Operação bem sucedida envia cinco indivíduos de uru-do-nordeste do Ceará para o Parque das Aves, no Paraná, na tentativa de estabelecer uma população cativa
Uma pequena e exótica galinha topetuda que habita as florestas do Nordeste está com seus dias contados. As estimativas são de que, em até dez anos, o uru-do-nordeste (Odontophorus capueira plumbeicollis), uma subespécie de uru que ocorre do Ceará a Alagoas, esteja extinta na natureza.
Para garantir a existência desta ave criticamente ameaçada de extinção, um grupo de pesquisadores encontrou e capturou cinco indivíduos na Serra de Baturité (CE) e enviou-as para o Parque das Aves (PR), para iniciar a reprodução assistida e fundar uma população ex situ, que poderá repovoar as matas nordestinas no futuro.
A equipe, liderada pelo biólogo Fábio Nunes, coordenador do Projeto Periquito Cara-suja da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), instalou armadilhas para captura das aves e obteve três machos e duas fêmeas. Segundo ele, esta foi uma ação emergencial. “O declínio do uru-do-nordeste estava em um ritmo tão alarmante que corríamos um sério risco de ver essa ave desaparecer antes de ter indivíduos em cativeiro”.
O pesquisador conta que foram quatro anos de tentativas frustradas de encontrar ninhos para obtenção de ovos. “Nesse período, encontramos apenas um ninho ativo, que foi predado no outro dia, três ninhos já predados e um ninho antigo. Um dos grupos de urus que capturamos foi indicado por um caçador, que disse que não os abateu por falta de estilingue! Com essas cinco aves podemos continuar buscando ovos até formar uma população de reforço geneticamente viável”.
O voo dos urus
Além das dificuldades em conseguir indivíduos para estabelecer uma população de segurança fora da natureza, a tarefa de enviar as aves para o criadouro não foi nada simples. “Tivemos de submeter várias licenças, foi muita burocracia. Só não desistimos porque sabíamos da importância da missão”, relatou Nunes.
A única forma de enviar animais em um voo hoje é via carga, um procedimento longo demais para aves tão ariscas. “O voo Fortaleza-Foz do Iguaçu só é feito com escala. Teríamos de capturá-las no recinto, nos deslocar por duas horas e meia da Serra da Aratanha ao aeroporto e chegar quatro horas antes do voo para despachá-los. No transporte convencional de carga elas iriam passar pelo menos umas vinte horas e a chance de morrerem por estresse era grande”.
Os pesquisadores então partiram em busca de outra solução. Falaram com o governo, com o exército, com a iniciativa privada e com todas as companhias aéreas, pedindo autorização para embarcar com as aves, pois assim fariam escalas rápidas e as monitorariam de perto. Infelizmente, nenhuma companhia autorizou a exceção.
Mas, finalmente, a persistência deu resultado. “A Azul Linhas Aéreas informou que poderia disponibilizar um avião se pagássemos o combustível, que estava orçado em 20 mil reais. Fizemos um crowdfunding com o pessoal da Serra de Baturité e a companhia de energia do Ceará e conseguimos arrecadar esse valor, que no fim a Azul aceitou por 15 mil reais”.
Nunes lembra que o procedimento foi tranquilo, apesar da chuva que caiu antes da captura das aves. “Pegamos elas às três da manhã e às cinco estávamos no aeroporto. Elas foram conosco na carga e o pessoal da Azul foi muito atencioso. Eles estavam mais preocupados com os bichos do que com a equipe”. No voo, além do coordenador, estavam presentes o zootecnista Mateusz Styczynski (Projeto Cara-suja), o biólogo Weber Silva (Projeto Oásis Araripe) e o jornalista Mika Holanda (Ascom Aquasis).
A equipe teve de controlar constantemente a temperatura das aves durante o voo, pois às vezes ficava muito frio. Mas as aves estavam tão tranquilas que até se alimentaram. “Foi incrível, algumas delas até comeram maçã durante a viagem e ficaram bem hidratadas”.
A comitiva desembarcou no Aeroporto Internacional de Foz do Iguaçu por volta das 17h do dia 1º de abril. As aves foram recebidas pela equipe do Parque das Aves, que realizou procedimentos de chipagem e retirada de material para análise e sexagem, além da individualização das aves através de anilhas.
A parceria com o Parque das Aves foi uma solicitação do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (CEMAVE/ICMBio). O objetivo é que esses indivíduos possam fundar uma população de segurança a partir do processo de reprodução assistida em cativeiro.
A ação estava prevista no PAN Aves da Caatinga, no objetivo 3.14, que é o de estabelecer população reforço de uru (Odontophorus capueira plumbeicollis) ex situ, sob responsabilidade do biólogo Fábio Nunes. Ela também foi endossada pelo relatório final da avaliação ex situ para planejamento integrado de conservação para Galliformes e Tinamiformes no Brasil, fruto de um workshop realizado no Parque das Aves em fevereiro de 2020.
Os urus e as matas nordestinas
O uru-do-nordeste é mais uma das muitas espécies de aves que vêm se perdendo na Mata Atlântica nordestina nos últimos anos, principalmente na região conhecida como Centro de Endemismo Pernambuco, ao norte do Rio São Francisco.
Dentre elas estão, por exemplo, o limpa-folhas-do-nordeste (Philydor novaesi), o gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnettii) e o caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), consideradas extintas desde 2014. O mutum-de-alagoas (Pauxi mitu), também extinto nas matas, não foi perdido graças a iniciativas de conservação ex situ, como as que vêm sendo realizadas para os urus.
O que tem levado essa subespécie ao seu declínio populacional são os fatores já conhecidos, como a perda de habitat, resultante do avanço da urbanização em áreas sensíveis, e a caça predatória para consumo humano, além da introdução de predadores e doenças.
Em um estudo comparativo de 2008 a 2017, os pesquisadores concluíram que houve um declínio de 54% na população de urus-do-nordeste em áreas conservadas da Serra de Baturité. “Atualmente, suspeitamos que deva existir menos de 50 indivíduos nessa região”, afirma Nunes.
Outra região onde a espécie foi registrada recentemente, em 2020, foi na REBIO Pedra Talhada. “Não sabemos quantos indivíduos ali existem, mas os relatos também apontam para um forte declínio. Faremos expedições esse ano para tentar encontrar populações”, revelou o coordenador.
Fonte: O Eco
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