De onde vêm nossa água e comida, as roupas que vestimos, os materiais de que são feitos os produtos que consumimos? O Festival de Filmes sobre o Extrativismo Global questiona essa lógica irracional e perigosa que pode nos levar ao abismo.
CRISE CIVILIZATÓRIA – Satélites, celulares, computadores, armazenamento digital, automóveis, transportes, a indústria do turismo, voos espaciais, infraestrutura, construção, medicina, energia, o complexo industrial militar, eletrodomésticos, cosméticos, alimentos, bebidas – todos os aspectos da nossa vida “moderna” e da economia global dependem do extrativismo em larga escala de minerais, combustíveis fósseis, água, árvores, plantas e animais, que são manufaturados e transformados nos bens e serviços que consumimos – e são consumidos nas intermináveis guerras e combates militares e “mudanças de regime” que ocorrem em todo o mundo.
Essa política econômica só pode ser implementada por meio da exploração “barata” da natureza, das pessoas e do trabalho. A indústria extrativista destrói o ambiente, desloca milhões de povos originários e rurais, usa enormes quantidades de energia, descarta resíduos tóxicos e poluentes, prejudica a saúde de todos os seres vivos, priva de direitos as próximas gerações e empobrece milhões de pessoas já marginalizadas – tudo em nome do “desenvolvimento”.
Para expor essa realidade, o Festival de Filmes sobre o Extrativismo Global 2021 (Global Extraction Film Festival 2021 – GEFF 2021) apresenta mais de 150 documentários, de 40 países, sobre os danos produzidos pela indústria extrativista em todo o mundo, e a resistência de comunidades a essa destruição. O festival acontece online e gratuitamente, entre 9 e 12 de setembro.
O GEFF foi lançado no ano passado pela escritora jamaicana Esther Figueroa, doutora em Sociolinguística e realizadora de vários filmes pela Vagabond Media, em parceria com o holandês Emiel Martens, doutor em Estudos de Mídia pela Universidade de Amsterdam, professor visitante no Instituto Caribenho de Mídia e Comunicação da Universidade de West Indies e criador da Caribbean Creativity.
“O festival é produzido sem qualquer financiamento, apenas com trabalho voluntário, compartilhamento de recursos, generosidade e ajuda mútua”, diz Esther.
A edição deste ano inclui quatro programas – Perspectivas globais, Olhar para as Américas, Estudos Humano-Animais e Apresentado pela Patagônia – e propõe a reflexão sobre questões essenciais à vida humana: De onde vêm a comida que consumimos, a água que bebemos, as roupas que vestimos, os materiais de que são feitos nossos instrumentos e artefatos cotidianos? De onde vem a energia que viabiliza a nossa vida, como e por quem é produzida e transportada? O que fazemos com as trilhões de toneladas de resíduos que produzimos todos os dias?
O programa principal é o Olhar para as Américas. O continente é essencial para a economia mundial – fonte de petróleo, gás, água, madeira, lítio, cobre, ouro, prata, níquel, alumínio, ferro, carvão, agricultura, pesca, turismo – e nele estão tanto países com as corporações extrativistas mais predatórias do mundo, em particular o Canadá e os EUA, como uma maioria de nações que são objeto do extrativismo brutal dessas e outras corporações. Conhecer o extrativismo nas Américas é também compreender que existem alternativas indígenas à destruição planetária e há comunidades em todo o continente que resistem há séculos e continuam protegendo e defendendo o que é essencial para a vida.
Outrora conhecido como Novo Mundo, o continente americano vem sofrendo sob o extrativismo desde o século 15. Os povos originários foram escravizados, deslocados e exterminados. Sua terra foi tomada e ocupada pelos colonizadores europeus. Árvores foram mortas e florestas, transformadas em madeira, foram exportados com ouro, prata e outros “metais preciosos” para a Europa, onde fortunas imensas se acumularam. Os africanos foram escravizados e transportados para o continente para trabalhar nas plantações, primeiro exemplo de agricultura industrial moderna. O saque e o assentamento ecocida e genocida das potências imperiais europeias permitiram o enriquecimento da Europa (e posteriormente da América do Norte) e o surgimento da Revolução Industrial, altamente intensiva em extração de recursos naturais, acelerando o Antropoceno e provocando a crise climática que vivemos hoje. O extrativismo em território americano persiste até hoje, assim como a ameaça às vidas e terras de povos indígenas.
Os organizadores do GEFF2021 programaram principalmente filmes já disponibilizados ao público, em parte porque é mais fácil para um festival que não paga pela exibição nem controla o acesso aos filmes, mas também porque os filmes podem ser assistidos quando as pessoas têm tempo pra isso. Graças à generosidade de realizadores e distribuidores comprometidos, programaram também filmes que não estão disponíveis online gratuitamente. Muitos são bem recentes, e foram liberados porque seus realizados e/ou produtores acreditam na importância do GEFF e querem que as pessoas vejam seus filmes, em particular aquelas que têm relação com os fatos e lugares onde filmaram. Esses filmes estarão disponíveis, gratuitamente, somente durante o GEFF2021, de 9 a 12 de setembro.
Entre os mais de 30 filmes exibidos com exclusividade pelo festival estão En el Nombre de Litio (Cristian Cartier e Martin Longo, 2020, 75 min), trailer aqui [https://vimeo.com/ondemand/inthenameoflithium]; Uma – La Crisis del Agua em Bolivia (Ana Llacer, 2020, 77 min), trailer aqui [https://vimeo.com/ondemand/uma]; e Soldados da Borracha (Wolney Oliveira, 2019, 82 min), trailer aqui [https://vimeo.com/ondemand/rubbersoldiers]
Este ano o festival apresentará também eventos virtuais. “São hospedados por parceiros com interesses comuns, organizações e redes que também defendem a terra, as pessoas e todos os seres vivos contra a indústria extrativista”, diz Esther. Além da colaboração de pessoas em vários países, Esther e Emiel mantêm parceria com os coletivos Deep Green Resistance, London Mining Network, Asia Pacific Ecological Network, Freedom Imaginaries.
O GEFF2021 não oferece um site em português ou espanhol. Alguns filmes em língua indígena têm legendas em espanhol, outros são falados/narrados em espanhol, e grande parte deles é falado/narrado em inglês.
Aqui https://www.caribbeancreativity.nl/ você encontra a lista dos filmes de cada um dos 4 programas que integram o evento, em inglês. Abaixo do título e sinopse de cada um deles, e do link Watch (Assista), há uma observação sobre onde encontrar o filme: “disponível no YouTube”, ou em outra plataforma; quando é exclusivo do festival, a observação é: “use o código GEFF2021 para ver o filme gratuitamente durante o festival”.
Programa 1: Perspectivas globais
Perspectivas Globais oferece 26 documentários e curtas-metragens focados em questões globais fortemente interrelacionadas, tais como crise climática, água, alimentos, energia, mineração, turismo excessivo e legados coloniais. Os filmes vêm principalmente da Africa, Asia, Europa e Oceania – já que as Américas têm um programa especial e são o maior foco desta edição do Festival.
Os curadores deste programa, Esther Figueroa e Emiel Martens, selecionaram filmes que tratam de questões globais a partir de uma perspectiva local, numa vasta extensão da Europa. Uma das razões é que os países da União Europeia sempre se apresentam como exemplos de boas práticas ambientais e provedores de soluções para o resto do mundo, quando na verdade existem na Europa os mesmos problemas causados pelo extrativismo em todo o mundo.
Entre os documentários apresentados estão Bright Green Lies (Mentiras Verdes Brilhantes, em tradução livre), que expõe a realidade das soluções de tecnologia “verde”, altamente destrutivas e extrativistas; Grit, que conta a história da menina Dian, de 6 anos, que junto com outros 60.000 deslocados sofreu um acidente industrial na Indonésia e tornou-se depois uma ativista política que luta por justiça; Gather e Final Straw, Food, Earth, Happiness apresentam antigas alternativas para a agricultura industrial; Sustenance e The Superfood Chain refletem sobre a comida que consumimos, sua origem e as consequências das cadeias globais de alimentos; Eating up Easter e Crowded Out: The Story of Overtourism demonstram que o turismo é uma indústria fortemente extrativista.
Os títulos e sinopses dos filmes apresentados por este programa estão aqui. https://www.caribbeancreativity.nl/events/geff2021-global-perspectives/
Programa 2: Um olhar para as Américas
Com a curadoria de Esther Figueroa e das brasileiras Larissa Santos, geógrafa, e Gina Chabes, bióloga, este programa é o mais extenso e destacado do GEFF2021. Oferece mais de 100 documentários e curtas-metragens de 30 países das Américas – da Argentina, ao Sul, ao Canadá, ao Norte, incluindo as ilhas do Caribe. Esses filmes, um misto de documentários, programas de notícias, conteúdo de YouTube e séries, estão listados primeiro como filmes regionais e depois por país, em ordem alfabética, começando com a Argentina e terminando com a Venezuela.
“Nem todos os países americanos estão representados. Para alguns, em particular no Caribe, não encontramos filmes relevantes disponíveis, para outros não conseguimos permissão para programar aqueles que queríamos”, explica Esther. “Apesar disso, o programa oferece conteúdo extenso, rico e variado sobre os impactos do extrativismo numa vasta região, assim como as muitas comunidades que estão defendendo suas terras, culturas e o futuro do planeta.”
Do Brasil há 7 filmes confirmados, já disponíveis online. São eles:
Amazônia Sociedade Anônima (Estevão Ciavatta, 2020, 71 min)
Diante do fracasso do governo brasileiro em proteger a Amazônia, índios e ribeirinhos, em uma união inédita liderada pelo Cacique Juarez Saw Munduruku, enfrentam máfias de roubo de terras e desmatamento ilegal para salvar a floresta.
Os Soldados da Borracha (Rubber Soldiers, Wolney Oliveira, 2019, 82 min)
Durante a Segunda Guerra Mundial, um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos levou cerca de 60 mil brasileiros nordestinos para a região amazônica para trabalhar na extração de látex destinado à indústria americana de armamentos. Conhecidos como “Soldados da Borracha”, metade deles morreu antes de voltar para casa e muitos outros ainda esperam o reconhecimento como “heróis da pátria” e a prometida aposentadoria equivalente à dos militares.
Nove Águas (Gabriel Martins and Quilombo dos Marques, 2019, 25 min)
Em 1930, Marcos e seu grupo de descendentes de escravizados saíram do Vale do Jequitinhonha rumo ao Vale do Mucuri. Fugindo da seca, da fome e da violência no campo, os quilombolas buscavam uma novo território para construir sua comunidade. Dos tempos do desbravamento aos atuais, a história de luta por água e terra protagonizada pelos moradores do Quilombo Marques, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais.
Por trás da colina verde (Caio Ferraz & Paulo Pla, 2019, 29 min)
Apresenta a dura realidade enfrentada pelas comunidades camponesas da região do Alto Vale do Jequitinhonha – Nordeste de Minas Gerais – Brasil, diante da degradação socioambiental provocada pela implantação.
Arpilleras: Atingidas Por Barragens Bordando a Resistência (Adriane Canan, 2017, 97 min)
Conta a história de dez mulheres atingidas por barragens das cinco regiões do Brasil que, por meio de uma técnica de bordado surgida no Chile durante a ditadura militar, costuraram seus relatos de dor, luta e superação frente às violações sofridas em suas vidas cotidianas. A costura, que sempre foi vista como tarefa do lar, transformou-se numa ferramenta poderosa de resistência, de denúncia e empoderamento feminino.
Sem Clima – Uma República Controlada pelo Agronegócio (Alceu Luís Castilho and Fabrício Lima, 2017, 41 min)
De Olho Nos Ruralistas lançou seu primeiro documentário: “Sem Clima – uma República controlada pelo agronegócio”. Qual a relação entre a bancada ruralista e as mudanças climáticas? Ou, pensando no Acordo de Paris: com o Congresso que temos o Brasil será capaz de cumprir o acordo? Para tentar responder a essas perguntas o observatório entrevistou, durante sete meses, parlamentares e especialistas no tema. A equipe foi até Brasília conversar com os próprios ruralistas, mas acabou expulsa da sede da Frente Parlamentar da Agropecuária, uma mansão no Lago Sul. Por quê?
Para onde foram as andorinhas? (Mari Corrêa, 2016, 22 min)
O clima está mudando, o calor aumentando. Os índios do Xingu observam os sinais que estão por toda parte. Árvores não florescem mais, o fogo se alastra queimando a floresta, cigarras não cantam mais anunciando a chuva porque o calor cozinhou seus ovos. Os frutos da roça estão se estragando antes de crescer. Ao olhar os efeitos devastadores dessas mudanças, eles se perguntam como será o futuro de seus netos.
Os outros títulos e sinopses dos filmes apresentados por este programa estão aqui.
Programa 3: Estudos Humano-Animais
Este programa especial, curado pelo Centro de Estudos Humano-Animais da Holanda (Centre for Human-Animal Studies Netherlands), recentemente criado, oferece mais de 10 documentários e curtas sobre a relação entre humanos e animais, e o impacto da indústria extrativista sobre estes últimos. Humanos são animais que dominam o planeta, decidindo quais animais têm valor, quais serão para comer, quais serão nossos amigos e inimigos, e quais serão pragas que podem ser abatidas ou extintas. Por exemplo, o documentário Artifishal – A Luta para Salvar o Salmão Selvagem mostra os efeitos devastadores das represas e das fazendas de salmão sobre a população de salmão selvagem; e o O Último Macho na Terra conta uma história de extinção.
Os títulos e sinopses dos filmes apresentados por este programa estão aqui.
Programa 4: Apresentado pela Patagônia
Esta seleção especial oferece 8 documentários e curtas produzidos pela Patagonia Filmes, mostrando casos de pessoas que lutam pela justiça ambiental e alimentar, pela proteção dos lugares e das espécies selvagens e pela busca de soluções.
Os títulos e sinopses dos filmes apresentados por este programa estão aqui.
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Fonte: Outras Palavras
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