Na premiação do 71º Festival de Berlim, o diretor Luiz Bolognesi alertou que “É urgente que a gente pare o genocídio indígena”
O filme “A Última Floresta” venceu o prêmio do público na mostra Panorama no 71º Festival de Berlim. Dirigido por Luiz Bolognesi e produzido pela Gullane e Buriti Filmes, em associação com a Hutukara Associação Yanomami e o Instituto Socioambiental (ISA), o filme retrata o cotidiano de um grupo Yanomami isolado, que vive em um território ao norte do Brasil e ao sul da Venezuela há mais de mil anos.
O xamã Davi Kopenawa Yanomami busca proteger as tradições de sua comunidade e contá-las para o homem branco que, segundo ele, nunca os viu, nem os ouviu. Enquanto Kopenawa tenta manter vivos os espíritos da floresta, ele e os demais indígenas lutam para que a lei seja cumprida e os invasores do garimpo retirados do território legalmente demarcado.
Mais de 10 mil garimpeiros ilegais, que invadiram o local em 2020, derrubam a floresta, envenenam os rios e espalham Covid e outras doenças entre os indígenas.
Premiação e luta
Este ano, a mostra Panorama apresentou 16 longas-metragens, sendo “A Última Floresta” o único representante brasileiro. Luiz Bolognesi assina o roteiro do filme ao lado do xamã e líder político Yanomami Davi Kopenawa.
A premiação acontece no mesmo momento em que indígenas lutam contra a votação do Projeto de Lei (PL) 490/2007. Se aprovado, o projeto na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. De acordo com organizações indígenas e indigenistas, a proposta é inconstitucional.
“Esse prêmio é muito importante não só para nós que fizemos o filme, mas para o cinema brasileiro e sobretudo para a imagem dos povos indígenas, dos povos Yanomami, que estão sob ataque nesse momento, lutando contra uma invasão de mais de 20 mil garimpeiros ao seu território. É fundamental que a imagem do filme rode os países e o planeta para que a gente possa fazer pressão para a retirada desses invasores ilegais tanto das terras dos Yanomamis como das terras dos Munduruku”, afirmou o diretor Luiz Bolognesi, em Berlim.
“ESSE PRÊMIO SIGNIFICA QUE O MUNDO ESTÁ DE OLHO E EU ESPERO QUE O GOVERNO BRASILEIRO CUMPRA A CONSTITUIÇÃO E RETIRE ESSES INVASORES DA TERRA LEGALMENTE CONSTITUÍDA E DE DIREITO DOS YANOMAMI. É URGENTE QUE A GENTE PARE O GENOCÍDIO INDÍGENA IMEDIATAMENTE.”
Luiz Bolognesi
Em junho “A Última Floresta” também conquistou o prêmio de Melhor Filme no 18º Seoul Eco Film Festival, na Coreia do Sul, e foi exibido no DocsBarcelona – Festival Internacional de Documentários, na Espanha, em maio, no Wairoa Maori Film Festival, na Nova Zelândia, e no Biografilm Festival, na Itália, em junho. No Brasil, teve sessões no Festival Pachamama em maio e em junho, no Festival Internacional Imagem dos Povos e na Mostra Ecofalante de Cinema, durante a Semana do Meio Ambiente.
A primeira sessão no Brasil ocorreu no 26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários 2021. O longa também foi exibido nos festivais Visions du Réel, na Suíça, e no Hot Docs, no Canadá.
Protesto e repressão
Indígenas que protestavam contra a votação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, quando foram reprimidos de forma violenta pela PM, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. Crianças e idosos estavam entre os manifestantes.
A marcha indígena faz parte do Acampamento Levante pela Terra, que está instalado ao lado do Teatro Nacional, há três semanas. Os cerca de 850 indígenas que participam da mobilização, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, foram ao local para acompanhar a votação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Na página da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), é possível encontrar informações detalhadas sobre as ameaças que o PL 490 traz:
- Suprime o direito de posse e usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam;
- Abre a porteira para a “boiada passar”, isto é, para o arremetimento de empreendimentos predatórios, como o garimpo, arrendamentos, a regularização de loteamentos ilegais nos territórios em favor de grileiros, a grande mineração e de todo tipo de infraestrutura: hidrelétricas, portos, estradas, bases militares etc.;
- Fortalece a tese do “marco temporal”,uma interpretação defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
- Suprime totalmente o direito de consulta livre, prévia e informada às comunidades atingidas pelos grandes empreendimentos, um direito garantido pela Convenção 169 da OIT;
- Abre brecha para o fim da política de “não contato” com os povos indígenas voluntariamente isolados. Esses povos são extremamente vulneráveis a contatos imprevistos e conflitos por não terem resistência imunológica a doenças contagiosas comuns entre os não indígenas, como gripe e tuberculose.
- O PL 490 também estabelece uma longa série de outros entraves às demarcações. O principal deles é a possibilidade de apresentação de contestações em todas as fases do complexo e demorado procedimento demarcatório. Contra laudos e questionamentos poderiam ser apresentados por representantes de municípios e estados, associações de fazendeiros, produtores rurais e invasores em geral. Hoje, o direito ao contraditório, a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, no período de 90 dias após a publicação do relatório de identificação elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Depois disso, o processo segue para a declaração de limites pelo ministro da Justiça.
Ao lado destas explicações, quem apoia a luta dos povos indígenas pode preencher um formulário e enviar um pedido de apoio aos parlamentares, da comissão para pedir o arquivamento definitivo do PL 490.
“A Última Floresta”
Sinopse: Em um território Yanomani isolado na Amazônia, o xamã Davi Kopenawa Yanomani tenta manter vivos os espíritos da floresta e as tradições, enquanto a chegada de garimpeiros traz morte e doenças para a comunidade. Os jovens ficam encantados com os bens trazidos pelos brancos; e Ehuana, que vê seu marido desaparecer, tenta entender o que aconteceu em seus sonhos.
Elenco: Davi Kopenawa Yanomami, Ehuana Yaira Yanomami, Pedrinho Yanomami, Joselino Yanomami, Nilson Wakari Yanomami, Júnior Wakari Yanomami, Roseane Yanomami, Daucirene Yanomami, Genésio Yanomami e Justino Yanomami
Fonte: Ciclo Vivo
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