Pesquisadores de norte a sul do Brasil estão progredindo na identificação das raras árvores monumentais do país, que se destacam sobre a floresta e mantêm redes de interações com animais e outras plantas, e tentando entender as particularidades que lhes permitem atingir diâmetros quase do comprimento de um fusca e a altura de um prédio de 30 andares.
Com base em sobrevoos e sensores de luminosidade, pesquisadores de Minas Gerais, do Amapá e de São Paulo verificaram que a floresta Amazônica no oeste do Amapá e nordeste do Pará abriga pelo menos 20 exemplares de árvores com mais de 70 metros (m) de altura, dos quais seis com mais de 80 m, mais que o dobro da altura do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. São as chamadas árvores gigantes ou mega-árvores, definidas como as que têm pelo menos 70 centímetros (cm) de diâmetro, mais fácil de medir do que a altura, que pode variar de 25 m no cerradão, a feição florestal do Cerrado, a 80 m na Amazônia. Essas medidas são cerca de cinco vezes as medidas médias da maioria das árvores encontradas nas cidades ou nos parques urbanos.
“Certamente existem muito mais árvores gigantes na Amazônia”, diz o engenheiro florestal Eric Gorgens, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Murici (UFVJM) e coordenador do estudo, publicado em maio como preprint no repositório bioRxiv. Nesse trabalho, pesquisadores da UFVJM, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) analisaram 754 áreas de 375 hectares cada (1 hectare corresponde a 10 mil metros quadrados) por meio da técnica LiDAR (Light Detection and Ranging), que registra a velocidade de luz refletida pelas árvores. “A área total analisada equivale a 100 vezes a examinada em estudos de campo, mas ainda é apenas 0,18% da área da Amazônia”, ele argumenta (ver mapa).
Gorgens viu pela primeira vez as árvores gigantes do leste da Amazônia no início da tarde de 16 de agosto de 2019. Era o segundo dia de uma expedição com 30 pessoas que subia o encachoeirado rio Jari, na Floresta Estadual do Paru, no Pará, na divisa com o Amapá. Às margens havia sumaúmas (Ceiba pentandra), parquias (Parquia pendula) e castanheiras (Bertholletia excelsa) com troncos de 2 a 3 m de diâmetro. No alto dos morros vizinhos reinavam os angelins (Dinizia excelsa), cujos ramos formam esferas de folhas semelhantes a pompons de lã. Medindo-as por meio de cordas lançadas do alto por um escalador, os pesquisadores encontraram algumas com 82 m de altura.
Antes da viagem, com base em imagens de LiDAR, os pesquisadores haviam identificado um provável angelim de 88,5 m, a árvore mais alta já encontrada no Brasil, noticiada em um artigo publicado em agosto de 2019 na revista científica Frontiers in Ecology and the Environment. Não o viram, porém, embora tenham chegado a 3 quilômetros (km) de onde deveria estar. “Tivemos de desistir por causa da dificuldade para avançar em meio à mata fechada e da limitação de tempo”, conta Gorgens. “Optamos por coletar informações de uma região em que localizamos uma grande quantidade de árvores gigantes juntas.”
À frente de outro levantamento regional, o engenheiro florestal Marcelo Scipioni, da Universidade Federal de Santa Catarina, viajou 7 mil km por terra desde 2012 e encontrou cerca de 50 grandes árvores, das quais 35 são araucárias (Araucaria angustifolia) com tronco de pelo menos 1,5 m de diâmetro, nos três estados da região Sul, São Paulo e Minas Gerais, registradas em seu site (www.arvoresgigantes.org). Em um artigo publicado em maio de 2019 na Scientia Agricola, ele apresentou uma araucária com um tronco de 3,2 m de diâmetro, 42 m de altura e estimados mais de mil anos de idade, no interior de Santa Catarina.
Árvores milenares
“No estado de São Paulo, apesar do desmatamento intenso, ainda é possível encontrar árvores monumentais e históricas”, diz o engenheiro-agrônomo Mario Tomazello Filho, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que estuda a idade das árvores desde a década de 1980. É o caso dos jequitibás-rosa (Cariniana legalis), árvore-símbolo do estado, no Parque Estadual Vassununga, no município de Santa Rita do Passa Quatro, com até 45 m de altura e tronco de 16 m de diâmetro.
Segundo ele, erros de cálculo de idade são comuns. Inicialmente estimada em 3 mil anos, a dos jequitibás-rosa gigantes de Vassununga foi depois reavaliada para 600 a 800 anos por meio da dendrocronologia, uma técnica de datação das árvores pela análise dos anéis de crescimento anuais do tronco. Essa metodologia levou à identificação de imbuia (Phoebe porosa) e de araucária (Araucaria angustifolia) com 400 a 500 anos no Brasil, de alerces (Fitzroya cupressoides) com 3.622 anos no Chile e de pinheiros (Pinus longaeva) com 4.847 anos nos Estados Unidos.
“Na região Sul do Brasil”, diz Scipioni, “as araucárias de maior porte são remanescentes das grandes florestas do passado”. No Nordeste também. O ecólogo Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), encontrou pela primeira vez no início de agosto algumas das grandes árvores da Caatinga, ambiente que ele estuda há 20 anos. Eram tamboris (Enterolobium contortisiliquum) com 2 m de diâmetro e angicos (Anadenanthera colubrina), aroeiras (Myracrodruom urundeuva), jatobás (Hymenaea courbaril) e paus-ferro (Libidibia ferrea) com pelo menos 1 m de diâmetro, quase todas com cerca de 25 m altura, o que é muito para esse ambiente, em florestas preservadas em fazendas do sertão da Paraíba. “É uma região muito seca, onde chove no máximo 500 milímetros por ano”, observa.
Tabarelli estima que o Brasil deva abrigar pelo menos 200 das cerca de 1.500 espécies de árvores gigantes já identificadas no mundo, embora as espécies tropicais sejam bem menos estudadas que as de clima temperado da América do Norte e Europa. A mais alta de uma floresta tropical já identificada é uma meranti-amarela (Shorea faguetiana), com 100,8 m, na Malásia. A mais alta do mundo é uma sequoia vermelha (Sequoia sempervirens) com 115,6 m, em uma área de clima temperado no norte da Califórnia, Estados Unidos.
Expedição Jari-Paru, agosto de 2019: vista da copa de um angelim vermelho (Dinizia excelsa), com estimados em 82 metros, na Floresta Estadual do Paru, no Pará; o escalador Fabiano Moraes, da AmazonTreeClibing, na copa de um angelim vermelho gigante, para estimar altura e recolher amostras de ramos para identificação da espécie; rio Jari com suas corredeiras e redemoinhosDivulgação Expedição Jari-Paru
Redes de interações
Responsáveis, por causa do tamanho, por metade da biomassa das florestas, embora respondam por menos de 5% do número total de árvores, as mega-árvores têm um grande papel ecológico, detalhado pelo grupo da UFPE em um artigo publicado em março na Advances in Ecological Research. De acordo com esse estudo, os galhos das gigantes servem de suporte para orquídeas e bromélias que dependem de condições microambientais específicas de luminosidade e umidade não encontradas em árvores de menor porte. Por sua vez, aves, primatas, morcegos, anfíbios, répteis, aranhas e insetos usam suas cavidades como abrigo ou ninhos.
“O declínio de grandes árvores em florestas tropicais representa a perda de uma série de funções ecossistêmicas, muitas delas relacionadas a uma complexa rede de interações ecológicas”, afirma Bruno Pinho, pesquisador da UFPE e principal autor do artigo. Os pesquisadores observaram que as raízes que saem da terra quando as árvores tombam formam crateras que se enchem de água de chuva e são ocupadas por porcos selvagens e girinos.
Marcelo Tabarelli, da Universidade Federal de Pernambuco, e Helder Araújo, da Universidade Federal da Paraíba, sob uma timbaúva (Enterolobium contorstisiliquum) em agosto de 2020, na Fazenda Salambaia, em Cabaceiras, ParaíbaInara Roberta Leal/UFPE
Crescimento lento
Os pesquisadores tentam entender também como as grandes árvores da Amazônia conseguem crescer tanto. Em seu estudo mais recente, Gorgens, com seu grupo, relatou que elas se desenvolvem em solos pobres em nutrientes e profundos, capazes de abrigar suas longas raízes. O maior perigo é o vento. “A copa das grandes árvores impõe uma resistência ao vento, como as velas de um barco”, diz Tommazello. “Se o vento é intenso, a copa ou o próprio tronco podem quebrar.” Por essa razão é que precisam de clima calmo, com muitas nuvens e baixa insolação – o excesso de sol também pode ser prejudicial, já que suas copas estão a dezenas de metros acima da das outras árvores.
O botânico Rafael de Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), observa que as árvores monumentais devem ter mecanismos fisiológicos próprios, que lhes permitem crescer de modo mais lento do que outras espécies. “As árvores de crescimento lento têm formas próprias de gerenciar o estoque de água”, comenta. Inversamente, as de crescimento rápido tendem a ser mais vulneráveis à seca, como o grupo da Unicamp mostrou em um artigo publicado em março de 2018 na revista Plant, Cell & Environment. Segundo ele, além do mecanismo habitual de transporte de água – por diferença de umidade, que faz a água do solo chegar às folhas –, as gigantes devem ter uma compartimentalização do xilema, os vasos que transportam água, com divisões que poderiam funcionar como as válvulas das veias fazem o sangue voltar ao coração.
Oliveira viu as grandes árvores da Amazônia em novembro de 2019, quando descia o rio Amapari, no Amapá, com três pesquisadores da Unicamp, uma da USP e o diretor do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o engenheiro florestal Christoph Jaster. As árvores formavam grupos de 10 a 20 exemplares da mesma espécie em meio à mata densa do parque, a maior unidade de conservação de floresta tropical do mundo, no norte do Amapá. Eles fixaram sensores de crescimento e variação de temperatura e umidade, com planos de voltar assim que possível para recolher as informações.
Quando encontram as condições favoráveis, podem crescer mais, embora o destino delas seja incerto. Perobas (Aspidosperma spp.), cedros (Cedrela spp.), canelas (Ocotea spp.), ipês (Tabebuia spp.), jatobás (Hymenaea spp.), jacarandás (Dalbergia spp.) e maçarandubas (Manilkara spp.) e outras árvores encorpadas são usadas intensamente desde o Brasil Colônia para a construção de pilares, tetos ou assoalhos de casas, móveis e barcos – e ainda hoje são exploradas por fornecerem as madeiras mais duras e de maior valor comercial. “As espécies podem não desaparecer, mas os indivíduos maiores e mais velhos se tornam cada vez mais raros”, alerta Tabarelli.
Publicado em: 07.09.2020
Fonte: Pesquisa Fapesp – Carlos Fioravanti
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