Por André Luiz Atroch e Everton Rabelo Cordeiro (EMBRAPA OCIDENTAL)
André Luiz Atroch, respectivamente Chefe-Geral e Pesquisador da Embrapa Ocidental que revelam o impressionante potencial do guaraná para a economia, para a qualidade de vidas das pessoas (Renda, Emprego e Saúde) da região Norte do País. A bebida Guaraná que conhecemos no restante do Brasil é apenas uma das versões do liquido que pode vir e formatos mais benéficos à saúde segundo estudos recentes. A EMBRAPA OCIDENTAL desenvolveu uma tecnologia que permite o Guaraná ser plantado por meio de sementes e não necessariamente por mudas. Por si só, essa conquista pode revolucionar a cadeia, ampliar consistentemente a área plantada e reduzir custos de produção. É o caminho para a internacionalização do potencial da cadeia do mais brasileiro dos frutos.
O Guaraná já é um elemento importante da vida econômica e da realidade social e ambiental da região Norte. Mas, pode fazer muito mais pelo Brasil. Novos formatos da bebida impactam positivamente a saúde dos consumidores. Novas tecnologias permitem promover a reestruturação da cadeia e compor a escalagem industrial e comercial de um dos mais significativos e simbólicos produtos da Bioeconomia Tropical.
O bioma Amazônia com seus 4.1 milhões de km2, representa 49,5% do território brasileiro e abrange nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão (numa região denominada pré-amazônia). Somente essa grandeza territorial indica sua importância geopolítica, social e econômica. A Amazônia é a maior floresta tropical e maior reserva de diversidade biológica do mundo com 30 mil espécies de plantas, importantes espécies medicinais e florestais; 427 espécies de mamíferos; 1294 espécies de aves; 378 espécies de répteis; 3 mil espécies de peixes e 128 mil espécies de invertebrados.
Representando 22% das espécies nativas do mundo. Desse modo, se percebe a importância ambiental e de sua conservação e preservação. E que toda a exploração dessa biodiversidade tem que estar em consonância com o ambiente a que pertence, tendo que ser explorada com o mínimo de interferência ambiental.
Dentre as espécies de plantas nativas de importância para a bioeconomia que vem sendo explorada na Amazônia destaca-se o guaraná.
O guaranazeiro é uma espécie nativa de grande importância econômica, social, cultural e ambiental na Amazônia. O Brasil é o único produtor mundial e atende ao mercado nacional e internacional. Ao longo das últimas décadas, a área de cultivo do guaranazeiro expandiu-se além da fronteira da Amazônia, sendo plantado comercialmente no Amazonas, Acre, Pará, Rondônia, Mato Grosso e Bahia.
O primeiro relato sobre a planta do guaraná foi feito em 1669, pelo Frei Betendorf, jesuíta do Maranhão, que numa viagem pelo rio Amazonas encontrou os índios Sateré Mawé utilizando o guaraná em seus hábitos alimentares. No século 19 quando os primeiros naturalistas europeus exploraram a Amazônia notaram que os Sateré Mawé eram os primeiros cultivadores do guaraná, ao mesmo tempo que o guaraná atraiu a atenção dos primeiros colonos na região (Monteiro, 1965).
O interesse pela planta deve-se ao alto teor de cafeína e outros componentes em suas sementes que possuem propriedades medicinais e como alimento funcional excepcionais fartamente citadas na literatura científica. Recente revisão feita por Torres et al. (2021) relata que os primeiros trabalhos sobre os benefícios do guaraná na saúde humana foram publicados no século 19. As diferentes formas de consumo de guaraná, seja em pó ou na forma de extratos, tem sido estudada na saúde humana por seus efeitos estimulantes, anti-inflamatório, antioxidante, anticâncer, hipocolesterolêmico, e efeitos anti-obesidade; embora muitos estudos sobre dosagens e toxicidade ainda tem que ser feitos no sentido de elucidar sua aplicabilidade na saúde humana (Torres et al., 2021).
Dados do IBGE (2017) mostram que o Brasil possui 10.719 ha de área destinada à colheita com guaraná, com uma produção de 2.663 t de semente seca e uma produtividade média de 250 kg/ha, em 2017. A Bahia é o maior produtor de guaraná no Brasil (58% da produção nacional, 5.846 ha e 263 kg/ha), seguido pelo Amazonas (38%, 4.382 ha e 197 kg/ha). No Amazonas, nos últimos cinco anos, houve uma tendência de aumento na produção e o guaraná poderá contribuir para a geração de emprego e renda no campo, pois existe um mercado nacional e internacional capaz de absorver quantidades superiores à produzida.
A maior parte da produção total de guaraná do país é consumida pelo mercado interno. Estima-se que, da oferta nacional de sementes de guaraná, cerca de 50% seja absorvida pelos fabricantes de refrigerantes e energéticos, enquanto o restante é comercializado para a indústria farmacêutica, de beleza, e usos artesanais.
No Amazonas, o guaranazeiro é plantado tanto por pequenos como por grandes produtores. Grandes grupos empresariais possuem áreas de plantio variando de 80 a500 ha. Existem atualmente 3.645 produtores rurais que cultivam o guaraná no Amazonas, sendo que, em Maués (AM), existem aproximadamente 2.400 produtores familiares de guaraná, com área média de plantio de 3 ha, que são responsáveis por 35% da área plantada e 35% da produção estadual.
A Embrapa Amazônia Ocidental desenvolve pesquisas em melhoramento genético do guaranazeiro desde 1976 para a seleção de plantas de alta produtividade e resistência a doenças, sendo a única instituição mundial nessa linha de pesquisa. Após 45 anos, desenvolveu 18 cultivares clonais e uma cultivar seminal, que estão sendo incorporadas ao sistema de produção, permitindo que haja maior competitividade e sustentabilidade da cadeia produtiva, geração e aumento do emprego e renda no campo e na cidade, além de reduzir os impactos ambientais, sobre o desmatamento da floresta pelo aumento da produtividade, e pela resistência a patógenos, diminuindo o uso de defensivos agrícolas. Os recursos genéticos do guaranazeiro estão conservados no Banco Ativo de Germoplasma do Guaraná, com 364 variedades, para garantir a variabilidade genética suficiente para uso no programa de melhoramento genético.
A adoção dessas cultivares em alguns municípios do Amazonas chega a 100% da área como em Presidente Figueiredo, e em 90% da área plantada como é o caso de Urucará. Em Maués estima-se em 50% da área seja plantada com variedades de genética Embrapa. A Embrapa recomendou 18 cultivares clonais, multiplicadas por estaquia, onde existe uma dificuldade de adoção pelos agricultores devido ao alto investimento necessário em viveiros especializados e às dificuldades técnicas inerentes à produção de mudas desse tipo de material vegetal. Exigindo em alguns casos a utilização de hormônios para o enraizamento das estacas para formação de mudas.
A inovação mais recente em termos de variedades com genética Embrapa para plantio no Amazonas, e com grande possibilidade de ampla adaptação na Amazônia, é a cultivar BRS Noçoquém (Atroch e Nascimento Filho, 2021), multiplicada via sementes essa variedade apresenta-se com um grande potencial para proporcionar sustentabilidade à produção de guaraná na Amazônia, porque o produtor terá mais facilidade em produzir as mudas necessárias para o seu uso, com baixo custo. Além disso, o seu cultivo é feito da forma tradicional dos agricultores familiares, com baixo índice de uso de insumos como adubos, e mínimos tratos culturais, incluindo dentre eles podas e capinas anuais.
O agronegócio guaraná emprega milhares de pessoas em todo o País e nos últimos anos vem enfrentando algumas dificuldades e ameaças de se tornar uma atividade pouco lucrativa, principalmente para o produtor rural. Isso ocorre porque a produtividade dessa cultura na Amazônia ainda é muito baixa, em virtude de uma série de fatores relacionados principalmente com a carência de tecnologias apropriadas para o cultivo, necessitando de um grande esforço da pesquisa para reverter esse quadro. Essa baixa produtividade, aliada aos baixos preços pagos aos produtores pelo guaraná em rama (semente torrada), bem como a falta de tecnologias agroindustriais para agregação de valor ao produto, tem contribuído para o desestímulo do produtor em continuar com essa atividade, situação essa que pode contribuir para o êxodo rural.
Os investimentos para pesquisas, de modo geral, tanto do governo federal e estaduais, como da iniciativa privada, ainda são insuficientes e as demandas por conhecimentos e tecnologias vêm aumentando a cada ano. No caso específico do guaraná, os investimentos vêm quase que exclusivamente do tesouro nacional, não sendo suficientes para o desenvolvimento de todos os trabalhos que se fazem necessários, para tornar a atividade atrativa e rentável, principalmente para os agricultores (na sua grande maioria pequenos) envolvidos no processo de produção. Desta forma, é absolutamente necessária a disponibilização de um volume cada vez maior de recursos, para investimentos em infraestrutura e em Programas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.
Aumentar a captação de recursos financeiros privados seria a alternativa para a ampliação das pesquisas que permitam o desenvolvimento sustentável da Amazônia com o aproveitamento em sua bioeconomia de uma das culturas nativas de sua biodiversidade que possui um elevado potencial econômico, social, cultural e ambiental que é o guaraná.
Fonte: Fórum do Futuro
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