Flagrante de homem que escapa das chamas na Espanha é retrato do ‘inferno’ vivido por europeus diante de verões cada vez mais quentes
Desde 1990, os países da União Europeia conseguiram reduzir em 30% suas emissões de gases de efeito estufa. Ao investir em energias renováveis, como a solar e a eólica, estimular a transição de veículos movidos a combustíveis fósseis para os elétricos e adotar políticas que taxam o uso de fontes sujas, governos europeus têm obtido resultados ainda muito distantes daqueles sonhados por Estados Unidos, China, Japão ou Austrália, por exemplo. Mas apesar de todos esses esforços rumo a uma economia menos baseada no carbono, nos últimos dias, a população do continente viveu dias infernais. Literalmente.
No Reino Unido a temperatura foi recorde e um alerta máximo vermelho foi acionado pela primeira vez na história. Em Londres, a capital fria e chuvosa da Inglaterra, os termômetros registraram incríveis 40oC. E o calor extremo foi sentido ainda pelos cidadãos da França, Itália, Bélgica, Grécia e Espanha.
Neste último, uma imagem chocou o mundo e se tornou um retrato desses tempos dignos do inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri. Na segunda-feira, 18/07, um espanhol foi flagrado fugindo das chamas que devoravam uma área na região de Castilla y León.
Ángel Martín Arjona estava cavando uma trincheira para conter o avanço do incêndio, quando a escavadeira foi engolida pelo fogo. Em seguida, é possível ver a sombra do homem andando em meio ao horizonte tomado pelo vermelho e tentando escapar.
Arjona aparece enfim com as roupas em frangalhos. Segundo amigos, ele foi levado imediatamente para atendimento local e depois, transferido de helicóptero, para o Hospital Universitário, em Valladolid, uma cidade próxima. Ele teve graves queimaduras por todo corpo.
Calor cada vez mais intenso e frequente
De acordo com especialistas da agência meteorológica europeia, o pico dessa onda de calor na Europa foi atingido na terça, 19/07. Todavia, novas devem acontecer, dado que o verão no Hemisfério Norte vai até meados de setembro. E bombeiros continuam combatendo ainda incêndios tanto na Espanha como em Portugal.
Até o momento, já foram registradas mais de 1 mil mortes associadas com as altas temperaturas. As cidades europeias não foram construídas para verões escaldantes, pelo contrário, a grande maioria das casas e edifícios não possui aparelhos de ar-condicionado e é projetada para reter o calor.
O que os cientistas são unânimes em afirmar é que certamente esse clima atípico, que se tornou cada vez mais frequente e intenso em diversas regiões do continente, resulta dos efeitos das mudanças climáticas – a França teve este ano o mês de maio mais quente de sua história.
“As temperaturas extremas que temos experimentado no Reino Unido são sem precedentes na história. Em um clima não afetado pela influência humana, a modelagem climática mostra que é praticamente impossível que as temperaturas no Reino Unido atinjam 40°C”, afirma Stephen Belcher, cientista-chefe do Met Office.
Uma das possíveis causas para o ocorrido nos últimos dias são ventos e correntes oceânicas mais fracas que não conseguem mover zonas de baixa pressão da costa.
“Essas zonas de baixa pressão tendem a atrair ar para elas. Nesse caso, a zona de baixa pressão vem atraindo ar do norte da África para ela e para a Europa. Está bombeando ar quente para o norte”, explicou Kai Kornhuber, pesquisador do Observatório Terrestre Lamont-Doherty da Universidade de Columbia ao jornal The New York Times.
Outros pesquisadores ressaltam que também há indícios de que mudanças em uma das principais correntes oceânicas do mundo, a Circulação Meridional do Atlântico, pode estar afetando o clima da Europa.
Já há alguns anos os europeus sentem na pele que seus verões estão muito mais quentes. E infelizmente, mesmo se o continente zerasse suas emissões de gases de estufa hoje, o carbono emitido na atmosfera terrestre fica concentrado nela por milhares de anos.
Não existe solução de curto prazo, mas apenas ações que já deviam ter sido tomadas há anos: as mudanças climáticas precisam ser encaradas como uma crise e medidas urgentes para combatê-la têm que se tornar prioridade para governos do mundo inteiro.
“Sob um cenário de emissões muito altas, poderíamos ver temperaturas superiores a 40 graus tão frequentemente quanto a cada três anos até o final do século no Reino Unido. Reduzir as emissões de carbono ajudará a reduzir a frequência, mas ainda continuaremos a ver algumas ocorrências de temperaturas superiores a 40°C e o Reino Unido precisará se adaptar a esses eventos extremos”, alerta Belcher.
*Com informações dos jornais The Guardian e The New York Times
Texto publicado originalmente em Conexão Planeta 20/07/2022
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