Na série Filme com o Especialista, professores da USP comentam trailers de filmes a partir de suas experiências de pesquisa, ensino e extensão
Perda e confusão. Ao adotar a perspectiva de Anthony (personagem de Anthony Hopkins) para os eventos que ocorrem em seu apartamento, o filme Meu Pai (de Florian Zeller, 2020) retrata a realidade de um idoso em pleno processo de perda de memória. Sentimentos também vividos por sua filha, Anne (Olivia Colman), que se divide entre a responsabilidade de cuidar do pai e a busca por autonomia.
Embora não seja mencionado no filme, Anthony sofre do tipo mais comum das demências: o Alzheimer. Estima-se que 45 milhões de pessoas vivam com algum tipo de demência em todo o mundo; de 40% a 60% delas têm Alzheimer.
“[No filme], a gente se sente exatamente como o paciente com Alzheimer. Você fica tonto, confuso, não sabe onde está. Você se perde e fica com muita raiva… E os sons, e um silêncio enorme. É o silêncio dentro da cabeça”, descreve Dorli Kamkhagi. Psicóloga do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP, ela coordena grupos de psicoterapia voltados aos familiares de pessoas com Alzheimer.
Apesar do avanço da medicina diagnóstica e ações de prevenção, os números são considerados subestimados. E mais: devem dobrar a cada 20 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Com o envelhecimento da população mundial, dois desafios entram em cena: evitar a doença e cuidar do portador.
“A pessoa precisaria ter um animal de estimação, ela deveria ter um cuidador com quem já tem um vínculo no comecinho da doença, e não quando já está muito mal. Mudar de casa também não é ideal, porque o lugar tem algo que faz com que ela se reconheça”, indica a psicóloga do IPq. Mas reconhece que nem sempre é possível para as famílias manterem uma rotina adequada em casa, e acabam optando por hospitais ou clínicas.
Sinal da paranoia
Perder objetos, noção de tempo e espaço, perder-se de si mesmo. São alguns sintomas da doença, que se aprofundam progressivamente. Além do esquecimento, a convivência diária pode ser acompanhada de agressividade, desconfiança e até de uma sensualidade deslocada.
“Isso vem à tona porque é um lugar de uma identidade que ficou, e que era muito bom. Ele quer dançar, se exibir. Mas é como um quebra-cabeça em que as peças não se encaixam mais”, aponta.
A psicóloga alerta para a importância de reeducar a família para lidar com as consequências da doença, na qual os estágios mais graves chegam a um agudo empobrecimento afetivo. Neste processo, o cuidador pode adoecer também.
LIM-27
O Laboratório de Neurociências LIM-27 é um dos laboratórios de investigação médica do complexo do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Entre as frentes de atuação, está o grupo de Psicologia da Família, que oferece apoio a cuidadores de pacientes com Alzheimer e outras questões relacionadas ao envelhecimento.
O grupo lançou este ano um livro sobre práticas para a saúde mental do cuidador, no qual descrevem a experiência da psicoterapia em grupo para cuidadores. A coordenadora explica que, em uma fase da doença, o paciente se utiliza de truques para manipular as pessoas com quem convive, comportamento que pode vir com a doença e que exige preparo dos familiares.
“Eles compartilham tristezas, dores e raivas. Não é só o terapeuta, o grupo é quase psicoeducativo”, comenta sobre a importância de haver um lugar de acolhimento.
Durante a pandemia, o LIM-27 organizou atendimentos on-line de psicoterapia para o público da terceira idade. As sessões são voltadas à saúde mental do público idoso, que faz parte do grupo de risco da covid-19.
Saiba mais sobre o Laboratório de Investigações Médicas 27 clicando aqui.
Fonte: Jornal da USP
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