Leis brandas tornam o tráfico de fauna silvestre um crime atrativo, já que ele é lucrativo e as respostas que o poder público dá são insuficientes. Se, por um lado, a coleta dos animais na natureza está profundamente relacionada a questões sociais e de ausência dos serviços básicos do Estado, como acesso a saúde, educação, saneamento, capacitação e fontes estáveis de renda, por outro a legislação ineficaz acaba levando a uma sensação disseminada de impunidade e a altas taxas de reincidência entre os traficantes de fauna silvestre.
A lei brasileira que busca tipificar o conjunto de condutas que compõem o tráfico de fauna silvestre é a Lei Federal de Crimes Ambientais – Lei 9605/1998. O texto da Lei, no entanto, não tem uma boa definição do crime de tráfico de animais. Por exemplo, pouco diferencia aquele que mantém animais em cativeiro ilegal dos traficantes profissionais e recorrentes. Também, na ausência de agravantes, considera o tráfico de animais silvestres como crime de menor potencial ofensivo, com a pena máxima de detenção de um ano, além de multa.
Ao considerar o crime como de menor potencial ofensivo, a lei não apenas oferece aos infratores dispositivos como a possibilidade de receber penas alternativas, mas acaba dificultando o trabalho investigativo, limitando o acesso dos investigadores a ferramentas como interceptação telefônica, entre outros. Isso acaba tendo como consequência uma baixa priorização por parte das forças policiais, o que, por sua vez, acarreta uma baixa detecção das redes do tráfico de fauna silvestre, com a interceptação, na maior parte dos casos, dos transportadores (“mulas”), apreensão dos animais e produtos ilegais de fauna, sem outros desdobramentos. Neste momento, é possível traçar um paralelo com o funcionamento do tráfico de drogas – a detecção e prisão dos transportadores e a apreensão da droga pouco fazem para coibir o tráfico de substâncias ilícitas. Contudo, investigações decorrentes que busquem identificar as redes do tráfico, os traficantes mais relevantes na rede e seus bens e finanças podem resultar em ações policiais com grande impacto nas organizações criminosas.
Exemplos da recorrência dos traficantes de animais são abundantes no Brasil, com casos que vão desde um infrator autuado e detido 14 vezes ao longo de vários anos, a outro que em 2020 foi autuado três vezes, em um intervalo de 1 mês, sendo que em uma das autuações transportava quase 1500 animais ilegais. Entretanto, o caso mais emblemático da necessidade urgente de adequação da Lei de Crimes Ambientais ocorreu entre janeiro e junho de 2021.
O tráfico de animais silvestres causa uma ampla gama de impactos negativos, detalhados em um artigo publicado no início deste ano, dentre os quais podem ser citados: “profundas violações do bem-estar animal intrínsecas a essa atividade, o risco de contaminação por zoonoses, o risco de introdução de espécies exóticas invasoras, a seleção artificial nas populações naturais, a retirada de combinações genéticas das populações que poderiam ser importantes para o futuro evolutivo da espécie, a perda de diversidade genética, a redução populacional, a possibilidade de extinções locais, a própria extinção de espécies, a perda de funções exercidas nas redes de interações ecológicas, que podem ter impactos profundos no equilíbrio e na capacidade de regeneração de ecossistemas, a perda de serviços ecossistêmicos, assim como impactos na economia, segurança, saúde e governança dos países”.
Reincidente
Em 21 de janeiro de 2021, o traficante de fauna Russo, Kyrill Kravchenko, que segundo consta é biólogo, foi interceptado no Aeroporto Internacional de Guarulhos tentando embarcar ilegalmente com 200 animais da fauna silvestre brasileira. Informações obtidas com investigadores dão conta que o criminoso já teria sido interceptado em pelo menos outros dois países em continentes diferentes, de posse de fauna silvestre ilegal, demonstrando, com clareza, o profissionalismo e recorrência de sua atuação como traficante. Contudo, por ser crime de menor potencial ofensivo no Brasil, o traficante assinou um chamado Termo Circunstanciado de Ocorrência e foi liberado. Mas na noite de 17 de junho de 2021, a trama se complicou. Ele foi pego novamente no Brasil, desta vez pela Polícia Rodoviária Federal, em posse de pouco menos de 200 animais da fauna silvestre brasileira, todos ilegais. O processo agora corre em sigilo.
O ponto crucial é que se o crime cometido em janeiro não fosse de menor potencial ofensivo, medidas legais poderiam ter evitado que o traficante saqueasse novamente a rica biodiversidade, que pertence a todos os brasileiros, em busca de lucros.
Desta forma, a responsabilidade sobre todos os animais que os inúmeros traficantes recorrentes roubam da natureza, de seus filhotes, de suas populações, recai sobre uma lei inadequada para diferenciar grandes traficantes de infratores que cometeram crimes menores, e ineficaz para evitar que cometam o crime novamente. Apesar de existir a possibilidade de utilizar, por exemplo, condutas tipificadas no Código Penal Brasileiro junto com a Lei de Crimes Ambientais, a questão é que a Lei de Crimes Ambientais precisa ser alterada. Resoluções da ONU (Resoluções da Assembleia Geral 69/314, de 2015, 70/301 de 2016, 71/326 de 2017 e 73/343 de 2019) e acordos internacionais, como a Declaração de Lima, de 2019, ressaltam a urgência com a qual os países devem adequar suas legislações nacionais para contemplar o tráfico de espécies silvestres como o crime sério que é, de forma proporcional aos impactos negativos que gera.
Não alterar a Lei de Crimes Ambientais, ou alterá-la de forma inadequada, com texto e/ou penas ineficazes, fará com que traficantes continuem saqueando nossa maior riqueza, alimentando redes criminosas e fazendo com que nossa nação e as futuras gerações paguem um preço muito alto.
Fonte: O Eco
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