Com uma vida dedicada ao meio ambiente, o engenheiro agrônomo faleceu nesta segunda (11). Magnanini foi um dos autores do Código Florestal de 1965 e um dos pioneiros da conservação no Brasil
Se o ambientalismo brasileiro elegesse um panteão de heróis, Alceo Magnanini certamente estaria entre eles. Servidor público por mais de 70 anos, Alceo Magnanini devotou sua vida ao maior bem público que existe: a natureza. E, por ela, encabeçou a elaboração de leis pioneiras – a principal delas o Código Florestal Brasileiro de 1965 – e apoiou a criação de áreas protegidas como a Reserva Biológica de Poço das Antas, a primeira da categoria, em 1974. Aos 96 anos, o engenheiro agrônomo parte com uma história de vida que se mistura de forma intrínseca com a do movimento ambientalista no Brasil. A notícia do seu falecimento, na tarde desta segunda-feira (11), mistura o luto inevitável com o reconhecimento do seu legado inquestionável para a proteção do meio ambiente no país.
Alceo Magnanini nasceu no dia 26 de outubro de 1925 na cidade de São Paulo. O nascimento na capital paulista é apenas um detalhe na biografia de Magnanini, porque foi no estado do Rio de Janeiro, para onde se mudou com apenas 8 anos, que ele estabeleceu seu lar, graduou-se em engenharia agrônoma e viveu a maior parte da sua vida. Tanto que em 2011 recebeu o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro por seu trabalho na proteção do meio ambiente.
Foi em solo fluminense de Mata Atlântica, que Magnanini considerava um “paraíso ambiental”, que ele criou suas raízes, fez trilhas pelas montanhas (com o objetivo de conhecer sua fauna e flora) e alimentou sua paixão pela floresta – pela qual iria devotar uma vida inteira de trabalho.
Em 1947, entrou para o IBGE, no quadro permanente do Conselho Nacional de Geografia. Trabalhou por cinco anos no instituto, onde desenvolveu estudos sobre biogeografia e participou da delimitação da parte sul da Amazônia. Em 52, foi para o Jardim Botânico e, em 1956, transferiu-se para o Serviço Florestal do Ministério da Agricultura.
Foi dentro do Ministério que, nove anos depois, o engenheiro agrônomo tornou-se um dos autores do Código Florestal Brasileiro de 1965, uma legislação que trazia, à época, a vanguarda da proteção ambiental no mundo.
“Alceo é o tipo de pessoa que pôde dizer em vida, em vários momentos ao longo da carreira, a sentença ‘Missão dada é missão cumprida’. Foi um dos artífices do Código Florestal de 1965, construído com base na melhor informação científica disponível naquele momento. Foi responsável pela criação de várias unidades de conservação. Elaborou normas, escreveu livros, plantou muitas árvores, protegeu milhões delas. Seu legado permanecerá nos seus feitos e, principalmente, por meio das centenas de profissionais que ajudou a formar”, resume o engenheiro florestal Beto Mesquita, diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio.
O extenso currículo de Magnanini traz vários pioneirismos, entre eles a primeira avaliação de espécies da fauna ameaçadas de extinção, em 1964, junto com o primatólogo Adelmar Coimbra-Filho, com quem fez uma potente dupla em busca da conservação da Mata Atlântica.
Especialista em Ecologia e Conservação da Natureza, Magnanini é autor em mais de 160 obras, entre artigos e livros técnicos, referências que seguem fundamentais para quem quer saber mais sobre meio ambiente no Brasil. Entre eles, escreveu os primeiros trabalhos quantitativos de perda de ecossistemas no Brasil. Além disso, era Decano do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Magnanini teve passagem pelos extintos Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) e Instituto Estadual de Florestas (IEF) ambos do estado do Rio, sempre em cargos de direção. Também foi chefe de Pesquisas Florestais do Serviço Florestal Brasileiro.
“Alceo Magnanini foi um dos últimos heróis da conservação da natureza do Brasil. Diretor de parques do IBDF em uma época em que nem se sabia o que era necessariamente a proteção de áreas naturais. Junto com a Maria Tereza Jorge Pádua e outros nomes, ele fez a história das áreas naturais criando unidades de conservação que hoje não existiriam se não fosse pelo trabalho que ele realizou. A gente fica um pouco mais pobre hoje porque perdemos um dos pais da conservação e um dos alicerces da conservação no Brasil”, lamenta Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Pró-UC.
Nos últimos anos, ainda no serviço público, Magnanini atuou como consultor da Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) do Rio de Janeiro.
“Alceo Magnanini é uma figura incontornável na conservação do Rio de Janeiro, cuja história se mistura com sua vida. Foi uma das principais forças por trás da realização do sonho de Castro Maya de transformar a Floresta da Tijuca em Parque Nacional, que engrandeceu incorporando ao projeto inicial também as Pedras da Gávea e Bonita e a Serra da Carioca. Como seu primeiro gestor deixou ensinamentos, que nortearam minha administração do Parque Nacional da Tijuca e são até hoje válidos. Sua luta pela preservação das restingas nos legou a Reserva da Barra da Tijuca e seus pensamentos e vasto conhecimento foram sempre um grande subsídio à tomada de decisões nas esferas federal e estadual, onde atuou no Inea por muitos anos. Alceo sempre será lembrado como um dos heróis da conservação no Rio de Janeiro e no Brasil. Sua contribuição para o ambientalismo é tão importante que seu nome deveria ser imortalizado, batizando uma de nossas unidades de conservação”, afirma Pedro da Cunha e Menezes, ambientalista e antigo gestor do Parque Nacional da Tijuca.
Alceo foi também professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, dentro da sala de aula, transformou alunos. “Ele foi um dos professores realmente inspiradores que tive. Meu primeiro entendimento de conservação e de seus dilemas vieram totalmente destas aulas – aos sábados, se me recordo, porque ele era diretor de parques do IBDF e, caxias como era, não tiraria horário regular de trabalho para dar aula –, e das muitas conversas que se seguiram”, lembra Thomas Lewinsohn, titular do Departamento de Ecologia da Unicamp.
Últimas entrevistas
Em 2019, ((o))eco realizou uma entrevista com Alceo Magnanini, uma das últimas dadas pelo ambientalista, então com 93 anos. Ao repórter Emanuel Alencar, o engenheiro lamentou-se sobre a situação do país. “Quem não se preocupa com o meio ambiente, com a natureza, passou a dominar as ações hoje em dia. Em prol de lucro, vale tudo”.
Alceo era um defensor irredutível da natureza e inspirou uma geração de ambientalistas com seu exemplo e com sua própria revolta pelo descaso com a natureza e a forma como ela era subjugada pela ambição e estupidez humana.
Em 2005, em entrevista anterior para ((o))eco, Alceo conversou com os jornalistas Carolina Elia, Marcos Sá Corrêa, Manoel Francisco Brito e Lorenzo Aldé. Na ocasião, o quarteto perguntou a ele se considerava que havia feito sua parte pela defesa do meio ambiente. “Considero que fiz muita coisa, mas a minha grande infelicidade é ver que o que a gente faz de positivo não tem a mesma velocidade do que é feito pela turma do mal”, alertou à época.
A velocidade da destruição ambiental segue acelerada e infelizmente ainda não cumpriu-se a profecia de Magnanini, dada na mesma entrevista, de que o melhor governo para área ambiental “ainda está por vir”. Entretanto, se há consolo para os ambientalistas brasileiros, ele está fincado em sementes que Magnanini ajudou a plantar.
Alceo Magnanini faleceu na tarde desta segunda-feira (11), vítima de Covid. O enterro foi realizado nesta terça-feira (12), em um cemitério em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde foi sepultado pela família.
Homenagem no Museu da Cidade do Rio
O Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro organiza uma homenagem ao legado da dupla Adelmar Coimbra-Filho (1924 – 2016) e Alceo Magnanini, pioneiros do ambientalismo no Rio e no Brasil que trabalharam juntos inúmeras vezes ao longo de suas vidas. A exposição está prevista para ser inaugurada no próximo ano.
Fonte: O Eco
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