Mesmo sem ter lá muito talento musical ou de cantoria, uma recém-descoberta perereca dona de um trinado baixinho ganhou a alcunha em homenagem a um dos maiores gênios da música brasileira. A Scinax pixinguinha ou, simplesmente, perereca pixinguinha foi encontrada no município de Santa Teresa, no interior do Espírito Santo, nos domínios da Mata Atlântica. O fato de terem feito a descoberta de uma espécie nova em um bioma já tão reduzido e sufocado pelas pressões humanas, deu aos pesquisadores uma injeção de ânimo e um motivo para ter esperança, tal qual fazia – e ainda faz – a música de Pixinguinha.
“A Mata Atlântica, que é o bioma que a perereca foi encontrada, já está quase toda devastada e isso entristece bastante a gente. Por outro lado, saber que, no pouco que sobrou, esse restinho ainda guarda para gente grandes descobertas, isso é um alento, uma injeção de ânimo. E a descoberta da perereca pixinguinha teve esse poder, de transformar o choro em alegria, uma prática que lembra bastante o que fazia Pixinguinha, esse músico genial que convertia as notas do chorinho em lágrimas de festa. Por isso a gente fez essa homenagem. A descoberta de uma espécie é sempre algo a ser comemorado”, resume João Victor Andrade Lacerda, um dos autores do artigo que descreve a nova espécie, publicado nesta terça-feira (29) no periódico científico Internacional Ichthyology & Herpetology, junto com outros cientistas no âmbito do Projeto Bromeligenous, realizado pelo Instituto Marcos Daniel e pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA).
Pesquisador do INMA e especialista em anfíbios, João estava na expedição que, em abril de 2020, se deparou com a perereca pixinguinha pela primeira vez. O pesquisador lembra que, no primeiro encontro, ao não reconhecer a espécie dentre as que ocorrem na região, achou que se tratava apenas de um novo registro para o município de Santa Teresa. A pequena cidade capixaba, localizada a cerca de 80 km de Vitória, é um oásis com mais de 100 espécies de sapos, rãs e pererecas, uma das maiores diversidades de anuros do planeta.
“Nós encontramos esses indivíduos, que não batiam com nenhuma dessas 100 espécies que nós temos em Santa Teresa. Num primeiro momento, a gente achou que era apenas um novo registro para o município, de uma espécie que ocorresse em outras regiões do Brasil. E fomos investigando, consultando a literatura, fazendo análises morfológicas, de canto… Ficamos meses tentando descobrir que outra espécie poderia ser essa, até que nós percebemos que não estávamos diante de um novo registro para Santa Teresa, estávamos diante de um novo registro para a ciência”, conta João Lacerda.
Com apenas 2,8 centímetros, o tamanho de um polegar, os machos da espécie apresentam uma coloração distinta. Durante o dia, vestem-se de uma cor opaca e amarronzada, e à noite, período em que são ativos, assumem um amarelo brilhante que os transformam em belos pontos dourados no meio da mata. As fêmeas, além de um pouco maiores (com cerca de 3,8 centímetros), mantêm a coloração discreta durante todo o dia.
A pesquisa em coleções científicas revelou outros indivíduos da Scinax pixinguinha, coletados no passado. Junto com esses registros, catalogados em museus, os cientistas somaram quatro coordenadas geográficas de ocorrência da perereca. Todos os pontos, que indicam a distribuição da pixinguinha, estão no Parque Natural Municipal de São Lourenço, área protegida que se estende aos pés da área urbanizada de Santa Teresa. É bem próximo desse limite entre a mata e a cidade que estão registradas as populações da perereca.
O pesquisador explica que ainda não há dados para entender o status de conservação da espécie, tampouco para entender quais as exigências dela em relação à qualidade ambiental. “A gente sabe que ela está em florestas próximas do limite urbano de Santa Teresa, mas a gente não sabe se isso é um indicativo de que ela tem uma tolerância ambiental, não temos ideia, tudo é especulativo ainda”, explica. As próximas pesquisas deverão desvendar estas e outras incógnitas, como seu comportamento, época reprodutiva e história natural. “Para isso é importante o monitoramento de longo prazo, para você ter dados mais robustos. Demos só o primeiro passo”, aponta João.
Fonte: O Eco
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