Os benefícios do mar para a saúde são conhecidos há séculos, mas, hoje, os cientistas querem ir mais longe, e procuram, no mar, uma cura para doenças graves.
Em Portugal, no Algarve, a empresa de biotecnologia portuguesa Sea4Us está a desenvolver um analgésico não opiáceo, seguro e eficaz para a dor crónica.
“Uma em cada cinco pessoas já sofreu de algum tipo de dor crónica. O meu sonho é encontrar algo vindo do mar que possa ajudá-las”, disse à euronews Pedro Lima, neurofisiologista e biólogo marinho, cofundador da empresa Sea4Us.
O potencial dos organismos marinhos
Desde 2013, a Sea4Us estuda organismos marinhos simples como esponjas e outros invertebrados. Um trabalho apoiado pela União Europeia.
“Muitos invertebrados marinhos estão presos na rocha, não podem mover-se. Por isso, desenvolveram um veneno que tem compostos que bloqueiam o sinal neuroativo associado à dor”, explicou o cientista português.
Quando a ciência se inspira na natureza
A euronews seguiu o trabalho dos investigadores da empresa portuguesa. A vinte metros de profundidade, os mergulhadores procuram os sinais que indicam a presença dos venenos defensivos produzidos pelas esponjas.
“Quem come o quê? O que é evitado por quem? Qual é o vizinho mais próximo? Tudo isso tem a ver com a relação entre espécies que nos dá pistas sobre o que escolher”, explicou Pedro Lima.
“Há menos luz, a competição torna-se mais específica. As esponjas não precisam de competir com espécies de crescimento rápido, como as algas. Lutam entre si. E nós estamos interessados nessa luta”, acrescentou o investigador.
Os cientistas recolhem apenas a quantidade de amostras estritamente necessária.
“O impacto da recolha é próximo de zero. Recolhemos amostras muito pequenas. A ideia é inspirarmo-nos na natureza para depois podermos recriá-la, numa escala industrial, para não precisarmos de voltar ao mar e depender da biomassa. A biomassa é apenas a inspiração”, sublinhou o biólogo português.
O trabalho de laboratório na Universidade Nova de Lisboa
As amostras são estudadas pelo laboratório de fisiologia Sea4Us da Universidade Nova de Lisboa.
As esponjas e seus organismos simbióticos produzem centenas de compostos que são testados para verificar se têm uma bioatividade anti-dor.
“É um sistema, contém bactérias, um microbioma próprio. Extraímos e testamos os compostos, se estiver tudo bem, continuamos a separá-los o máximo possível, até ficarmos com um composto que é responsável pela atividade”, explicou Silvia Lino, investigadora da Sea4Us.
A Sea4Us afirma ter encontrado duas moléculas que reduzem a atividade da dor nos neurónios do gânglio espinal. Um conhecimento que a empresa portuguesa vai pôr à disposição da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de um medicamento.
“Os nossos resultados mostram que estes compostos reduzem o nível de dor. O risco de desenvolver dependência não é elevado. Com estes dois resultados, acreditamos que o nosso composto passará por todos os estudos clínicos até chegar ao mercado”, garantiu André Bastos, eletrofisiologista e cofundador da Sea4Us.
A cura para doenças graves pode estar no oceano
O oceano pode oferecer tratamentos para algumas das piores ameaças à saúde pública, dos surtos virais, à resistência aos antibióticos e ao cancro. A investigação marinha e a proteção dos oceanos são algumas das prioridades do programa Horizon Europe, da União Europeia. Na Europa, o setor da chamada biotecnologia azul está em crescimento e deverá valer 10 mil milhões de euros, até ao final da década.
Cientistas do CIIMAR estudam potencial das cianobactérias
No Porto, os investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto estudam várias formas de vida marinha.
“Estamos a recolher cianobactérias, organismos muito antigos que podem crescer basicamente em qualquer lugar e produzem estas moléculas, produtos químicos que podem ter aplicações muito interessantes no futuro”, contouTeresa Martins, bioquímica do CIIMAR. As cianobactérias são conhecidas pela sua forte toxicidade. Para os cientistas, essa caractéristica pode ser um indicador de propriedades medicinais.
“Em princípio, qualquer doença pode ser curada desde que encontremos uma molécula que a possa tratar. É por isso que estudamos as cianobactérias, porque elas produzem uma tal variedade de compostos que é possível que encontremos uma molécula com potencial para desenvolver um medicamento”, afirmou Pedro Leão, investigador das cianobactérias, no CIIMAR.
A partir de amostras de vários países, os cientistas portugueses, cultivam novas espécies de cianobactérias. A instituição da Universidade do Porto têm mais de mil estirpes acessíveis aos investigadores da Europa e do mundo inteiro.
Estudos preliminares demostram que alguns dos compostos tóxicos que estão a ser estudados podem atingir as células cancerígenas. Experiências realizadas com larvas de peixes mostram resultados interessantes que poderão ser usados para tratar doenças graves como a diabetes e a obesidade.
“Ainda temos um longo caminho pela frente em relação aos problemas do cancro e da obesidade, mas estamos na primeira linha da investigação para encontrar uma solução para essas doenças”, disse Ralph Urbatzka, investigador em biotecnologia marinha, do CIIMAR.
A exploração sustentável do potencial dos oceanos
As biotecnologias marinhas podem ter um impacto extraordinário na vida humana.
“Temos de aprender com a natureza. Não precisamos de inventar novas moléculas. Só temos de procurar as que já existem e que são produzidas por esses organismos e, depois, transformá-las ligeiramente para responder às nossas necessidades. Acredito que, num futuro próximo, teremos muito mais moléculas provenientes do oceano que vão tratar muitas das nossas doenças atuais. A vida começou no oceano. E eu acredito que a vida pode também ser salva pelo oceano”, afirmou Vítor Manuel Oliveira Vasconcelos, administrador do CIIMAR.
Os investigadores acreditam que o grande desafio para a humanidade é tirar partido do potencial curativo dos oceanos sem prejudicar a saúde da vida marinha. Por vezes, os mergulhadores da Sea4Us encontram cordas de plástico no mar, uma fonte de poluição que revela a existência de pesca ilegal numa área protegida.
“É algo muito frequente em torno dos locais onde mergulhamos. São armadilhas para polvos, redes de pesca, sacos de plástico, latas de metal. Se nos preocuparmos com o oceano e evitarmos deitar plástico e lixo para o mar, o oceano, e a natureza, dão-nos algo em troca útil para a nossa saúde“, garantiu Michał Babiarz, cientista da Sea4Us.
Fonte: Euro News
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