Dos primeiros passos para ingressar na graduação até a experiência de quem frequentou a USP no antigo endereço da Alameda Glete, dez mulheres contam sua relação com o ensino superior
Neste 8 de Março, o Jornal da USP apresenta a experiência e a trajetória de dez mulheres até a Universidade. São cientistas, pesquisadoras, servidoras, estudantes da graduação e até mesmo alunas do ensino médio em atividades de extensão, contando seus anseios, lutas e atuações na maior universidade da América Latina. Essas mulheres reforçam, cada uma, a diversidade presente no ambiente acadêmico.
A USP também celebra a presença feminina em um dos principais cargos da gestão que se inicia este ano, com a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda como vice-reitora, ao lado de Carlos Gilberto Carlotti Junior, novo reitor. Além de reconhecida trajetória acadêmica – ela foi a segunda titular da história do curso de Sociologia, muitos anos depois da primeira, que era a professora Eva Blay, uma militante feminista -, Maria Arminda ajudou a implantar a agenda da igualdade de gênero na administração central e nas unidades da Universidade, participando dos órgãos de gestão ou à frente do Escritório USP Mulheres.
“Seguimos, apostando em políticas que atuem na base das desigualdades históricas, por meio de reformas de normativas e da introdução de novas medidas institucionais que favoreçam a igualdade de oportunidades entre as mulheres e os homens, reduzindo também a desigualdade entre as mulheres de origens sociais, etnias, orientação sexual e trajetórias pessoais distintas”, disse a vice-reitora em artigo no final do ano passado, ao abordar os cinco anos do Escritório.
Além de Maria Arminda, outras duas mulheres chegaram à Reitoria da USP: a professora Myriam Krasilchik foi vice-reitora de 1993 a 1997, e a professora Suely Vilela foi a única mulher a assumir a Reitoria da Universidade, na gestão 2005-2009.
Confira abaixo alguns depoimentos de uspianas que, coletivamente, representam a resistência e os desafios que ainda permanecem no caminho delas.
“Minha mãe nunca sonhou que a gente chegaria tão longe”
Adriana Alves, professora da USP e coordenadora do Escritório USP Mulheres
Minha mãe nunca sonhou que a gente chegaria tão longe”, diz Adriana Alves, geóloga, revisora de periódicos internacionais, professora da USP e coordenadora do Escritório USP Mulheres.
Nascida em Diadema, Adriana queria ser programadora. Passou no vestibulinho e ingressou em uma escola técnica de São Bernardo do Campo, mas dedicava parte do dia trabalhando em um escritório em Moema. “Era uma jornada bastante extenuante. Sempre fui muito rigorosa, mas em algum momento comecei a não ir tão bem, o que me levou a pedir demissão.” Mesmo muito jovem, identificou que havia uma deficiência no ensino de química na formação dos alunos. O que a levou a prestar um novo vestibulinho, desta vez para cursar laboratório industrial. Ao final, prestou vestibular para Fatec e USP: passou nas duas, mas seguiu na USP, no curso de Geologia.
“Eu tinha jogado, durante os primeiros anos do colégio, um jogo de RPG de escavação e eu fiquei com o papel do geólogo. E me chamou a atenção que minhas notas dos simulados eram suficientes para passar para a segunda fase da Geologia. Gostei da ideia.”
A dedicação a levou a seguir da graduação direto para o doutorado no Instituto de Geociências da USP. Ela lidera um grupo de pesquisa que investiga os gases associados ao vulcanismo antigo no Brasil, que deu origem à Província Magmática do Paraná-Etendeka – segunda maior província vulcânica continental do planeta Terra, em área.
Gênero e raça vêm marcando minha trajetória desde que me entendo por gente. Mas marcava mais enquanto eu entendia que o problema era meu, que eu era a pessoa inadequada: mulher numa profissão masculinizada; pessoa negra, em um ambiente predominantemente branco. E isso afetou principalmente os relacionamentos. Eu era muito tímida, introspectiva. Mas essa percepção de que o problema não é meu trouxe muita mudança, muito empoderamento
Ela conta que essa identificação não era tão nítida no início dos anos 1980, já que o racismo não era uma questão amplamente discutida na sociedade. “A gente engolia calado e introjetava como um defeito nosso.”
Adriana lembra que alguns episódios mais escancarados de racismo a marcaram com um forte sentimento de não pertencimento. “Mas somos a soma das nossas experiências, então também me trouxe essa vontade de contribuir para um ambiente universitário livre de preconceitos. Ou pelo menos que esses preconceitos não sejam colocados no bojo das condutas e responsabilidades individuais, mas que seja um compromisso institucional erradicá-los e acolher os nossos discentes, independente da cor, do gênero.”
Pragmática e alguém em busca de mudanças, Adriana reforça que não lhe agrada o título de “exceção da exceção”, já que suas conquistas estão acompanhadas de dores, mágoas e cicatrizes. “Ao invés das pessoas passarem pelo que passei, ‘porque fortalece caráter’ – já ouvi isso -, luto para elas tenham uma existência mais tranquila; que seja mais sobre os logros, méritos e êxitos das pessoas do que sobre os preconceitos do entorno.”
Fonte: Jornal da USP
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