O estado de emergência provocado pela pandemia de Covid-19 e a segunda onda de aumento dos contágios vem levando os órgãos públicos a realizar eventos virtuais, para garantir a segurança dos participantes. Contudo, em locais como Machadinho D’Oeste (RO), município com cerca de 40 mil habitantes, localizado a 340 km da capital Porto Velho e no meio da Floresta Amazônica, comunidades tradicionais e povos indígenas dificilmente têm acesso à internet ou a sinal de telefonia móvel em suas vilas e aldeias. Para obter acesso, teriam que se deslocar até o núcleo urbano mais próximo, aumentando o risco de contágio. Rondônia registrou mais 567 casos e 6 mortes pela doença nesta terça-feira (8), chegando a 83.959 pessoas infectadas e 1.610 vítimas fatais desde o início da pandemia. Mesmo com esse cenário, o Ibama marcou para a próxima sexta-feira (11) uma audiência pública virtual sobre o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tabajara, proposta pela Eletrobras/Eletronorte e pela empreiteira Queiroz Galvão, a ser implantada no rio Machado, em Machadinho D’Oeste, com a população que será afetada. Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual (MP/RO) ajuizaram na segunda-feira (7) uma ação civil pública contra o Ibama para impedir a realização da audiência.
A UHE de Tabajara será operada a fio d’água com previsão de potência instalada total de 400 megawatts e energia firme de cerca de 235 megawatts médios. O projeto foi qualificado na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para apoio ao licenciamento ambiental. A usina, a ser implantada no rio Machado ou Ji-Paraná, na bacia do Madeira, no município de Machadinho D’Oeste (RO), causa polêmica desde os anos 80, quando houve proposta de construção das UHEs Ji-Paraná e Tabajara pela Eletronorte. Na época, houve intensa mobilização popular que levou à suspensão dos projetos em 1993. Contudo, a discussão foi retomada em 2005 através da parceria entre a Eletronorte, Furnas e a Construtora Queiroz Galvão, com investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC II) do Governo Federal. A criação do Parque Nacional dos Campos Amazônicos em 2006, que abrangeu parte da área prevista para a UHE Tabajara, impediu o licenciamento ambiental do projeto, mas por meio de decreto e medida provisória que alterou os limites do Parque, o Governo Federal o levou adiante.
Em representação enviada ao MPF na última sexta-feira (4), 40 estudiosos, entidades e associações defendem a não realização da audiência nos moldes propostos, “uma vez que as inconsistências encontradas nos Estudos de Impacto Ambiental da UHE Tabajara precisam ser sanadas e amplamente debatidas com a sociedade civil, em especial a que arcará com os prejuízos provenientes desse projeto”. Os signatários argumentam que a Comunidade de Tabajara não possui serviço de telefonia móvel, muito menos internet, contando com apenas um orelhão. “O mesmo ocorre com os indígenas Arara e Gavião, bem como todos os demais povos do Sul do Amazonas (sendo que as lideranças Tenharim sequer foram informadas da audiência pública), o que tende a excluir do debate tais comunidades potencialmente impactadas”, informou o documento.
A ação civil pública resultante da representação foi assinada pela procuradora da República Gisele Bleggi, a promotora de Justiça Naiara Lazzari e o promotor de Justiça Alan Castiel Barbosa. Gisele Bleggi ressaltou que o Ibama não levou em consideração o nível de instrução e conhecimento dos atingidos, e a dificuldade no uso das plataformas digitais. “A compreensão de um tema tão complexo como o licenciamento ambiental de uma barragem e o impacto disso na vida dos que serão direta ou indiretamente afetados será impossível à distância”. Além disso, os MPs argumentam que o edital de convocação para a audiência pública, publicado em 25/11, teria prazo de divulgação muito curto e que os estudos foram disponibilizados somente em 03/12, ou seja, a audiência foi anunciada sem a disponibilização dos mesmos.
O Ministério Público havia expedido uma recomendação em 18 de agosto de 2020 advertindo o Ibama para que a audiência pública remota não fosse realizada em substituição à presencial, por se tratarem de populações rurais, comunidades tradicionais (extrativistas, ribeirinhas, pescadores) e povos indígenas, a maioria integrantes do grupo de risco. Na época, o Ibama respondeu que não havia previsão de realização mas, passados dois meses, o empreendedor solicitou a audiência ainda em 2020, sob o argumento de ter “realizado todas as complementações”.
As complementações a que o empreendedor se refere são estudos nos quais, desde 2017, MPF e MP/RO apontam inúmeras falhas e inadequações técnicas, expedindo recomendações e exigindo complementações. As recomendações foram feitas a partir de 13 estudos técnicos realizados por peritos do MPF, além de uma análise técnica produzida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sedam). As principais falhas são sobre a pequena abrangência da área de influência, estudos inválidos sobre os indígenas da região, cálculos falhos da área de remanso do reservatório nas proximidades da terra indígena Tenharim e na relativização da magnitude dos impactos que vinham sendo ignorados ou mesmo ocultados pelo empreendedor quando da realização dos estudos.
O Ibama informou que exigiria, “no momento oportuno”, as complementações dos estudos. Contudo, em dezembro de 2019, concedeu “aceite” aos estudos e ao relatório (EIA/RIMA) apresentados pelo empreendedor, sem exigir as complementações e adequações necessárias. Funcionários do MPF e do MP/RO afirmam que acessaram o site do Ibama e não localizaram as referidas complementações, o que viola o direito à informação.
Em julho deste ano, em razão de pedido de licença feito pela Eletronorte, pressionando pela aprovação do projeto, o Ibama elaborou um parecer técnico produzido pelos seus servidores de carreira, apontando que, sem as complementações nos estudos, o projeto de construção da usina hidrelétrica de Tabajara seria inviável sob os aspectos sociais e ambientais.
Para o Ministério Público, a audiência pública só deve ocorrer após consultas aos povos indígenas que serão impactados, habitantes e usufrutuários das unidades de conservação estaduais afetadas, bem como após a elaboração de programas mitigatórios específicos para cada unidade impactada. Os estudos complementares devem ser analisados previamente pela equipe técnica do Ibama.
Fonte: O Eco
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