Diz a lenda que um monge chamado Bonifácio, canonizado por sua fé e catequese, na metade do século VII, buscava esvaziar a adoração alemã por uma árvore poderosa chamado Carvalho. Numa noite de Natal, ele cortou um pé de Carvalho que, na hora da queda, destruiu tudo em volta deixando apenas um pequeno Pinheiro, viçoso e intacto. São Bonifácio não titubeou e disse a todos que aquela era a árvore de Jesus. Há outras estórias, mas o fato é que, por ter suas folhas sempre verdejantes, mesmo sob clima de friagem torrencial, esta espécie permaneceu, através dos séculos, como a árvore do Menino-Deus.
A tradição do presépio, diz outra lenda, se deve a Francisco de Assis que, no século XIII, iniciou a representação do Natal através de um presépio com pessoas em movimento, para festejar a festa Magna da Cristandade, o verdadeiro aniversário de Jesus. Presépio ou Pinheiro, a festa do Natal é um momento simbólico de fraternização, seja entre crentes ou agnósticos. Uma oportunidade única de apontar o abraço como o maior símbolo da reconciliação da criatura com seu semelhante e com seu Criador.
É bem verdade que esta celebração escamba para exageros gastronômicos, mas isso não lhe tira a relevância e a necessidade de sua permanência. A modernidade digital, com sua simultaneidade e movimentação avassaladora, reafirma a importância dessa religação. E esse fenômeno traduz a transcendência, como valor essencial desse cotidiano, insistentemente caótico e violento, em que vivemos. Transcendência, aqui, prioriza o sentido do que é essencial e do que não resiste ao movimento de mudanças, os sentimentos acessórios. Cultivar essa tradição significa resguardar o sentido da existência, onde alguém só se reconhece sob o crivo da acolhida de seu semelhante. “Só existo se você me descobre”.
E isso, certamente, pode ajudar a entender o movimento espontâneo, transcendente e fraterno, no atendimento das vítimas do incêndio,, que foi impactado pela iniciativa da família Benchimol/Minev, que tratou de comparecer com doações extraordinária, um evento rapidamente viralizado nas redes sociais como reconhecimento de que – mesmo a margem do banquete social – os moradores do Educandos, vitimados pelo incêndio na favela do Bodozal, são filhos do mesmo pai, Pai em caixa alta, que nos propiciou essa festa da fraternização. E é isso que o Natal simboliza, sob os galhos do Pinheiro, ou no cenário da humildade do Presépio, um estábulo transformado em Corte para celebrar a festa do Rei, não apenas dos Judeus, mas de toda a fraternidade universal, com a espetacular afirmação de que somos todos irmãos.
E quais as implicações dessa constatação em momentos ou não de adversidade e calamidade, senão a certeza de que este é o caminho, na medida em que conseguimos nos ver na ótica do pertencimento. Fazemos, pois, parte dessa confraria não importa a coloração do credo, ou os cânones, as vezes estreitos das instituições ou denominações religiosas. Para sermos irmãos basta retomar e assumir o legado de João XXIII, o papa da reconciliação ecumênica, que Francisco, hoje, reaviva no Vaticano: “importa mais o abraço que nos une e menos o sectarismo que nos separa”. Este é o maior sentido do Natal.
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