“… a história política, da maioria dos países, é construída em torno de duas visões: uma reformista e outra conservadora. Entre elas há um período de transição que, de alguma forma, sedimenta alguns compromissos e, em alguns casos, uma espécie de pacto de governança”.
Arthur Schlesinger
Estevão Monteiro de Paula (*) e Sandro Breval (**)
O pragmatismo surgiu no século XVIII, não apenas como uma reação à metafísica – do mundo da especulação ao mundo da concretude – mas sobretudo como afirmação do direito natural. Por isso, trazia consigo a necessidade de justificar, por exemplo, a “common law”, o código estabelecido pelo poder dos tribunais na Inglaterra, não dos congressos legislativos, convém assinalar. Na visão divina de William Blackstone, estudioso das Leis britânicas, herdadas das Cortes Jurídicas, sempre focadas no Direito à propriedade, havia certa rejeição e críticas diretas do utilitarismo liberal de Jeremy Bentham. Para este, o Direito deve considerar a guarda dos bens à luz das consequências sociais. Ora, de acordo de muitos filósofos contemporâneos, a vulnerabilidade do utilitarismo de Bentham é o fato de que considera a satisfação do coletivo em vez do indivíduo. Mas foi exatamente isso que deu suporte e fama por mais de dois séculos ao seu pragmatismo.
Isolar ou verticalizar saídas?
A decisão do momento atual, tomado pela discussão entre isolamento radical ou vertical – se assemelha aos princípios epistemológicos do embate entre o direito natural e o utilitarismo de Betham, e sua ética da ocasião. O primeiro é considerado o direito natural do indivíduo, do ponto de vista de equidade, dentro da racionalidade do que é justo de forma universal. O segundo procura a felicidade do coletivo, em vez do indivíduo. Ou seja, resguardar o todo coletivo mesmo que isso signifique danos a indivíduos em sua particularidade. Ora, em clima de discussões do novo coronavírus, sobre isolamento social radical ou resguardo das condições materiais de sobrevivência. As pessoas ou a economia. Ora, se 50% das pessoas podem ser contaminadas e destas 3% encontrará a mortalidade, o que deve decidir a felicidade dos que não vão ser vitimados mantendo seu “status quo” economicamente ou a recessão para minimizar a estimativa de 3% da mortalidade? Quem pode responder a isso?
Badalos das prioridades
A questão é: até que ponto o pragmatismo corrobora no equilíbrio do pêndulo e seus badalos entre isso ou aquilo da poesia existencial de Cecília Meireles? Seria uma nova engenharia social? O panoptismo, a dialética entre vigiar e punir, em sua versão estatal, aparentemente, viabilizou o equilíbrio em alguns contextos, momentos de restrições e de comoção popular. É claro que vem à tona, nesses contextos, a divisão entre discussão teórica e a análise prática, e neste ponto precisamos ter parcimônia com os elos entre cultura, política, comunicação em massa etc. Estaria na hora de uma hermenêutica de profundidade, ou seja, uma construção mais simbólica no processo de distinção entre o campo e o objeto, e nesse momento as questões ideológicas poderiam ser adaptadas, ainda que no momento crítico e de guerra. Para o linguista Patrick Charaudeau, o discurso político não esgota todo o conceito político, mas não há política sem discurso, onde qualquer enunciado, por mais inocente que seja, sempre é passível de politização, a partir do momento em que a situação o autorizar. O equilíbrio estaria no pragmatismo do discurso?
Duplo Panoptismo: errático e motivador
No ponto de vista de alguns pensadores contemporâneos, existem duas modalidades de panoptismo, a estatal e a das redes sociais. Portanto, dois pêndulos simultaneamente. Fazendo uma analogia com um fenômeno físico que, até recentemente, era um desafio para entender o fato da sincronização de pêndulos simultâneos, mesmo que eles iniciem o movimento em fases diferentes. A aparente solução deste mistério secular foi publicada na revista “Nature”, com a explicação de que são impulsos sonoros, ou sejam, ondas sonoras que transporta energia de um pêndulo para outro. Portanto, diferente de uma engenharia social pode ser que o impulso sonoro ainda não gerou energia suficiente para sincronizar os dois pêndulos.
Assim, torna-se difícil o discurso de guerra, apesar de exemplos positivos como o do, por vezes errático Winston Churchill , sempre briguento e, apesar ou por causa disso, o novo lorde do almirantado inglês.
Em sua narrativa memorável sobre a necessidade de derrotar o nazismo, de forma incondicional, com a profundidade latente, ele traz ao campo o discurso do objeto: “A lição é a seguinte: nunca desista, nunca, nunca, nunca. Em nada. Grande ou pequeno, importante ou não. Nunca desista. Nunca se renda à força, nunca se renda ao poder aparentemente esmagador do inimigo”.
Mensagem pragmática proposital
Logo em seguida, ele traz à baila as dificuldades do campo com o discurso “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”, onde profetiza que a Grã-Bretanha lutará até a morte. Aliás Lukacs, em uma de suas obras, relata esse discurso como um raio de luz sobre aquele momento da Inglaterra. O fato é que o Hitler estava vencendo, mas o discurso deveria continuar aliado com o objeto. Sem alternância da percepção da guerra enfrentada pelos aliados e com os discursos contundentes, a distinção entre o que é o campo e o objeto torna-se perceptível. Sem redes sociais, isso facilita a manipulação de um só pêndulo com a dispensa total de sincronização com qualquer outra ação contrária.
Coronavírus: o novo Luftwaffe
Os Spitfires de ontem, os lendários aviões dos aliados na II Guerra, são os médicos de hoje, poucos, mas velozes, corajosos e, sobretudo, com propósitos firmes. Se não fossem eles, a escalada da Luftwaffe, a aviação bélica nazista, sobre a Inglaterra, seria pior. A questão é que alguém tinha o discurso e transpôs para o campo e demonstrou claramente o objeto, por isso não é à toa que Churchill ganhou o Nobel de Literatura.
A questão basilar talvez tenha sido a transformação do discurso, para uma força utilitarista sem precedentes, de um lado e os aliados caindo um a um, de outro, um inimigo forte com capilaridade gigantesca, que parece a pandemia.
Extremos do pêndulo: governo ou vírus
O historiador Arthur Schlesinger diz que a história política, da maioria dos países, é construída em torno de duas visões: uma reformista e outra conservadora. Entre elas um período de transição que de alguma forma sedimenta alguns compromissos e, em alguns casos, uma espécie de pacto de governança. A história não é desenvolvida em linha reta, e, portanto, o pêndulo oscila fortemente sobre tais correntes.
Os vales formados, em cada visão, aduzem algumas vezes a situações desconexas com a realidade, aliás a vida oscila, como um pêndulo, de um lado para o outro, entre a dor e o tédio (Schopenhauer). Se não for uma linha reta, as curvas são preocupantes e, no caso dos governos, possíveis ladeiras.
Caminho reto não traz felicidade
Esse caminho reto lembra os comentários de Le Corbusier sobre a curva que são “ cansativas, perigosa e funesta” enquanto que a reta é “uma resposta a uma solicitação precisa, um resultado atingido com plena consciência”; por outro lado, Oscar Niemayer rebate, de forma poética, que as curvas são o que de fato representa a natureza.
A interação milenar entre o ser humano e a natureza interferem nas dinâmicas sociais; portanto, o comportamento humano não é linearizado, fazendo com que qualquer atitude, para alcançar as metas, deva ser bem definida mas a sua conquista deverá acompanhar as linhas curvas imposta pelas relações humanas Assim, é provável que embora se tenha um objeto pode-se ter diversos campos. É muito perigoso ter o objeto bem definido e ser direto em um campo errado, gera-se conflitos difíceis de serem atenuados; é mais provável que para se ter sucesso seja necessário trabalhar o mesmo objeto em diferentes campos.
Voo às cegas ou o piloto automático?
Em 1970, a psicóloga Ellen Langer, de Harvard University, escreveu um artigo que indagava a seguinte questão: “Quanto de comportamento pode acontecer sem consciência total?”. Segundo os autores, bastante. De uma certa forma, às vezes agimos no “piloto automático”, mas o chocante no artigo é que também agimos assim em nossas interações mais complexas.
Creio que a interpretação quanto ao campo, objeto ou visão, de nosso contexto, devem espelhar o comportamento do pêndulo, ou seja, determinando motivações, guerras, pensamentos, regimes e até mesmo a relação com a felicidade. Não é um voo às cegas ou não deveria ser. Sem o equilíbrio do pêndulo nosso mundo fracassa o que nos abrigaria a apertar os cintos, porque o piloto sumiu, ou costurar nova engenharia social para que o pêndulo não despenque sobre todos nós…
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