André Julião | Agência FAPESP
Diante de uma rede cheia de peixes, popularmente chamado de Pacú (Piaractus mesopotamicus) é impossível distinguir a olho nu aqueles que terão descendentes com maior rendimento de filé ou que ganharão peso mais rápido, por exemplo.
Medir com uma fita métrica o tamanho do corpo de cada um e pesar com uma balança pode dar uma boa pista, quando esses dados são tabulados e comparados. Criar uma população inteira com as características desejáveis, porém, exige que sejam medidos e pesados cerca de 2 mil peixes por geração, algo que pode levar dias.
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) apoiados pela FAPESP acabam de solucionar esse problema com o desenvolvimento de um software que usa inteligência artificial para fazer medições precisas em tempo real.
Os resultados foram publicados na revista Aquaculture.
O objetivo do grupo é obter populações melhoradas desse peixe nativo, aumentando a produtividade e barateando o produto (leia mais em: agencia.fapesp.br/35144/).
“A medição manual limita a obtenção de dados, uma vez que estressa os peixes, pode transmitir doenças e levar a surtos, além de tomar um tempo precioso. Automatizamos o processo treinando a máquina com fotos dos pacus e indicando o que é cabeça, corpo, pelve e nadadeiras. Temos agora um dispositivo portátil que pode ser levado a campo e faz isso rapidamente, classificando os melhores animais”, esclarece Diogo Hashimoto, professor do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp), em Jaboticabal.
Os pesquisadores usaram a tecnologia conhecida como deep learning, uma técnica de aprendizado de máquina que, entre outras vantagens, traz resultados com muito mais velocidade.
Os estudos foram conduzidos ainda no âmbito de um projeto financiado pela empresa Huawei do Brasil Telecomunicações, com a coordenação de Jose Remo Ferreira Brega, professor do Departamento de Computação da Faculdade de Ciências da Unesp, em Bauru, que também assina o artigo.
No estudo, os pesquisadores buscaram diferenciar pacus redondos dos elípticos. Uma vez que os peixes selvagens costumam ter o corpo mais arredondado, acredita-se que essa característica possa pesar na escolha dos consumidores. Para obtê-la, selecionam-se aqueles que tenham uma relação proporcional entre altura e largura. Com isso, obtém-se ainda um maior rendimento de lombo e “costela”, como são chamados alguns dos cortes mais apreciados de peixes nativos como o pacu e o tambaqui (leia mais em: agencia.fapesp.br/37902/).
Outras relações entre as medidas dos peixes, como tamanho da pelve ou proporção entre tamanho da cabeça e do corpo, podem indicar maior rendimento do filé ou mesmo taxas de crescimento e ganho de peso, por exemplo.
Peixes melhorados
A melhoria por meio da seleção genética de características desejáveis pelos produtores, conhecidas como fenótipos, não é novidade no setor agropecuário brasileiro, líder mundial na produção de proteína animal advinda de frangos, bois e porcos.
No que diz respeito à aquicultura, porém, o que existe de tecnologia para melhoramento está praticamente restrito ao salmão e à tilápia, dois peixes exóticos entre os mais produzidos no mundo, com a maior parte das inovações realizada no exterior.
Ainda que o Brasil tenha uma cadeia produtiva de tilápia que envolva pesquisa e desenvolvimento, o melhoramento de peixes nativos é bastante incipiente. O software criado pelos brasileiros, porém, mostrou-se ainda mais eficiente do que o que existe para a seleção de fenótipos em outros peixes, como a tilápia.
“Nosso programa pode reconhecer e medir as diferentes partes do pacu mesmo na beira do tanque, com poluição visual no fundo e condições de luz variáveis. O que já foi desenvolvido para tilápia utiliza-se de luz controlada e de um fundo padronizado”, compara Hashimoto.
A sistematização de fenótipos do pacu em grandes bancos de dados vai permitir selecionar os animais com mais precisão, potencializando outro trabalho realizado pelo grupo de Jaboticabal.
Em 2021, os pesquisadores publicaram um artigo no qual descrevem os chamados polimorfismos de nucleotídeo simples (SNPs, na sigla em inglês) do pacu e do tambaqui (Colossoma macropomum). Essas mutações no código genético podem auxiliar no mapeamento genômico de características desejáveis dos peixes, acelerando a seleção e o melhoramento.
A forma convencional de medir o rendimento do filé ou do lombo, por exemplo, é sacrificar o animal e pesar essas partes. Com isso, perde-se o indivíduo e tem-se apenas seus irmãos, que apesar de muito parecidos geneticamente não necessariamente vão trazer aquelas características.
“A vantagem do software integrado com dados genômicos é que podemos coletar as informações e manter o animal desejado vivo para ser usado como reprodutor durante o processo de seleção”, aponta Hashimoto.
O artigo High-throughput phenotyping by deep learning to include body shape in the breeding program of pacu (Piaractus mesopotamicus) pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0044848622009644.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP
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