É preciso parar o desmatamento e restaurar a biodiversidade perdida com queimadas e abertura de novas fronteiras agrícolas
No dia 10 de agosto de 2019, proprietários rurais do entorno da BR-163 atearam fogo em áreas de vegetação do bioma amazônico, resultando no aumento de 300% dos focos de calor na região de Novo Progresso (PA) e na identificação dos 197 focos de incêndio na área afetada, com cerca de 3 km². Era um sábado. Os autores do “protesto” em prol do “desenvolvimento” talvez não imaginavam que aquele seria um dos anos bem secos e com números elevados de queimadas e que seu “movimento” eclodiu lá fora e aqui dentro como um grito político. As queimadas ganharam as manchetes.
É nesse país que apoiadores do presidente colocam fogo nas matas “em protesto” que pensei neste domingo (22), quando foi comemorado o Dia Internacional da Biodiversidade. Deveria ser um dia de celebração, mas virou dia de conscientização das perdas inestimáveis que nossa biodiversidade tem sofrido nos últimos anos.
Fogo pra todo lado
Neste fatídico “Dia do Fogo”, eu ainda morava em Cuiabá, no Mato Grosso, lá “do ladinho” e ainda não sabia das notícias e do que havia acontecido de fato, mas eu lembro de acordar de um cochilo, sair no quintal e topar com o céu preto, com muitas cinzas caindo.
Não que isso fosse algo fora do comum, porque mais ou menos para esse período do ano, de julho a outubro, sempre fica muito ruim de respirar. Isso porque a cidade já é naturalmente quente e aí vem de bônus da temporada de queimadas. Eu já peguei vários momentos em que cinzas caíam do céu ao longo do meu período estudando por lá, de 2014 a 2020. Mas voltando ao dia do fogo, ficava muito difícil mesmo de respirar normalmente, eu passava mal várias vezes, ficava tapando qualquer frestinha nas janelas e portas para a fumaça não entrar em casa e mesmo assim tudo parecia literalmente estar em chamas – ultimamente, sinceramente, todo dia vêm parecendo ser o “dia do fogo” no centro-oeste e no norte do nosso país, só não vê quem não quer.
Fogo em Alter
Um mês após o dia do fogo, um grande incêndio atingiu a Área de Proteção Ambiental (APA) de Alter do Chão, em Santarém, uns 750 km de distância de Novo Progresso, o local do protesto incendiário. Conversamos com Paulo, jovem morador local, que nos contou um pouquinho sobre como esse episódio foi e ainda é sentido por lá:
“O ano de 2019 foi tenso e de muita destruição em toda a região Amazônica. O período que os focos de incêndio aumentaram foi na época do verão e seca na Amazônia. Em Alter do Chão, local muito conhecido pelas belas praias, o fogo chegou e destruiu uma grande parte do território conhecido como Capadócia, que é uma vegetação de savana, classificada como savana da amazônica, que ocupa a maior parte do território de Alter do Chão, e de acordo com pesquisas da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará) há animais endêmicos que já estão ameaçados de extinção, e alguns ainda nem foram catalogados. Ainda falando das consequências do fogo na região do Oeste do Pará, onde está Alter do Chão, a população ficou completamente horrorizada com a cena que enxergavam, o fogo também chegou em terras do município de Belterra, que é onde está localizada a Floresta Nacional do Tapajós, durante os dias de fogo, surgiram na região várias teorias de quem eram as pessoas responsáveis pelo incêndio, acusando até a brigada de Alter a qual teve alguns integrantes presos injustamente (meses depois da acusação a Polícia Federal concluiu que não é possível apontar responsáveis). Após cessar o fogo, moradores foram visitar a região atingida e se depararam com diversas perdas tanto para fauna quanto para flora, animais mortos e quilômetros de matas que viraram cinzas, trazendo um prejuízo imenso para a biodiversidade da região”, diz ele.
É o desmatamento, estúpido!
Embora as queimadas no bioma estejam bem menor nessa época do ano, em comparação com o acumulado de 2019, quando de janeiro a 22 de maio já havia registrado 10.882 focos de calor, ela já está 22% acima da taxa apresentada no mesmo período [01/01 a 23/05] do ano passado.
Se o fogo ainda apresenta uma variação, o desmatamento vem em subida acentuada desde 2019, quando o atual governo tomou posse, chegando a inacreditáveis 13.235 km²!! É a mais alta taxa desde 2006.
Só para efeito de comparação, em 2012 o Brasil alcançou a menor taxa de desmatamento da história, com 4.571 km² desmatados naquele ano. Ou seja, esses números altíssimos de desmatamento que vêm acontecendo nos últimos anos estão se tornando realidade por descaso dos tomadores de decisão e por conta da priorização da produção sem consciência e sem visão de consequências futuras do agronegócio, que inclusive do jeito que está acontecendo não é nada “POP”.
É muito comum no território amazônico existirem áreas que foram desmatadas e exploradas e, atualmente, estão abandonadas. Essas áreas podem se recuperar a partir do manejo correto, assim, não seria necessário abrir novas florestas. Essa recuperação é super possível com a aliança entre os conhecimentos científicos e os saberes das populações que estão em contato direto com o território, isto é, indígenas, quilombolas, agricultores familiares, entre outros. Assim, é possível aderir a novas atividades econômicas que valorizam os produtos nativos e os povos originários.
A Amazônia é um patrimônio natural que pertence à humanidade, possuindo valores e características únicas como a ampla diversidade e importância cultural que, uma vez perdidos, estaremos fadados a perder também nossa história, cultura e a teia da vida.
Fonte: O Eco
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