Os óleos vegetais amazônicos são um elemento essencial da cultura paraense. Pode-se encontrá-los em farmácias, supermercados e, principalmente, em feiras livres. O conhecimento sobre a sua aplicação é passado de pais para filhos, de tal modo que é quase impossível não ter usado algum desses óleos pelo menos uma vez na vida. A maioria de nós conhece as propriedades inseticidas do óleo de andiroba, mas o que muitos ainda não sabem é o papel promissor que os óleos amazônicos têm no desenvolvimento tecnológico do Pará.
O Grupo de Desenvolvimento Tecnológico em Biopolímeros e Biomateriais da Amazônia, pertencente ao Laboratório de Óleos da Amazônia (GDTec Biomazon/LOA), criou o Projeto Óleos vegetais amazônicos: desenvolvimento sustentável e inovação tecnológica de bioprodutos via impressão 3D, o qual tem o objetivo de transformar óleos vegetais amazônicos em materiais que possam ser aplicados na área da saúde, especificamente, em resinas odontológicas. Segundo a coordenadora do projeto, professora Marcele Fonseca Passos, além de valorizar óleos pouco conhecidos na região, o estudo também possui foco em questões de sustentabilidade ambiental.
O principal objetivo é, começando do material bruto, desenvolver uma resina que possa ser aplicada numa impressora 3D para, assim, obter bioprodutos de alto valor agregado, como guias cirúrgicos, implantes, entre outros. “Para esse processo, utilizamos o sistema catalítico verde, ou seja, nós usamos catalisadores que não trazem impactos negativos ao meio ambiente. Além disso, os solventes que estão por trás desse tipo de processo são não tóxicos, quando descartados não trarão prejuízos à natureza. Então tudo foi planejado para que pudéssemos alcançar um processo de produção sustentável”, afirma Elcio Malcher Dias Junior, estudante de Graduação em Engenharia de Bioprocessos e aluno participante do projeto.
Dessa forma, a água foi um dos solventes utilizados.
“Ao utilizar água, você também reduz o custo. Geralmente, os solventes usados são extremamente caros. Hoje, as resinas existentes utilizam formaldeído (substância tóxica) na sua composição. Nós conseguimos eliminar a sua presença e obter uma resina com características adequadas, utilizando solventes que não prejudicam o meio ambiente”, acrescenta a professora.
Novo material pesquisado não apresenta toxicidade
O estudante Elcio Malcher revela que as resinas utilizadas normalmente possuem um baixo grau de toxicidade. No entanto, com o tempo, os polímeros que compõem a resina se degradam, originando monômeros (pequenas moléculas) tóxicos. “Nós já realizamos alguns testes de viabilidade celular e vimos que o nosso material não apresenta toxicidade. Isso é um ponto muito importante”, afirma Elcio. “Com o passar do tempo, esses monômeros podem trazer algum efeito adverso no organismo, como inflamação ou alergia. Essa implicação pode acontecer sem que a pessoa saiba o que realmente se passa no seu organismo”, explica a professora Marcele Passos.
No final de 2019, o projeto foi selecionado para o 8º Prêmio Instituto 3M para Estudantes Universitários, no qual recebeu Menção Honrosa e Mentoria em Pesquisa e Desenvolvimento.
“Foi uma forma de estabelecer um vínculo empresa/universidade. Esse edital é de empreendedorismo e proporciona uma nova forma de apresentar as pesquisas para o público, além de verificar a viabilidade do produto para o mercado. Às vezes, aqui, na região amazônica, nós fazemos a pesquisa básica e vendemos aquilo que temos de importante ou transferimos o conhecimento sem transformá-lo em produto e, quando volta para a região, já vem muito mais caro. Então, por que nós não valorizamos o que temos aqui? “, questiona Marcele Passos.
“Primeiro, tivemos uma capacitação sobre empreendedorismo para aprendermos a ‘vender’ a ideia, naquele molde de apresentação que não é tão familiar para nós. No último dia, fomos para a sede da 3M para expor nosso produto. Foram apresentados cinco trabalhos de diferentes regiões do Brasil. Nós fomos selecionados para representar a Região Norte, levar o nosso conhecimento e apresentar a potencialidade dos nossos óleos”, conta Elcio Malcher sobre a experiência.
“Inicialmente, a nossa apresentação estava no estilo dos seminários que fazemos em sala de aula, mas foram necessárias diversas adaptações. O mundo está mudando e é preciso que tanto os professores quanto os alunos se renovem. Nós ainda temos uma mentalidade voltada para o formato da sala de aula, fazendo com que os alunos apresentem seminários de 40 minutos, e isso é cansativo para todos”, avalia a professora.
Em outro projeto, grupo desenvolve biocurativos
“Dentro do GDTec Biomazon, nós trabalhamos com partes específicas de biomateriais. Um dos projetos de que eu participo está relacionado à regeneração óssea. Nós estamos criando scaffolds, que são estruturas tridimensionais que auxiliam a recuperação celular”, conta Elcio Malcher.
“Outro projeto nosso são os biocurativos à base de hidrogéis. Pessoas idosas, por exemplo, ficam muito tempo acamadas. Isso pressiona algumas regiões do corpo causando feridas, que nós chamamos de úlcera de pressão. A ferida aberta libera pus, e esses curativos à base de hidrogéis absorvem os fluidos, facilitando a cicatrização. Além disso, dentro desses curativos, nós colocamos um composto bioativo daqui, da Amazônia, com características anti-inflamatórias e cicatrizantes que auxiliam na cura do ferimento”, explica a professora Marcele Passos.
A preocupação com sustentabilidade e preservação do meio ambiente é algo que permeia todos os trabalhos do grupo de pesquisa. Segundo Elcio Malcher, o estudo não é voltado apenas para óleos que acabam de ser extraídos, mas também para os óleos residuais. “Você tem um óleo para uma determinada aplicabilidade, depois disso, ele é descartado. É justamente esse resíduo que queremos transformar em material para a área médica. Nós estamos trabalhando em um pré-tratamento no óleo para reutilizá-lo”, expõe.
“Essa etapa de reutilização dos óleos ainda está no estágio inicial. Nossos melhores resultados ainda são com os óleos recém-extraídos. Já fizemos vários testes com o óleo de soja, que é um óleo usado na alimentação e possui um descarte imenso”, relata Marcele Passos.
Uma questão importante para que essas pesquisas tenham continuidade é a necessidade de financiamento. “Quando apresentamos o trabalho no Prêmio da 3M, nos falaram que nossa pesquisa usava tecnologia de ponta. Nós temos o conhecimento, o que precisamos agora é de incentivo. Precisamos, por exemplo, da impressora 3D para mostrar os produtos acabados. É importante que as pessoas conheçam as pesquisas da UFPA na área de biomateriais. O investimento que temos são as bolsas de Iniciação Científica, que ajudam muito os alunos, porém é preciso comprar reagentes químicos e insumos para a caracterização dos materiais em prol de desenvolver as pesquisas adequadamente. Esses custos, muitas vezes, têm como fonte recursos próprios”, alerta a coordenadora.
Com informações do Jornal Beira Rio/UFPA
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