A pandemia do coronavírus impôs medidas de proteção em zoológicos de todo mundo. Além de evitar o contágio da doença entre os funcionários, os cuidados são necessários para a prevenção dos animais. Apesar das restrições, três gorilas testaram positivo para a COVID-19, nos primeiros meses deste ano, nos zoológicos de Praga, na República Tcheca, e de San Diego, nos Estados Unidos. Fatos que evidenciam a vulnerabilidade de primatas não-humanos às mesmas enfermidades que afetam seres humanos por terem a maior parte do material genético semelhante. À medida que novos casos aparecem, aumentam as buscas por maneiras de combater as ameaças da COVID-19 entre os macacos que vivem no Brasil.
Claudia Igayara, presidente da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab), não se surpreende com os casos de contágio dos gorilas na República Tcheca e nos Estados Unidos por serem de uma espécie sensível às doenças humanas. “A gente já tinha preparado as instituições para essa possibilidade de haver transmissão. Inclusive, enviamos um documento para elas no início da pandemia com as medidas que a gente considerava serem necessárias para reduzir o risco de infecção. Eliminá-lo completamente é uma coisa bastante difícil. Estamos vendo pela própria progressão da pandemia”, conta.
Assim que começou a proliferação do coronavírus, a Azab enviou orientações aos zoológicos do Brasil com o objetivo de prevenir a infecção de animais, especialmente de primatas, felinos e mustelídeos. Dentre as determinações houve o controle do estado de saúde e da utilização de equipamentos de segurança dos funcionários, a fiscalização para o cumprimento do distanciamento e da proibição de alimentar os animais por parte dos visitantes e a remoção de bichos sob maiores riscos do setor de visitação.
O fato das medidas aplicadas em outros países não terem sido suficientes para evitar os contágios é a verdadeira surpresa da gestora. Alerta a possibilidade desses episódios se repetirem no Brasil, a associação tem feito um monitoramento clínico para observar ocorrências em casos de sintomas nos animais. Os testes em massa não estão sendo feitos nos bichos para evitar, obviamente, o desvio de recursos no diagnóstico da doença nos humanos. Até o momento nenhum caso de macaco com COVID-19 foi confirmado no Brasil.
“A gente tem alguns pesquisadores que já vinham trabalhando com doenças em primatas e que incluíram em seus protocolos a pesquisa do SARS COV-2. Quando a gente tem uma suspeita podemos, em caráter de pesquisa científica, testar alguns animais”, explica.
Este é o caso de Camila Vieira Molina, doutoranda do programa de Interunidades em Biotecnologia da USP, que pesquisa vírus em primatas-não humanos. Para realizar o estudo, Camila vai começar por saguis e macacos-prego apreendidos em situação de tráfico pela polícia ou que sofreram algum acidente e foram encaminhados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) no estado de São Paulo.
“Eu faço monitoria com a pesquisa por PCR (exame que identifica a presença de vírus). Vou coletar em bichos de vida livre, principalmente na região do Horto Cantareira, as amostras de Swab (cotonete estéril que serve para coleta de exames microbiológicos) e de sangue. Por fim, libero eles depois que acordam e estão aptos à soltura”, explica a profissional que vai seguir um protocolo rígido de biossegurança durante o estudo.
De acordo com Camila, a maior preocupação é com os primatas silvestres, pois os que vivem em cativeiro contam com o suporte de equipes de veterinários e de biólogos. Apesar das dificuldades derivadas da pandemia, um estudo publicado pelo The American Journal of Primatology enxerga uma oportunidade nesse contexto: educar a população para a redução do contato com esses bichos.
“Esses animais passam por processos de ameaça de extinção. Imagina a gente introduzir mais um vírus. Então eu acho que é um motivo para a gente seguir estritamente as regras de não contato com esses animais e dos protocolos de biossegurança. Não só durante a pandemia, que é mais grave, mas seguir com isso daqui para frente”, recomenda.
A Sociedade Brasileira de Primatologia, em parceria com outras entidades, produziu um documento com orientações de prevenção da doença em unidades de conservação. Os gestores de cada UC foram orientados a avaliarem os riscos de transmissão do Sars-Cov-2 para que as medidas fossem adequadas às realidades locais. A estrutura física, o nível de informação dos funcionários e os tipos de pesquisas realizadas foram alguns dos aspectos analisados.
“O que a gente acredita é que os primatas do Brasil parecem ter uma menor capacidade de se infectar com o vírus, mas isso não é 100% garantido. Quanto aos primatas, principalmente na questão de gorilas e chimpanzés, eu acho que a questão é muito maior e pode ocorrer”, avalia
Ciente da vulnerabilidade dos primatas, Herlandes Penha Tinoco, chefe da seção de veterinária do Zoológico de Belo Horizonte, reforçou com os tratadores os cuidados no contato com os sete gorilas que vivem na instituição.
Imbi e Lou chegaram do Reino Unido em 2011 e em 2013, respectivamente, e Leon veio da Espanha para o Brasil há oito anos. Desde suas chegadas, nasceram quatro filhotes: Sawidi, Jahari, Ayo e Anaya.
“A partir do momento que algum deles têm algum sinal clínico que lembre os sintomas do coronavírus, a gente pode partir para fazer testes. Por enquanto eles estão bem, ninguém tem um sinal de doença e está tudo sob controle, mas não é descartado fazer (o teste) caso algum deles manifeste”, conta.
A exemplo dos avanços na imunização de primatas contra a febre amarela, ele não descarta no futuro uma possível vacinação dos animais que vivem em cativeiro. “Agora é que está se começando a estudar sobre uma vacina para febre amarela em primatas. Tudo é um processo. Se a COVID-19 for mesmo preocupante daqui a um tempo, pode ser que primatas sejam vacinados também contra ela”, afirma.
Para o doutor Alcides Pissinati, chefe do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), administrado pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea), a imunização da COVID-19 encontraria dificuldades práticas para ser aplicada em primatas silvestres. “Como você vai pegar todos os bichos na natureza? Não é fácil. É extremamente complexo esse tipo de coisa”, afirma.
Para Alcides, é necessário investigar as espécies de animais que têm potencial para serem hospedeiras da COVID-19. “A medicina humana, a medicina veterinária e a biologia de um modo geral têm que abrir esse leque”, ressalta. Ele ainda chama atenção para a possibilidade da propagação do vírus por meio dos animais.
“É como as cédulas de dinheiro que não ficam doentes, mas podem ser contaminadas por alguma pessoa que tenha o vírus. Daí vem outra pessoa e se contamina na troca do dinheiro. Por isso que nós temos que estar sempre em alerta até que se tenha segurança com uma vacina eficaz e duradoura”, explica.
Fonte: (O) Eco
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