Na sexta-feira (04/09), uma festa marcou a inauguração de um túnel na Colômbia — o fim de um tortuoso parto de um projeto germinado há 100 anos.
“Vamos celebrar um projeto que deveria ter sido concluído há pelo menos 15 anos”, disse Germán Pardo, presidente da Sociedade dos Engenheiros. “Não devemos ver isso como uma construção épica, mas como uma paixão de Cristo, porque foi um processo muito sofrido.”
Por pelo menos um século houve a ambição na Colômbia de cruzar a Cordilheira Central (uma das três cordilheiras nas quais os Andes se dividem quando chegam ao norte do continente) e, assim, conectar o centro do país com o Oceano Pacífico.
Com isso, o país, de grande potencial exportador, estaria agilizando o comércio com a Ásia. Atravessando o interior de uma montanha, o túnel estaria também economizando tempo e evitando acidentes que ocorrem diariamente nos trajetos pela estrada que sobe e desce a montanha.
Só foi no século 21 que a construção, com apoio do Estado, finalmente entrou em um ritmo acelerado. Mesmo assim, foram 11 anos de atrasos, escândalos de corrupção e esperas, longas esperas.
Nos cálculos de Pardo, apresentados à Associação Internacional de Túneis (ITA, por sua sigla em inglês), a construção do túnel da Linha, como é chamado, levou o mesmo tempo de obras semelhantes erguidas no século 19: 0,7 km por ano.
Com 8,6 km de extensão — que fazem dele o mais longo túnel das Américas — e construído a 2,4 mil metros acima do nível do mar, o túnel da Linha promete acelerar em 230% a velocidade média de travessia da cordilheira e reduzir a viagem em 21 quilômetros. E isso é apenas em um sentido, de oeste para centro. A inauguração do segundo trecho, que dará à estrada os dois sentidos, está prevista para abril de 2021.
Desde os tempos em que era colônia espanhola, a Colômbia tem tido problemas em apostar suas fichas em um único meio de transporte para conectar suas regiões, mas se viu obrigada a assistir à concorrência entre vários, como navios, trens, aviões e veículos.
“A diversidade da produção em cada região exigia um meio de transporte diferente para cada uma”, explica Enrique Ramírez, um veterano especialista em economia de transporte. “Um trem não é bom para colher café, assim como um caminhão não consegue transportar bananas com eficiência.”
Talvez um pouco tarde, então, o túnel da Linha chega para ajudar a conectar um “país de países” que há séculos tenta se articular.
Uma solução para um país fragmentado
A Cordilheira dos Andes, que nasce no sul da América, se abre em sua última etapa, o norte da América do Sul.
Na Colômbia, a cadeia montanhosa se transforma em três cadeias de montanhas que separam selvas, desertos, savanas, planaltos e as costas do Pacífico e do Caribe do país.
Mas a riqueza da geografia da Colômbia, o segundo país com maior biodiversidade do mundo depois do Brasil, também é uma dor de cabeça: um obstáculo ao transporte, para o desenvolvimento e, segundo historiadores, à construção de uma identidade nacional.
Por isso, além dos escândalos que o tornaram famoso, o túnel da Linha é tão simbólico: porque promete ligar a capital, Bogotá, ao porto que escoa mais da metade das exportações, em Buenaventura.
O primeiro projeto que tentou cruzar a Cordilheira data de 1913. Depois, há registros de 1929 e 1950. Todos foram arquivados e o trecho foi simplificado a uma estrada várias vezes reformada que chega a 3,4 mil metros acima do nível do mar e onde ocorrem uma média de 200 acidentes por ano, segundo dados oficiais.
Quando se decidiu pela retomada do projeto no início deste século, um estudo constatou que a Cordilheira Central possui oito falhas geológicas de uma complexidade particular e que um terço do túnel teria de ser construído nessas fendas da crosta terrestre.
Dada a incerteza sobre a viabilidade da obra, o governo colombiano decidiu construir um túnel piloto, cuja construção começou em 2005 e terminou em 2008. Deu certo. Em 2009, a obra do túnel principal foi passada à Constructora Carlos Collins S.A, de origem colombiana.
Avanço lento, violações de contrato e estouros do orçamento levaram ao abandono da obra em 2016. Dois anos depois, o governo de Iván Duque concedeu-a a uma nova empreiteira, que retomou as obras.
A Justiça não esclareceu o ocorrido, apesar da imprensa local ter reportado gastos além do orçamento de até 500% (o total da obra foi de US$ 750 milhões — cerca de R$ 4 bilhões) e ligado o caso ao chamado “cartel da contratação”, um escândalo de corrupção que levou à prisão de prefeitos e empresário por causa de obras públicas falidas e mal geridas.
“Levaram 15 anos para fazer 55% e esse governo em dois anos vai entregar 44%”, vangloriou-se recentemente Duque.
Mas muitos responderam que, em 2016, quando uma controladoria estadual investigou falhas na obra, estimou que faltavam apenas cerca de 12% da construção.
“Nós construímos sobre o que encontramos”, disse a ministra dos Transportes, Angela María Orozco. “(Governos anteriores) contrataram o empreiteiro errado, mas deixamos isso para os juízes; o que fizemos foi articular empresas, governos e empreiteiros de maneira eficiente usando o que já existia.”
“Este trabalho não é do governo, é dos colombianos”, disse ela à BBC News Mundo.
O que muda agora
Mas por que essa obra demorou tanto? Essa pergunta está marcando a inauguração do túnel. A resposta depende da relevância dada aos dois elementos principais da equação: complexidade geológica e incompetência institucional.
Juan Esteban Gil é talvez uma das pessoas que melhor conhece o projeto, pois trabalhou durante anos no Ministério dos Transportes e no Instituto Nacional de Estradas de Rodagem, do qual é diretor desde 2018.
Para ele, o institucional pesou mais: “O projeto se vendeu mal ao país porque não foi explicado que era tecnicamente muito complexo e que o desenvolvimento estava em fases, mas acho que o não cumprimento da empreiteira foi o que mais impactou no atraso”.
“A construção do túnel abre uma porta para o país, pois foram desenvolvidos padrões, programas educacionais e uma cultura de não temer projetos como esse que nos permitirá construir muitos mais túneis”.
O engenheiro conclui: “Mas é claro que poderíamos ter desenvolvido isso há 50 anos.”
O túnel está atrasado, mas, segundo o governo, trará benefícios: veículos de carga e leves levarão 80 e 40 minutos a menos, respectivamente, para cruzar a cordilheira, mais US$ 77 milhões (cerca de R$ 410 milhões) por ano serão gerados em comércio e turismo e os acidentes serão reduzidos em 75%.
“Mas o debate agora deve ser sobre o que nos custou, não a obra em si, mas o atraso, porque se colocarem um valor nisso, chegarão a 20 vezes o que se pagou. O custo de não ter o túnel para o desenvolvimento do país foi enorme. Uma geração foi perdida”, diz o engenheiro Pardo.
Há um dado famoso que diz ser mais caro transportar cargas de Bogotá a Buenaventura (US$ 35 ou R$ 185) do que de Buenaventura a Tóquio (US$ 20 ou R$ 106). Viajar apenas 100 quilômetros na Colômbia pode levar quatro horas, três ou quatro vezes mais do que em um país com topografia normal.
Desde que surgiu a ideia de uma nação na Colômbia, a geografia e a precariedade da infraestrutura mantiveram os colombianos separados uns dos outros. Agora, mesmo que seja tarde, eles estão um pouco mais próximos.
Fonte: BBC News
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