2007, quando entrei no Imazon como pesquisadora um pouco depois da criação da Floresta Estadual do Paru. Ela virou unidade de conservação em dezembro de 2006 pelo governo do estado do Pará.
Eu fui responsável pelo diagnóstico socioeconômico dessa unidade de conservação e outras duas. Visitei todas as comunidades, ou locais onde havia algum indício da presença humana. Passei por áreas onde se faz a coleta de castanha e também de garimpo.
Na criação da Flota, já existia garimpo no local. Eu entrevistei os garimpeiros que estavam lá, e também os castanheiros. A missão era fazer o diagnóstico, que ajudou a elaborar o plano de gestão da unidade, publicado em 2010. Eu liderei este processo e, desde então, trabalho na implementação do plano.
A presença das árvores gigantes não era conhecida até então?
A descoberta do santuário das árvores gigantes aconteceu durante uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2016 e 2018. Os pesquisadores faziam sobrevoos com um equipamento que fazia o detalhamento de biomassa de carbono nas florestas. Quando passaram pela Flota com o avião fazendo mapeamento detalhado, eles descobriram que havia algo muito especial naquela região, chamada Vale do Jari.
A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e o Instituto Federal do Amapá, instituições que trabalharam neste projeto, montaram um laboratório para estudar a região e começaram a fazer expedições para localizar as árvores. Foram quatro expedições até agora.
Em setembro de 2022, com apoio do Imazon, que já conhecia a área, na expedição, o grupo descobriu a maior árvore da América Latina, um angelim vermelho de 88,5 metros. É algo equivalente a duas vezes e meia a estátua do Cristo Redentor. Ao redor dela, outras árvores foram descobertas com mais de 70 metros, o que é bem raro de acontecer.
A região que abriga as árvores gigantes está do lado do local onde ficam os garimpeiros. É uma área muito grande, tem floresta densa. Não existem moradias fixas, com exceção dos garimpeiros que estão por perto. Só os castanheiros vão lá coletar castanhas, não tem comunidades ali. É uma região de acesso bastante difícil.
Na época em que o plano de manejo estava sendo feito, o diagnóstico de biodiversidade foi difícil de ser feito, foi preciso uma operação de guerra, com uso de helicópteros e montagem de acampamentos.
A região está conservada quase em sua totalidade. Há problemas de desmatamento mais recente e os garimpeiros. As árvores estão ali ainda porque o acesso é bem difícil.
Já se sabe por que essas árvores são tão grandes?
Não. Foram coletados vários materiais para análises de DNA e de solo. A estimativa é que elas tenham entre 400 e 600 anos. Os pesquisadores fizeram coleta de material biológico das árvores para entender o porquê. Tudo ainda está em pesquisa.
Essa região do santuário é de formação geológica muito antiga, conhecida no meio acadêmico como Escudo das Guianas. É uma área que tem espécies que só existem ali, chamadas endêmicas. Inclusive é classificada como um centro de endemismo muito importante para conservação, por isso foram criadas as unidades neste local.
Por conta da dificuldade do acesso, existem poucos estudos neste território enorme. A Flota do Paru faz parte de um grupo de áreas protegidas que compõem 22 milhões de hectares. É um bloco enorme, um grande corredor da biodiversidade.
Quais são as principais ameaças que esta área corre atualmente?
A principal ameaça é o garimpo. Está ao lado do santuário. Para acessar esta região, para visitar o santuário, tem que passar pelos garimpos. Na primeira expedição, os pesquisadores tiveram problemas com os garimpeiros, que não queriam que eles passassem por ali. Na última, muito maquinário foi avistado.
O desmatamento está ocorrendo na unidade de conservação. É um desmatamento por conta da instalação de fazendas, de propriedades ditas particulares, de pessoas que estão migrando para o estado do Pará.
Grilagem de terras?
Grilagem de terras, totalmente. A gente fez uma campanha para proteger as árvores gigantes e pressionar o governo do estado para que cancelasse os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) que estavam lá dentro. Eles cancelaram 456 cadastros! Dá para acreditar? Esse era o número de pessoas que declararam ter propriedades dentro da unidade de conservação!
Desde 2019, houve um aumento do desmatamento na região. É muita especulação de terra porque eles fazem o cadastro com intenção de vender a propriedade. E tem uma ausência do estado em relação à fiscalização.
A Flota do Paru é um patrimônio nosso. As áreas protegidas são um patrimônio de todos os brasileiros. Quando se permite que grileiros entrem num patrimônio, numa área criada para nos fornecer os serviços ambientais, é um crime.
O Paru fornece castanha, madeira, água limpa, ar limpo, possibilita turismo. Quando o estado deixa que outros desmatem, isso é um dano para todos. Isso não traz emprego, renda, não traz imposto. Só traz problema para todo o brasileiro. Estamos sendo roubados.
Qual a importância de manter uma floresta como essa, com árvores gigantes que só existem ali?
Não tem nada que foi inventado no mundo que capture carbono melhor que as florestas tropicais. Isso explica o interesse mundial na Amazônia. É uma fábrica de armazenamento de carbono e uma bomba de produção de água para todo o Brasil e outros países. Ela recicla a água para chover no Sul, Centro-Oeste, Sudeste. Ela é produtora de água e de alimentos.
A Flota do Paru produz castanhas, remédios, e muitas outras coisas boas para nós que ainda nem descobrimos. Assim como essa árvore gigante foi descoberta, a gente tem que aumentar as pesquisas para descobrir cura para outras doenças. Ali é que está a nossa farmácia. As florestas são muito importantes.
Fonte: DW
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