A fim de pôr no caixa da União R$ 25 bilhões, o presidente Jair Bolsonaro concordou em liberar R$ 8,7 bilhões em obras hídricas em redutos eleitorais. A decisão deve garantir a capitalização da Eletrobras, emperrada no Congresso Nacional.
Definida por medida provisória entregue ao Congresso na terça, 23, a capitalização será um processo de venda de ações do governo na estatal. Com isso, a União tem sua participação reduzida a cerca de 45% e deixará o controle da estatal. A proposta acena ainda para os consumidores com o abatimento das contas de luz de R$ 25 bilhões ao longo de dez anos.
Se prosperar desta vez, a venda de ações da União na Eletrobras deverá movimentar cerca de R$ 50 bilhões. Esse é valor total envolvido na operação.
Entre os gastos adicionais incluídos pelo texto, que totalizaram os R$ 8,7 bilhões, estão a obrigação de investimentos de R$ 2,3 bilhões na revitalização nas bacias das hidrelétricas de Furnas e de R$ 2,9 bilhões em medidas de redução estrutural de custo de geração de energia na Amazônia. Esses investimentos são comparados pelo setor a um “pedágio” ou “pacote de bondades” para convencer o Congresso Nacional a aprovar a privatização.
Na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB), que também tentou vender as ações da União na estatal de energia, esse pacote previa R$ 3,5 bilhões em “pedágios”, particularmente na revitalização da bacia do São Francisco. Desta vez, Furnas, localizada em Minas Gerais, foi incluída.
A secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, afirmou, em entrevista à reportagem, que esses investimentos são “extremamente necessários” diante da incapacidade da Eletrobras em destinar recursos para a “recuperação dessa bacias hidrográficas”.
“No Orçamento deste ano estavam previstos somente R$ 30 milhões para essas obras”, disse. “É muito pouco para um país que precisa recuperar essas bacias, especialmente a do rio Grande, que é a caixa-d’água do nosso sistema”.
Segundo ela, boa parte do volume expressivo de recursos envolvidos na capitalização se deve à inclusão no projeto da renovação da concessão da hidrelétrica de Tucuruí, que venceria em 2024.
Inicialmente, o governo licitaria a usina após o vencimento do contrato. No entanto, preferiu amarrar a capitalização à renovação, o que gerou um aumento de valor da Eletrobras e, em consequência, das ações que serão oferecidas ao mercado.
Ainda segundo a secretária, esse aumento de recurso é que vai lastrear os investimentos na revitalização de bacias e no reforço à CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que será o veículo usado para o abatimento nas tarifas. Bolsonaro no sábado, 19, havia prometido “meter o dedo” no setor elétrico, após intervir na Petrobras.
Instalada no Pará, com potência de 8.370 MW (megawatts), Tucuruí é a segunda maior hidrelétrica 100% brasileira, atrás apenas de Belo Monte, no mesmo estado. A usina é das principais fontes de receita da Eletrobras. Caso a MP seja convertida em lei pelo Congresso, a estatal terá mais 30 anos de concessão da hidrelétrica.
A medida provisória também cria uma ação preferencial, conhecida como “golden share”, que dá poder de veto à União em votações referentes a questões acionárias, como a fatia máxima para minoritários ou a realização de acordos de acionistas.
O governo quer limitar a 10% a fatia máxima de um acionista minoritário e proibir acordos de acionistas com o objetivo de evitar que a empresa passe a ter controle privado. Os dois temas devem ser objeto de atualização do estatuto da Eletrobras.
O modelo de pulverização das ações da Eletrobras é semelhante aos projetos anteriores. Parte do dinheiro arrecadado na venda das ações será usada pela estatal para ressarcir o governo por uma mudança nas condições contratuais das usinas da Eletrobras.
Para especialistas, a edição da MP pode acelerar a privatização, já que permite que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) inicie os estudos para a oferta de ações.
“É um primeiro movimento e há muito a se fazer até a real privatização da companhia”, diz o presidente da consultoria PSR, Luiz Augusto Barroso, que já comandou também a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), estatal responsável pelo planejamento do setor.
Ele ressalta que o tema demanda uma “construção complexa” no Congresso, sob o risco de concessões a atores políticos que podem acabam afetando a atratividade do negócio.
Para o consumidor, diz, os efeitos ainda dependem de uma série de fatores. A princípio, a mudança do regime contratual reduz a transferência do risco hidrológico para as tarifas, fator que pressiona as contas de luz durante seca.
“Quando somadas às demais estratégias de redução tarifária em andamento, como a devolução do PIS/Cofins arrecadado em excesso e a renegociação das condições comerciais da energia de Itaipu, podem significar uma redução tarifária maior”, afirma.
Para Roberto D’Araújo, do Instituto Ilumina, por outro lado, o modelo pode representar aumento na tarifa, já que o valor da energia no mercado é bem superior aos R$ 40 por MWh (megawatt-hora) pagos no sistema de cotas vigente em boa parte das usinas da Eletrobras.
Ele diz ainda que a transferência de ativos prontos ao setor privado deveria exigir em contrapartida investimentos, para reduzir o risco de crise de abastecimento com o apagão de 2001, ocorrido após privatizações. “São Pedro foi acusado, mas quem conhece os números sabe que ele é inocente”.
Fonte: Amazonas Atual
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