“Decididamente, palavras o vento leva, e é bom que seja assim quando o discurso e as atitudes são discrepantes.”
Nelson Azevedo (*)
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O compositor e intérprete Paulinho da Viola coleciona um acervo de poesias que retratam as contradições e paradoxos deste país do carnaval. Numa delas, Rumo dos Ventos, o autor consegue retratar, talvez sem saber, o modelo de gestão do Brasil com relação à Amazônia. Como um estagiário desavisado a República costuma se meter a fazer coisas para as quais não se qualificou devidamente. “A toda hora rola uma estória é preciso ficar atento”, diz o verso provocativo do sambista carioca, como se estivesse lendo a notícia anunciando que o Brasil vai criar em Belém a Zona Franca do Pará. Como assim, indagaria o sambista, para em seguida arrematar: “O jeito é criar um outro samba/ Sem rasgar a velha fantasia.”
Estória sem agá
A estranheza da matéria é que, no final do ano passado, o governo federal cogitou/prometeu criar a Zona Franca da Ilha do Marajó. A promessa e a notícia surpreendem o ideário liberal da gestão Paulo Guedes que, desde a primeira hora, anunciou esvaziar o programa de desenvolvimento regional mais acertado do Brasil, a Zona Franca de Manaus por que usa contrapartida fiscal por ser uma região remota. Formado nos cânones econométricos de Chicago, o ministro encasquetou com o Norte, e seus singelos 8% do bolo de incentivo fiscal do Brasil. O Sudeste consome 60% de efetiva renúncia fiscal. Sobre isso não há muitos comentários… Pois é, a toda hora rola uma estória. Com um detalhe: esta não tem agá.
Para cada crise um GT
As soluções de algibeira utilizadas para as crises da Amazônia, sejam diplomáticas, climáticas, ou questionamentos da mídia insistente, são tiradas de supetão da cartola política, e costumam facilitar a vida de quem faz previsões de seus resultados. Tem sido assim os Conselhos da Amazônia, com ou sem o concurso de governadores, o ministério da Amazônia, sucessivas comissões, grupos de trabalho, movimentos de banqueiros entre outras categorias empenhadas em salvar a Amazônia. O mesmo se aplica às grandes corporações que financiam generosamente organizações não-governamentais com propósitos específicos de barrar o aproveitamento sustentável de determinados recursos naturais ou minerais da região.
Paladinos da maledicência
No caso da notícia inspiradora, a criação da ZFP, chamou a atenção a rapidez com que os paladinos da maledicência e da perseguição permanente da ZFM foram mobilizados para satanizar a economia do Amazonas e da Amazônia Ocidental, conduzida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus, com seus altos e baixos cinqüentenários. Os arautos da desindustrialização de Manaus esfregaram as mãos da torcida frenética para ajuizar em desfavor deste Estado. “Se for para remover as indústrias de Manaus, vamos acariciar a ideia de aprovar a iniciativa da ZFP”.
Agenda oculta da PEC-45
E a condicionante desse apoio, que inclui segmentos parlamentares do Sudeste, é mesmo remover o programa ZFM, como denunciou em palestras e artigos recentes o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, a respeito da agenda oculta da PEC-45. De quebra, a instalação de uma Zona Franca mais ecológica no Estado do Pará, tenta usar boas práticas econômicas para diluir o estigma predatória da política ambiental do governo federal pelo mundo afora. Imaginar Paulo Guedes avalizando a concessão de incentivos fiscais para a Amazônia, depois de tantas declarações em direção oposta, só poderia ocorrer para beneficiar o setor da bioeconomia, modelo econômico que imita a natureza, utiliza inovação tecnológica e é aplaudido pelos ambientalistas do mundo inteiro porque tem baixa emissão de carbono. E passa a informação em que ninguém acredita de que toda a Amazônia vai alcançar o prometido desmatamento zero. Conta outra!!
Esclarecimentos liberais
No final de outubro último, em uma de suas lives com investidores estrangeiros, notadamente norte-americanos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou os recursos federais aplicados na criação da Zona Franca, e voltou a defender a necessidade de transformar a Amazônia no paraíso da biodiversidade. Em paralelo, o economista prometeu transformar Manaus na capital global da bioeconomia e da sustentabilidade, e defendeu a necessidade de aplicar incentivos fiscais para esse fim. Decididamente, palavras o vento leva, e é bom que seja assim quando o discurso e as atitudes são discrepantes. Só para esclarecer, não há gasto de recursos federais para a ZFM. A Amazônia, querendo ou não este ou aquele governo, já é o paraíso da biodiversidade. Quanto a Manaus, caso a União Federal acolha os estatutos constitucionais e breque sua compulsão fiscal em cima da riqueza aqui gerada, tem uma indústria ávida e apta à diversificação de seus polos e cadeias produtivas. Para isso, custeou integralmente o Centro de Biotecnologia da Amazônia nos anos 90 que, para ter identidade jurídica, espera faz vinte anos por um CNPJ. Será que o Pará vai encarar essa pororoca da protelação ou abrir mão de sua opção econômica? A conferir…
(*) Nelson é economista, empresário e presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalmecânica e de Materiais Elétricos de Manaus, vice-presidente da FIEAM e Conselheiro do CIEAM.
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