Dos países banhados pelo Atlântico, o Brasil é o país que possui o maior direito de exploração das águas desse oceano. São 3,6 milhões de km2 de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), área que permite a livre utilização dos recursos marinhos. Apenas 2,5% dessa zona, porém, estão resguardados por áreas de proteção integral, onde não é possível realizar nenhuma atividade econômica, da pesca ao petróleo.
Diante desse fato, o estudo A blueprint for securing Brazil’s marine biodiversity and supporting the achievement of global conservation goals, realizado por 11 pesquisadores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras avaliou os impactos sobre a biodiversidade marinha e identificou áreas prioritárias para a proteção das espécies que vivem nas águas costeiras e oceânicas do Brasil. Somadas, chegam a 286 mil km2, o equivalente ao estado do Rio Grande do Sul.
As áreas indicadas como prioritárias incluem ecossistemas únicos, como a Plataforma de Abrolhos, coberta pelo maior banco de rodolitos (algas calcárias) do mundo; o Atol das Rocas, único atol do Atlântico Sul; e os recifes profundos da foz do Rio Amazonas.
Descobertos apenas em 2016, os recifes amazônicos estiveram no centro de uma campanha lançada pelo Greenpeace contra os interesses da francesa Total de explorar petróleo na área. A empresa desistiu da exploração em setembro deste ano.
Ainda em grande medida desconhecidos, esses recifes sobrevivem em profundidades entre 70 e 200 metros em situações de baixa luminosidade, já que o grande volume de água barrenta despejado pelo Amazonas bloqueia boa parte da luz solar.
Levantamento semelhante já havia sido produzido pelo Ministério do Meio Ambiente em 2007 e atualizado em 2018, mas é a primeira vez que um mapeamento leva em conta a forma como os habitats e suas espécies se conectam entre si. Para isso, os pesquisadores usaram como metodologia a probabilidade de conectividade, índice que avalia a capacidade de dispersão de uma espécie.
Logo, um peixe herbívoro pode se afastar uma média de 429 km de seu recife natal, enquanto grandes peixes carnívoros chegam a distâncias ainda maiores para a desova, além de 541 km.
A conectividade é um fator importante para que as ameaças e possíveis impactos sejam analisados de forma mais fidedigna — principalmente quando o ecossistema é atingido por mais de um impacto humano.
As principais ameaças
Ao todo, o estudo identificou 24 ameaças humanas e 143 espécies ameaçadas em 161 habitats marinhos. Entre as espécies identificadas há invertebrados, peixes, mamíferos, tartarugas e aves marinhas — todos listados na legislação nacional com o status de criticamente ameaçado, ameaçado ou vulnerável.
Para contabilizar esse número, foram obtidos dados não só do Livro Vermelho da Fauna, produzido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), como também de uma vasta literatura de estudos e mapas de distribuição de áreas-chaves para a conservação das espécies.
Entre as 24 ameaças mais prejudiciais para o meio marinho provocadas pelo ser humano, três ganham destaque no estudo: o aquecimento global, presente em 95% das áreas; a pesca industrial, que afeta cerca de 83% da região estudada; e fertilizantes e pesticidas, encontrados em 22,6% das áreas estudadas.
Outras ameaças citadas são poluição portuária, rotas de embarque, mineração oceânica, desenvolvimento costeiro, espécies invasoras e atividades de extração de petróleo e gás.
Rodrigo Tardin, doutor em Ecologia e Evolução pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), que não participou do estudo, acredita que a avaliação desses pontos é fundamental para entender como proteger o sistema marinho.
“O grande desafio do Rio de Janeiro, como cidade e estado, é pensar a sustentabilidade. Temos uma biodiversidade bem rica, uma quantidade de espécies endêmicas, ameaçadas, que tem uma grande função ecossistêmica, e temos uma área marinha muito impactada, de forma geral, por conta da atividade humana”, explica.
Tardin cita o esgoto doméstico, o turismo, a concentração da cidade no litoral, as atividades petrolíferas e os ruídos como alguns dos impactos constantes sofridos pelos ecossistemas da região.
O litoral do estado do Rio de Janeiro, assim como o de São Paulo e do Rio Grande do Sul, são áreas indicadas pelos autores do estudo como prioritárias para a conservação dos ecossistemas marinhos.
A ênfase que o estudo dá para as mudanças climáticas também é um ponto de destaque feito pelo pesquisador. Tardin reconhece a importância de pensar ações de conservação futuras no contexto da crise climática:
“Temos uma série de indícios de como a biodiversidade pode mudar, como as atividades humanas vão alavancar essas mudanças. Qualquer medida que pensemos agora tem que ser pensada nesse contexto”.
Indicadores para conservação
O estudo afirma que a abordagem teve como objetivo fornecer uma indicação de quão urgente se faz a proteção desses habitats. Segundo Micheli Costa, doutora em Oceanografia Biológica e uma das autoras do estudo, a criação de áreas de proteção marinha pode evitar maior perda da biodiversidade, aumentar a resistência dos ecossistemas e/ou recuperá-los de eventuais perturbações humanas.
“Com essa visão macro, conseguimos identificar áreas que são importantes para a biodiversidade marinha e que, ao mesmo tempo, contribuem para a representatividade das espécies como um todo, o que também contribui para o Brasil atingir as metas internacionais de conservação da biodiversidade”, afirma a pesquisadora.
Segundo Costa, o trabalho é o primeiro passo para futuras discussões no âmbito de proposição de novas unidades de conservação marinha no Brasil. “Ele pode auxiliar o Ministério do Meio Ambiente em futuros processos participativos com outros interesses de uso para o ambiente marinho e pode assistir futuros planos de mitigação de impactos e de conservação de espécies ameaçadas.”
Atualmente, 25% da Zona Econômica Exclusiva brasileira estão inscritos em alguma unidade de conservação, de proteção integral ou não. Até início de 2018, essa porcentagem era de 1,5%, ampliada naquele ano com a criação de duas grandes Áreas de Proteção Ambiental nos arquipélagos de Trindade e Martim Vaz e São Pedro e São Paulo.
Uma APA, porém, não livra a região de exploração econômica. Para isso, o Ministério do Meio Ambiente se comprometeu em acrescentar mais 250 mil km2 em áreas de conservação integral até 2030, aumentando a proteção do Atlântico brasileiro dos 2,5% atuais para 10%.
Fonte: Conexão Planeta
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