Estudo da USP mostra que as espécies invasoras são poliplóides (apresentam um conjunto maior de cromossomos) e são mais tolerantes a altas temperaturas, o que as torna uma ameaça à biodiversidade
Plantas invasoras são espécies que se espalham em regiões das quais não são nativas e passam a competir com as que lá habitam, o que ameaça a biodiversidade do ambiente. Mas o que essas plantas têm em comum? Um estudo analisou as características dessas espécies em todo o globo e mostrou que, do ponto de vista genético, a maioria das espécies invasoras é poliplóide, ou seja, tem um maior conjunto de cromossomos e, logo, maior variabilidade genética. Sob uma visão ecológica, essas espécies têm maior tolerância a altas temperaturas. Diante desse cenário, os dados apontam o aquecimento global como aliado dessas espécies invasoras. “Monitorar plantas que compartilhem esses traços pode ser algo promissor ao prever a contenção de futuras invasões”, afirma Drielly Queiroga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Entomologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
O estudo aponta as características para monitorar e restringir a circulação dessas as plantas mais “perigosas”, em meio ao aquecimento global, para evitarmos um cenário pior, já que frear o aumento das temperaturas não parece uma realidade. “Devemos monitorar plantas poliplóides e com resistência térmica, junto com as mudanças de temperatura, para tomar medidas de contenção, como aumentar as barreiras sanitárias, a regulamentação para implantação de cultivares e de plantas exóticas e ornamentais.”
O artigo, publicado no periódico internacional Journal of Plant Research, foi desenvolvido por Drielly e Renan Fernandes Moura, ambos do Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações, ligado à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e à USP. Também colaboraram Egon Vilela da UFG e Ana Paula Moraes da Federal do ABC.
Tamanho do genoma versus número de cromossomos
Com o objetivo de entender o potencial invasor de algumas plantas, os cientistas passaram a olhar para dentro de suas células, mais especificamente, em seus núcleos, onde mora o DNA. A pesquisadora explica que existem duas características genéticas importantes, quando o assunto é ter sucesso em invadir um novo habitat: o tamanho do genoma e a quantidade de cromossomos. A quantidade de cromossomos de uma espécie é definida pela sua ploidia, isto é, seu conjunto de “n” cromossomos. Nós humanos, por exemplo, somos indivíduos diploides (2n), o que significa que nossos 46 cromossomos estão organizados em duplas: 23 pares de diferentes tipos de fios de DNA, em cada uma de nossas células.
Em cada espécie, esse “n” varia. A aveia, por exemplo, é tetraploide (4n), e o trigo, hexaploide (16n). A questão é que, quanto maior a ploidia, maior a variabilidade genética, ou seja, com mais cromossomos, há mais pontos possíveis para variações genéticas (que podem acontecer por mutação, por exemplo). Com mais variações, por sua vez, maior é a chance de uma população de conter espécies com pequenas diferenças morfo e fisiológicas e, portanto, ter mais vantagens para sobreviver a mudanças no meio ambiente. De maneira mais simplória, trata-se de uma questão probabilística: mais cromossomos, mais recombinações e maior é a chance de um dos indivíduos ter uma característica que salve a espécie de uma mudança no habitat.
Entretanto, esse privilégio tem um preço na natureza. Quanto maior a variabilidade genética (e maior o número de cromossomos), mais informação genética é armazenada e, portanto, maior é o tamanho do genoma. Ter um genoma grandão traz alguns empecilhos aos indivíduos, afinal, para cada divisão celular, será necessário duplicar uma longa cadeia de nucleotídeos. “Isso faz com que o indivíduo se reproduza mais devagar, tenha um ciclo de vida mais longo e demore mais para chegar a idade reprodutiva, por exempo”, afirma Drielly.
Para saber se vale mais a pena se adaptar melhor às mudanças no ambiente (porém, ter um ciclo de vida mais lento) ou se reproduzir com velocidade (e, não ter tanta adaptabilidade assim), os pesquisadores utilizaram bases de dados on-line, com informação de plantas invasoras de todo o planeta, coletando registros de distribuição, ploidia, tamanho do genoma e outras informações biológicas.
As análises revelaram que o tamanho do genoma não é um fator determinante – a maior parte das espécies invasoras são poliplóides (tem vários conjuntos de cromossomos). Outro traço compartilhado por essas plantas é a resistência a altas temperaturas. Os dados podem ser uma evidência de que uma maior variabilidade genética está proporcionando uma maior adaptação às temperaturas mais altas.
Aquecimento global
Com a iminência do aumento das temperaturas globais, a distribuição das espécies está se modificando. De acordo com a pesquisadora, as espécies nativas estão se isolando à medida que as temperaturas sobem. Um estudo realizado nos Andes, mostrou que as plantas estão “subindo” a cordilheira a cada ano. “As espécies nativas não têm uma tolerância térmica tão grande, então, conforme a gente vai esquentando, essas espécies vão migrar para os pólos e maiores altitudes”, completa.
As plantas exóticas competem com as nativas – e ganham nessa briga, porque suportam melhor as variações de temperaturas, cada vez mais presentes. Com poucos vencedores, há perda da biodiversidade e homogeneização do ambiente. “As plantas são a base da cadeia trófica. Quando a gente perde as plantas, o efeito não é só a comunidade vegetal, mas em toda uma cadeia.”
Mais informações: e-mail [email protected], com Drielly Queiroga
Comentários