Brasil 2022 – Esta é a pergunta da hora
O Portal BrasilAmazoniaAgora, com apoio de seus parceiros fundadores e da Fundação Getúlio Vargas, através de sua Escola de Economia de São Paulo, sob a coordenação dos professores Márcio Holland e Daniel Vargas, responsáveis pelos Diálogos da Amazônia, vão unir forças para responder a questão. O propósito da iniciativa é contribuir com o conhecimento da região, sua base econômica, o debate sobre a gestão de seu desenvolvimento sustentável e contribuições efetivas para o Brasil, o clima, distribuição de riquezas e de oportunidades. Para fomentar essa interlocução, semanalmente, publicará a opinião de alguns pensadores, empreendedores, atores do setor público e privado.
O que a Ministra Ellen Gracie pensa sobre a ZFM, uma economia legal da Amazônia
“Na Amazônia, a questão da criminalidade, ocorre especialmente no formato de desmatamento ilegal e também numa criminalidade que persegue aqueles defensores da floresta. Então são 2 aspectos de criminalidade que eu pretendo tocar. Além disso, a possibilidade que existe, que o Daniel Vargas coloca como sendo uma tensão entre as relações sociais ou as regras que vigoram para o resto do Brasil e para a Amazônia.
A Constituição Federal diz praticamente nada sobre a Amazônia. Assim como ela também não diz sobre o Sul, o Sudeste, também não diz sobre o Centro-Oeste. A Constituição traça normas gerais, cuida da administração do país inteiro, da divisão de competências entre os poderes. Mas não entra nessa especificidade. A Amazônia legal vem em outros documentos posteriores.
Mas aí há um aspecto interessante: a única coisa que na nossa Constituição é referida é a Zona Franca de Manaus. Isso não está exatamente na própria Constituição, mas no ato das disposições constitucionais transitórias.
No entanto se nós lermos adequadamente a Constituição, como ela deve ser lida na sua integridade, nós vamos encontrar a problemática da Amazônia já nos princípios fundamentais, que é o título primeiro.
Diz o título primeiro, no seu artigo terceiro: ”[1] Constituem objetivos fundamentais da República federativa do Brasil; [2] Garantir o desenvolvimento nacional (por desenvolvimento nacional nós temos que entender que é de todos os estados da federação);[3] Erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Portanto aqui já está o propósito de atuação da nação Brasileira sobre todo o seu território – incluída a Amazônia.
Existe uma certa tensão entre o restante do Brasil e a Amazônia. Não é uma nem duas vezes que nós verificamos tentativas de reduzir e de até eliminar a Zona Franca de Manaus. E essas iniciativas em geral partem de parlamentares do sul-sudeste – essa região mais “avançada” do país.
É preciso que a gente tenha uma visão histórica um pouco mais ampla e constate que a nossa colonização e todo o nosso desenvolvimento se deram a partir do litoral. Nós ficamos incrustados no litoral. A população ficou toda concentrada no litoral durante muitos anos. Foi só com a construção de Brasília que realmente a tomada, a efetiva povoação do Centro-Oeste passou a acontecer.
E com relação ao bioma amazônico, até pelas dificuldades naturais de vencer aqueles obstáculos que a selva coloca, se tornou bem mais tardio. Foi próprio Juscelino Kubistchek que, com a inauguração da estrada Belém-Brasília, deu oportunidade de que alguma coisa partisse do Sul para o Norte e viesse também do Norte para o Sul.
De lá pra cá, muito pouca coisa se fez em relação ao desenvolvimento social do bioma amazônico. Mas na Constituição, o título sétimo – que cuida da ordem econômica e social – dá algumas diretrizes que podem nos servir para amparar uma atuação na Amazônia, diz artigo 70: “a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [inciso terceiro] a função social da propriedade (ou seja, não se admite grandes propriedades improdutivas, lá deixadas apenas como reserva de valor); [no inciso sexto] a defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; e o [inciso sétimo] nos impõem a redução das desigualdades regionais e sociais.
Portanto aqui nestes incisos está a necessidade que nós temos desta integração do Brasil, desta integração entre regiões que não é só uma obrigação dos governos, ela é uma obrigação da nação! A carta constitucional é um pacto nacional, portanto todos nós indivíduos, sociedade, empresas, temos estes compromissos que eu acabei de citar. Nós todos precisamos colaborar nesse sentido.
A responsabilidade pela Amazônia é necessariamente uma responsabilidade brasileira. Nós temos recebido críticas internacionais muito pesadas, com repercussão inclusive no nosso comércio exterior por que não cuidamos da Amazônia, e não cuidamos de fato da Amazônia!
Para ler a matéria completa acesse em: https://youtu.be/r3bkHmCqz_k
Fonte: Dialogos da Amazônia Fundação Getulio Vargas
O que o ex-ministro da Fazenda e Planejamento, Paulo Roberto Haddad pensa sobre a ZFM, uma economia legal da Amazônia?
A Zona Franca de Manaus
A Zona Franca de Manaus nasceu no bojo das políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal visando a reduzir as profundas desigualdades socioeconômicas nas condições de vida entre todos os brasileiros, independentemente do seu destino ser determinado pela loteria da vida. Uma assimetria espacial no padrão de vida dos brasileiros que é politicamente intolerável em uma democracia federativa moderna. Não se pode admitir que a renda per capita média dos brasileiros vivendo nas áreas mais desenvolvidas do País seja em torno de três vezes superior à renda per capita do brasileiro maranhense ou do brasileiro alagoano. O Budismo nos ensina que não há mais democrático que o sol que, quando se levanta, ilumina igualmente todas as regiões.
No início dos anos 1960, o Brasil era o País que, na economia mundial, apresentava o maior nível de desequilíbrio de desenvolvimento entre as suas regiões. Ao fim da implantação do Plano de Metas do Presidente JK (1956-1961), o Brasil se transformara na economia mais industrializada e moderna do Terceiro Mundo, mas, no entanto, ocorrera uma concentração de 72 em cada 100 novos empregos industriais no Eixo Rio-São Paulo.
A partir da criação da SUDENE, em 1959, pelo então Presidente JK, dá-se início ao processo de desconcentração planejada da polarização econômica do País, através de diferentes políticas de desenvolvimento para as áreas menos desenvolvidas. Particularmente, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND do Governo Geisel) lançado em 1974, as regiões menos desenvolvidas passaram a crescer mais rapidamente do que as áreas mais desenvolvidas. Assim, veio a ocorrer um intenso processo de reestruturação espacial da geografia econômica brasileira.
No período de 1970 a 1980, a soma das participações das Regiões Centro-Oeste e Norte no PIB brasileiro saiu de 6% em 1970, para 15% em 2010, e essa participação manteve o seu crescimento nos anos seguintes, principalmente pelo avanço do agronegócio, da mineração e da industrialização tardia nessas Regiões. Assim, as áreas menos desenvolvidas responderam positivamente aos incentivos e aos estímulos das políticas de desenvolvimento regional do Governo Federal, contribuindo para a redução das disparidades regionais do Brasil
As políticas de desenvolvimento regional tiveram características diferenciadas quanto aos instrumentos econômicos e aos mecanismos institucionais adotados. O avanço do Centro-Oeste, por exemplo, ocorreu principalmente em função do 2º salto científico e tecnológico da agropecuária brasileira, a partir dos anos 1970, graças à transformação dos cerrados de bens físicos em bens econômicos e às inovações de produtos, processos e organizações nas áreas tradicionais de produção de proteína animal e de proteína vegetal.
Já na Amazônia Legal, dada a sua diversidade e heterogeneidade socioeconômica e socioambiental, a política de desenvolvimento regional assumiu uma dimensão multifacetada e contextualizada à realidade regionalizada. Registraram-se muitos casos de sucesso da promoção econômica em novos projetos de mineração (Carajás e S11D, no Sudeste do Pará), de agricultura (produção competitiva de café e de carnes em Rondônia), industrial (Zona Franca de Manaus), etc.
A Zona Franca de Manaus é um dos polos de desenvolvimento da Amazônia que apresentam uma história de sucesso no conjunto das políticas de desenvolvimento regional no pós-II Grande Guerra. Sucesso, sem dúvida, medido em termos da relação altamente positiva dos seus custos para a sociedade brasileira (incentivos fiscais e financeiros, despesas tributárias, etc.) com os seus benefícios também para o conjunto da sociedade brasileira (geração de renda e emprego, inovações tecnológicas, produção competitiva globalmente de bens duráveis de consumo, etc.).
Uma construção político-institucional ao longo da história do processo de integração nacional que não pode ser desconstruída apenas por portarias ministeriais. Como, a partir de 2019, a estratégia do Governo Federal tem sido a de desmonte institucional das principais políticas públicas em nome de ideologias historicamente ultrapassadas, corre-se o risco da desarticulação das políticas de desenvolvimento regional no País.
Particularmente quando a atual administração do Governo Federal trata a Região Amazônica como se fosse um grande almoxarifado de valiosos recursos naturais renováveis e não renováveis, ao qual indivíduos e organizações com interesses autocentrados têm acesso livre ou quase livre de “porteira aberta” para a realização de negócios lucrativos do ponto de vista privado. E também como se fosse um mega lixão onde podem depositar os resíduos e os dejetos de suas atividades de produção e de consumo através de ações predatórias sobre os ativos e os serviços ambientais da região (rios, florestas, ar puro, biodiversidade da fauna e da flora). Permanece complacente com um processo de colapso dos ecossistemas regionais, numa prática de crimes ambientais previstos na
Constituição de 1988 nos artigos que se referem ao nosso Patrimônio Natural. Quando um país consegue reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento, convergindo as condições de vida das regiões mais pobres para as condições de vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente as políticas públicas para evitar a reversão desses processos ao longo do tempo.
Novos problemas e novas oportunidades emergem quando se transformam os contextos históricos que parametrizam as políticas públicas. Mas, como afirma Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência que o criou”.
Iniciativa Portal BrasilAmazoniaAgora
Coordenação: Alfredo Lopes e Fabíola Abess
Editor responsável: Igor Lopes
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