Antes de saber o resultado final das eleições americanas, há pelo menos três pontos que já ficaram claros. O mais importante é que a sociologia por trás do voto mostra uma sociedade bloqueada, em profundo impasse social. Uma metade extremamente conservadora e a outra metade progressista, com uma aba minoritária mais à esquerda. É o grupo que reelegeu Alexandria Ocasio-Cortez (Bronx, New York), elegeu Bernie Sanders (Burlington, Vermont) e Elizabeth Warren (8o Distrito, Massachusetts), em eleições anteriores. A pista que revelou este fator com maior nitidez foi o comparecimento sem precedentes recentes. Cidadãos que não costumam votar, foram às urnas desta vez, não para resolver o impasse, mas para aprofundá-lo. A sociologia política deste impasse social é clara: eleições sempre muito apertadas; impossibilidade de largos consensos; maior probabilidade de governos divididos, sem maioria em uma ou em ambas Casas do Congresso. O governo Trump foi assim e será assim, se ele for reeleito. Se Biden ganhar, seu governo também será dividido. Em consequência, processo legislativo basicamente bloqueado (deadlocked) em todas as questões que dividem Democratas e Republicanos e elas são as fundamentais.
O segundo ponto é que as pesquisas não captaram esse fator sociológico determinante e continuaram a prever vitórias amplas. Na verdade, foi na margem que as pesquisas erraram. Se Biden for eleito, a diferença entre ele e Trump no voto popular será muito menor do que os 7 pontos percentuais previstos pelas médias das mais respeitadas pesquisas. Outro fator sociológico e demográfico que as pesquisas não conseguiram captar — e é muito difícil de ser apreendido adequadamente — é o efeito no voto da heterogeneidade dos latinos. Alguns exemplos. Na Flórida a maioria dos latinos é de cubanos e venezuelanos, que tendem para a direita. Há uma minoria de porto-riquenhos inclinada para os Democratas. No Texas, os latinos são mexicanos, sul-americanos (porção importante de brasileiros). Em Nevada, são mexicanos, porto-riquenhos, cubanos e sul-americanos. No entanto, eles são tratados como um grupo só, “latinos” ou “hispânicos”. Os pesquisadores e sociólogos terão que desenvolver um método de agregação em grupos diferenciados e menos heterogêneos.
Não se pode, ainda, dizer que as pesquisas erraram totalmente. No quadro que analisei na véspera das eleições, acertaram a direção do voto em praticamente todos os estados mais disputados — ou seja, descontando os óbvios acertos nos estados claramente vermelhos ou azuis — com exceção da Flórida, em que a média dava empate ligeiramente favorável a Biden e a vitória de Trump foi mais folgada do que o previsto. Erraram em relação ao Senado, no qual os republicanos devem manter a maioria.
Fonte: Sérgio Abranches
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